Provimento do TJPE possibilita inventário extrajudicial com testamento

PROVIMENTO N.º 17/2019 

Ementa : Disciplina a possibilidade de realização de inventário e partilha por escritura pública, mesmo diante da existência de testamento, ressalvadas as hipóteses excludentes. 

O Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, Desembargador Fernando Cerqueira Norberto dos Santos , no uso de suas atribuições legais e regimentais, por aprovação pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco na sessão de 18/11/2019 e; 

CONSIDERANDO o disposto no artigo 10, VII, do Regimento Interno da Corregedoria Geral da Justiça (Provimento nº 02, de 31/01/2006); 

CONSIDERANDO o disposto no § 1º do art. 236 da Constituição Federal do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que estabelece a fiscalização dos atos notarias e de registro pelo Poder Judiciário, bem como o previsto no inciso XIV do art. 30, combinado com o art. 38 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que preveem que o juízo competente expedirá normas técnicas complementares aos notários e registradores; 

CONSIDERANDO que a Lei nº 13.105/2015, art. 610 (Código de Processo Civil) prescreve que “ havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial ”; 

CONSIDERANDO a necessidade de adequação das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Pernambuco para a regulamentação dos procedimentos de inventário e partilha quando existente testamento; 

CONSIDERANDO que há intuito de desburocratizar, racionalizar os procedimentos e promover uma prestação jurisdicional célere, permitindo a razoável duração do processo, como um dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988; 

CONSIDERANDO que a atuação das serventias extrajudiciais na realização de inventários e partilhas por meio de escritura pública, quando inexistir interesses de incapazes ou fundações e havendo consenso entre os interessados maiores e capazes, ajuda a desafogar as unidades judiciárias com competência sucessória, a permitir a agilização das demandas judiciais em curso; 

RESOLVE

Art. 1°. Ultrapassada a fase de abertura, registro, arquivamento e determinação de cumprimento do testamento, procedimento de jurisdição voluntária, sendo todos os interessados capazes e concordes, o inventário e partilha poderão ser feitos por escritura pública, mediante autorização do juízo sucessório. 

Art. 2º. Será permitida também a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado, caduco, ou quando houver decisão judicial com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento, contanto que sejam observadas a capacidade e a concordância dos herdeiros. 

Art. 3º. Na hipótese prevista no artigo anterior, o Tabelião solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha, ou adjudicação, ficará vedada e o inventário deverá ser feito judicialmente. 

Art. 4º. Sempre que o Tabelião tiver dúvida a respeito do cabimento da escritura de inventário e partilha, nas situações que estiverem sob seu exame, bem como mediante requerimento dos interessados que não se conformarem com as exigências feitas ou não puderem satisfazê-las, deverá suscitá-la ao juízo competente em matéria de registro público. 

Art. 5º. A escritura pública de inventário e partilha, ou de adjudicação, constituirá título hábil para o registro imobiliário. 

Art. 6º. Este provimento entrará em vigor na data da sua publicação no Diário da Justiça Eletrônico (DJe).

Recife-PE, 18 de novembro de 2019. 

Desembargador Fernando Cerqueira Norberto dos Santos 
Corregedor Geral de Justiça

FONTE: DjePE 20.11.2019

TJGO entende ser válida comunicação do devedor fiduciante por e-mail e mantém leilão de imóvel

O cartório usou o email informado pelo devedor no contrato para intimá-lo do leilão. Tal procedimento, usado em caso de inadimplemento de mútuo garantido por alienação fiduciária, foi considerado legal pelo TJGO.

É importante que o Judiciário responda rápida e com firmeza nesses casos, para que o instituto seja eficiente e consiga promover uma maior agilidade e segura da no mercado, o que reverbera, inclusive, nos juros trabalhados. Pois quanto maior o risco, com infundadas e demoradas demandas judiciais, menos o instituto garante o credor, e esse eleva os juros para valer a pena o seu “desgaste”.

Assim dispõe a Lei n. 9.514/97, com as alterações da Lei n. 13.465/2017:

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
[...]

§ 2o-A.  Para os fins do disposto nos §§ 1o e 2o deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.

Vejam a notícia do site “Rota Jurídica”:

É válida a comunicação dirigida ao e-mail de devedor fiduciante, ainda que não lida, informado as datas, horários e locais do leilão, conforme normativo incluído pela Lei 13.465/2017 na Lei 9.514/1997. Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) manteve sentença que rejeitou pedido de anulação de execução extrajudicial de garantia fiduciária de imóvel. A ex-proprietária do imóvel alegou que não foi notificada acerca de leilão do bem. Porém, após tentativas de notificação via correios, ela recebeu e-mail com as informações sobre a hasta pública.

A decisão é Terceira Turma Julgadora da 1ª Câmara Cível do TJGO. Os magistrados seguiram voto divergente do desembargador Orloff Neves Rocha. O banco e o atual proprietário do imóvel foram representados na ação pelos advogados Paulo Rafael Fenelon Abrão e Leonardo Leonel Rodrigues, do escritório Fenelon Abrão Advogados S/S.

A ex-proprietária do imóvel relata na ação que adquiriu o bem em abril de 2104 por meio de contrato de financiamento habitacional junto ao Banco Intermedium S/A. Posteriormente, as prestações não foram pagas porque ela ajuizou ação revisional. diante disso, a instituição financeira promoveu a consolidação da propriedade em seu favor, e realização os leilões públicos, em que o imóvel fora arrematado.

Ao ingressar com ação anulatória de execução extrajudicial de garantia fiduciária, a ex-proprietária argumentou a nulidade dos leilões pela ausência de sua intimação quanto aos mesmos e arrematação por preço vil. O pedido foi indeferido em primeiro grau, tendo em vista que foi comprovado que houve o envio da notificação referente aos leilões para o endereço residencial, bem como por meio eletrônico.

Ao analisar o recurso, o desembargador observou em seu voto que todo o procedimento previsto em lei foi cumprido pela instituição financeira. O telegrama dos correios sobre as datas do leilão não logrou êxito, não entregue pelo motivo “ausente”. Foram realizadas três diligências sem sucesso. De outro lado, o envio ao e-mail de informações sobre a data do leilão, recebido pela destinatária, mostra que a comunicação eletrônica, autorizada por lei, logrou êxito.

O magistrado explicou que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de ser cabível a purgação da mora mesmo após a consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário. Nesse contexto, mostra-se imprescindível a intimação pessoal do devedor acerca da realização do leilão extrajudicial. Sendo que a dispensa da intimação pessoal só é cabível quando frustradas as tentativas de realização deste ato, admitindo-se, a partir deste contexto, a notificação por edital.

Contudo, essa orientação não se aplica às execuções que correm na vigência da Lei 13.465/2017. A norma dispõe que, para fins de comunicação da data do leilão, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.

“A comunicação dirigida ao e-mail da devedora, ainda que não lida, informado as datas, horários e locais do leilão, cumpre o disposto no artigo 27, parágrafo 2º-A, da Lei 9.514/1997, normativo incluído pela Lei 13.465/2017 e em vigor à época dos fatos”, completou o desembargador em seu voto.

Processo 5040594.59.2018.8.09.0051

Fonte: Rota Jurídica

Fonte: 4º RI Goiânia

A lei de dispensa de reconhecimento de firma (13.726/2018) não se aplica aos Registros de Imóveis

As Leis 13.460/18 e 13.726/2018, para desburocratizar procedimentos dos usuários da Administração Pública, dispensou o reconhecimento de firma e também a autenticação de documentos em requerimentos do usuário a ÓRGÃOS PÚBLICOS.

Vejam por exemplo a 13.726/18:

Art. 3º  Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:

I – reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento;

II – autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade;

Mas isso não se aplica aos  serviços de Registro de Imóveis. Esses cartórios devem  continuar a exigir o reconhecimento de firma e a autenticação de documentos, quando a lei assim prever.

Fundamentos:

1 – Cartório não é órgão público da Administração. Como vocês sabem, o que as pessoas chamam de “cartório”, é na verdade, conforme art. 236 da CR/88 e Lei 8934/94 uma pessoa que presta um serviço delegado pelo serviço público, de forma particular. É um delegatário de serviço público, prestado de forma particular. Esse delegatário é que responde pessoalmente por tudo (com possibilidade de regresso a colaboradores). Não é órgão da Administração.

2 – RI tem lei própria específica exigindo reconhecimento de firma em todo documento particular: Lei 6015/76, art. 221, II (salvo SFH) e art. 246, §1º.

A própria Lei 13.460/18 excepciona expressamente leis específicas:

2o  A aplicação desta Lei não afasta a necessidade de cumprimento do disposto: 

I – em normas regulamentadoras específicas, quando se tratar de serviço ou atividade sujeitos a regulação ou supervisão;

E recentemente o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sedimentou esse entendimento, adotando o primeiro fundamento acima, na seguinte decisão, que vincula cartórios de todo o país:

CNJ: CNJ: Lei n. 13.726/2018 (Lei de Desburocratização) – Incidência aos Serviços de Registros de Imóveis – Os serviços de autenticação, reconhecimento de firma e outros praticados nas serventias brasileiras, por encerrar uma relação de natureza privada do cidadão com o cartório, não estão incluídos, para fins de dispensa, na Lei nº 13.726/2018, muito menos com a possibilidade de serem praticados com isenção de emolumentos – Aplicação uniforme em todo o território nacional – Decisão em caráter normativo.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0002986-87.2019.2.00.0000

Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – CGJPR

Requerido: CORREGEDORIA NACIONAL DA JUSTIÇA

DECISÃO

Cuida-se de pedido de providências formulado pela CORREGEDORIA
GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ em desfavor da CORREGEDORIA
NACIONAL DE JUSTIÇA.

A requerente alega que foi questionada sobre a incidência da Lei n. 13.726/2018 (Lei de Desburocratização) aos Serviços de Registros de Imóveis, especificamente quanto à exigência de reconhecimento de firma.

Explicita que a citada lei “Estabelece, dentre seus regramentos, que é dispensada da exigência de reconhecimento de firma (art. 3º, inciso I) e autenticação de cópia de documentos (art. 3º, inciso II) na relação do cidadão com órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios”.

Sustenta, ainda, que “Esta Corregedoria tem recebido questionamentos acerca da aplicabilidade da nova legislação pelos usuários no âmbito dos serviços notariais e de registro, principalmente quanto a exigências de agentes delegados para apresentação de reconhecimento de firma e autenticação de cópia de documentos, considerando a existência de previsão legal específica que os exige para a prática de determinados atos jurídicos (v.g. art. 158, art. 221, inciso II e art. 250, inciso II, da Lei 6.015/1973)”.

Informa, por fim, que vem recebendo consultas questionando acerca da necessidade da aplicação da Lei de Desburocratização aos serviços extrajudiciais.

Assim, com o objetivo de receber orientação e unificar o entendimento acerca da aplicação da Lei n. 13.726/2018 ao serviço extrajudicial, a requerente pleiteia a manifestação da Corregedoria Nacional acerca do tema.

É, no essencial, o relatório.

A lei nº 13.726/2018, conhecida como Lei da Desburocratização possui por objetivo primordial a racionalização de atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas relações entre estes entes políticos, suas entidades e o cidadão, portanto, aplica-se tão somente às relações entre o cidadão e o Poder Público.

A atividade extrajudicial brasileira, por força do disposto no art. 236 da Constituição Federal, apresenta-se como delegação do poder público, porém, exercida em caráter privado.

Esta característica do serviço extrajudicial brasileiro é de fundamental importância para que se possa concluir pela aplicação ou não da lei da desburocratização aos serviços notariais e registrais do país.

Diante desse quadro, não há como se admitir a aplicação da lei, com a isenção de todos os emolumentos referentes aos serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais brasileiros.

O cidadão que procura um cartório para autenticar um documento ou reconhecer uma firma está realizando um ato com um ente privado e não com um ente público, a justificar a dispensa das exigências previstas em qualquer das hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 13.726/2018.

Como dito, a lei desburocratiza as relações do cidadão com o Poder Público e não o particular.

A delegação de serviço de natureza pública está relacionada à competência para que um ente, dentro de sua esfera, possa transferir a um terceiro, pessoa física ou jurídica, a execução da atividade, sob sua conta e risco.

Portanto, os serviços de autenticação, reconhecimento de firma e outros praticados nas serventias brasileiras, por encerrar uma relação de natureza privada do cidadão com o cartório, não estão incluídos, para fins de dispensa, na Lei nº 13.726/2018, muito menos com a possibilidade de serem praticados com isenção de emolumentos.

Considerando a relevância do tema e a necessidade de aplicação uniforme em todo o território nacional, atribuo à presente decisão o caráter normativo.

Intime-se o requerente que suscitou a dúvida.

Intimem-se todas as Corregedorias de Justiça dos Estados e do Distrito Federal para que tomem ciência da presente decisão e comuniquem os cartórios submetidos às suas fiscalizações.

Após, arquivem-se os autos.

Data registrada no sistema.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Corregedor Nacional de Justiça

Fonte: 4º RI Goiânia

Casamento pode ser celebrado de acordo com as necessidades dos noivos – Blog do DG

Existe um assunto que vale a pena destacar, pois tem imensa relevância para os cidadãos, que nem sempre são informados sobre isso: as diferentes possibilidades de celebração de um casamento. Sim. Não existe apenas o casamento civil, realizado na presença de um juiz de paz nas dependências do cartório.

Os noivos podem celebrar o casamento de acordo com as suas necessidades. Isso porque há leis que preveem outras possibilidades de celebração, como, por exemplo, juntar o casamento religioso e civil em um só ou se casar em local e data escolhido pelos nubentes.

Há ainda um caso mais complexo, como a celebração do casamento em situações mais urgentes, como risco de morte. E um caso mais simples, como os casais que desejam apenas converter a união estável em casamento civil. A seguir, explico todas essas possibilidades.

Casamento civil no cartório

Essa é a modalidade mais comum e, por isso, a mais praticada. O casamento civil é celebrado nas dependências do cartório, de forma pública. E quem realiza a cerimônia é o juiz de paz, na presença de um escrevente, dos noivos e de seus padrinhos.

Casamento religioso com efeito civil

Esse tipo de celebração é realizado fora do cartório e presidido por uma autoridade religiosa, como um padre, pastor, rabino etc. Sendo assim, o casamento civil e o religioso são formalizados em cerimônia única. Os noivos recebem um termo, emitido pela autoridade religiosa, que deve ser levado ao cartório para registro em até 90 dias após a data da celebração.

Casamento em diligência

Já o casamento em diligência, também celebrado fora do cartório, é presidido pelo juiz de paz, por motivo de força maior ou por mera vontade dos nubentes. Na maioria das vezes, essa é uma opção para os noivos que não se casarão no religioso, mas desejam celebrar o casamento no local da festa.

Casamento nuncupativo

O casamento nuncupativo é a opção quando um dos noivos corre risco iminente de morte ou sofre de doença grave que o impede de realizar os trâmites legais para o ato. Por isso, a celebração é feita em ambiente hospitalar, domicílio ou onde se encontra o nubente incapaz, por meio de declaração de vontade dos noivos, mediante a presença de seis testemunhas.

Conversão de união estável em casamento

Por fim, a conversão ocorre quando um casal que já vive em união estável, decide se casar no civil. Essa modalidade segue os mesmos trâmites legais do casamento civil comum, porém é dispensada a celebração feita nas dependências do cartório pelo juiz de paz.

Para saber mais sobre casamento civil ou união estável, indico o vídeo que gravei para o canal do YouTube sobre as duas modalidades: Casamento ou União Estável? Tudo é Família!.

Fonte: Blog do DG

Recusa injustificada dos herdeiros na realização do exame de DNA configura presunção relativa de paternidade

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA – RECUSA INJUSTIFICADA DOS HERDEIROS – PRESUNÇÃO RELATIVA DE PATERNIDADE – PROVA TESTEMUNHAL FAVORÁVEL À AUTORA – SENTENÇA REFORMADA

– O direito ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética, por dizer respeito à própria personalidade do indivíduo, constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (Súmula nº 149 do STF), calcado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR/88), devendo ser respeitada a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica.

– Em ação de investigação de paternidade, a presunção relativa de paternidade (Súmula nº 301 do STJ), decorrente da recusa em se submeter ao exame de DNA, não se limita à pessoa do investigado, devendo atingir os réus que, injustificadamente, se recusam à realização do exame.

– O fato de os herdeiros terem se recusado, injustificadamente, a se submeterem ao exame de DNA, requerido diversas vezes pela autora que, inclusive, se dispôs a custeá-lo, gera presunção iuris tantum de paternidade, mormente em se considerando, ainda, que a prova testemunhal foi uníssona no sentido de que a autora é filha do falecido.

Dar provimento ao recurso.

Apelação Cível nº 1.0056.12.009438-0/001 – Comarca de Barbacena – Apelante: M.F.R.A. – Apelados: G.R.F., L.R, P.R., C.R.O. e M.G.R.M. – Litisconsorte: M.R.S.G. – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Conheço do recurso interposto, presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Trata-se de ação de investigação de paternidade ajuizada por M.F.R.A. em face de C.R.O., G.S.F., L.R., M.G.R.M., P.R. e M.R.S.G., alegando, em suma, que “a autora foi concebida do relacionamento amoroso mantido por seus pais de forma pública. Seu genitor M.R.N. – faleceu no dia 2/9/11 (doc. 3), não deixando ascendente (doc. 4) e, por ora, apenas irmãos, ora Requeridos; sua genitora – M.G.R.M. – faleceu em 16/5/1998 (doc. 5). Cumpre destacar que há uma ação de investigação de paternidade com nulidade de registro no assento de nascimento formulado por J.C.N. em face dos Requeridos […]”. Afiançou que “tanto a autora desta ação quanto seu ‘irmão’ – J.C.N. – sempre souberam dos relacionamentos amorosos mantidos por seus genitores, bem como, um conhece o outro, de modo que atualmente vivem semelhante situação fática.” Asseverou, ainda, que “a autora possui o sobrenome ‘R.’ do seu falecido genitor, porém, não fora por ele reconhecido junto ao cartório de registro civil, mas era vista como sendo sua filha por ele e perante a localidade em que residia, nesta cidade, malgrado tenha se casado (doc. 6) e mudado para o Rio de Janeiro, onde vive.” 

Contestação às f. 53/64 e impugnação às f. 79/82.

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais declarou, à f. 191, que “deixa de manifestar no presente feito por julgar desnecessária tal intervenção”.

Na sentença de f. 192/195, o MM. Juiz de primeiro grau julgou “improcedente o pedido inicial, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência que arbitro em R$1.500,00. No entanto, por ser a autora beneficiária da gratuidade de justiça, suspendo a exigibilidade dessas verbas, com base no art. 98, § 3º, do CPC”.

Inconformada, apelou a parte autora às f. 197/202, sustentando, em síntese, que “não se trata de um relacionamento recente entre a mãe da investigante e do Sr. M., tal relacionamento ocorreu há quase cinquenta anos. […] Desta forma o único meio que restou à apelante produzir foi a testemunhal vez que os requeridos se recusaram a realizar o exame de DNA, o que faria prova quase absoluta da paternidade.” Alegou que “ficou consignado nos depoimentos prestados pelas duas testemunhas, que os vizinhos sabiam que o Sr. M. era pai da Investiganda e não se constata nos depoimentos que o Sr. M. tenha negado tal atribuição. E exigir mais detalhes de fatos ocorridos há mais de quarenta anos e, como dito anteriormente e que é conhecimento geral que relacionamentos extraconjugais eram mantidos em segredo é querer exigir muito de testemunhas.”

Asseverou, ainda, que “os tribunais já vinham entendendo que a recusa injustificada do investigado em realizar o exame de DNA, aliado a outras provas produzidas, ainda que não conclusivas, era de se impor o reconhecimento da paternidade.”

Pugnou, ao final, pelo provimento do recurso.

Contrarrazões às f. 203/213.

Processo distribuído por sorteio (f. 219).

Revelam os autos que M.F.R.A. ajuizou a ação de investigação de paternidad” em face de C.R.O. e outros, tendo o MM. Juiz de primeira instância julgado improcedente o pedido inicial (art. 487, I, do CPC/15), o que gerou a presente irresignação da parte autora.

Delimitando a controvérsia, vale registrar que, historicamente, o direito filiatório se constituiu sob duas referências, a biológica e o casamento, sendo os filhos classificados em legítimos (matrimoniais) e ilegítimos, sendo essa ultima classificação subdividida em naturais – fruto de pessoas desimpedidas de casar, mas que não constituíram matrimônio; e espúrios – frutos de relacionamento extraconjugais e sacrílegos – fruto de violação do dever de castidade dos devotos.

Contudo, modernamente, essa concepção napoleônica sobre o direito de filiação encontra-se superada por se mostrar incompatível com a atual realidade social, em que há novas possibilidades de reprodução decorrentes da biotecnologia, possibilidade de reconhecimento de filiação socioafetiva (afeto como valor jurídico) e possibilidade de adoção, inclusive homoafetiva.

Nesse mister, a Constituição da República de 1988 pretendeu extirpar o histórico de desigualdades, reconhecendo a igualdade entre os filhos, independentemente da origem do vínculo, bem como proibindo quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (art. 227, § 6º, da CR/88).

Noutro giro, o direito ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética, por dizer respeito à própria personalidade do indivíduo, constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (Súmula nº 149 do STF), calcado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR/88), devendo ser respeitada a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica.

A propósito, dispõe o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90): 

“O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”. Sobre o tema, discorre Válter Kenji Ishida:

“O dispositivo refere-se à ação de investigação de paternidade, sendo personalíssimo à medida que pode ser exercido somente pelo filho, representado ou assistido; indisponível posto que não se pode renunciá-lo e imprescritível porque pode ser exercido a qualquer momento, sem que incida a prescrição” (Estatuto da Criança e do Adolescente. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 55).

A ação investigatória de paternidade é disciplinada pela Lei Nº 8.560/1992, cujo art. 2º-A, incluído pela Lei nº 12.004/2009 que dispõe:

“Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.

Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”.

Do mesmo teor, os arts. 231 e 232 do Código Civil de 2002:

“Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”

Ao interpretar os citados dispositivos legais, o c. Superior Tribunal de Justiça publicou, em 18/10/2004, a Súmula 301, com o seguinte teor:

Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

Da leitura dos textos normativos e sumular depreende-se que, em ação investigatória, a comprovação do vínculo genético pode ser feita por todos os meios de prova admitidos, conferindo-se especial relevância ao exame pericial de DNA, dada sua segurança e precisão.
 

A não realização da prova pericial por recusa injustificada do suposto pai, contudo, não pode lesar a busca pela verdade do vínculo paterno-filial, o que autoriza aplicar a presunção iuris tantum de paternidade, desde que, obviamente, no mesmo sentido convertam os demais elementos probatórios produzidos nos autos.

Esclarece-se, nesse ponto, que, em ação de investigação de paternidade, a presunção relativa de paternidade (Súmula nº 301 do STJ), decorrente da recusa em se submeter ao exame de DNA, não se limita à pessoa do investigado, devendo atingir os réus que, injustificadamente, se recusam à realização do exame. 

Nesse sentido, já decidiu o c. STJ:

“Agravo interno. Direito de família. Filiação. Exame de DNA. Metodologia mais avançada. – 1. A demanda principal diz respeito à necessidade de realização de exame de DNA por meio de métodos mais avançados, em vista da degradação óssea do investigado – de mais de trinta anos -, além da reiterada recusa dos demais herdeiros em realizar a perícia indireta. 2. Com o avanço das pesquisas tecnológicas, o exame de DNA surge com importância visceral para se aferir a filiação, acarretando profundo impacto na dinâmica das ações investigatórias, permitindo-se a determinação biológica com precisão científica em razão da carga genética do indivíduo, de forma simples, rápida e segura. 3. A jurisprudência sedimentou a presunção juris tantum de paternidade que se pretendia provar quando há recusa injustificada do suposto pai em submeter-se ao exame de DNA, nos termos do enunciado 301 do STJ. Há de se dar prevalência à dignidade da pessoa humana do filho, no direito à descoberta da identidade genética e regularização de seu status familiar, em detrimento do direito do pai investigado a não submissão à perícia médica, refutando-se quaisquer óbices de natureza processual ao referido direito fundamental. 4. Esta Corte reconhece ser plenamente possível a conversão do julgamento em diligência para fins de produção de prova essencial, como o exame de DNA em questão, principalmente por se tratar de ação de estado. 5. O processo civil moderno vem reconhecendo – dentro da cláusula geral do devido processo legal – diversos outros princípios que o regem, como a boa-fé processual, efetividade, contraditório, cooperação e a confiança, normativos que devem alcançar não só as partes, mas também a atuação do magistrado, que deverá fazer parte do diálogo processual. 6. Uma vez concedida a produção da prova genética e sendo viável a obtenção de seu resultado por diversas formas, mais razoável seria que o magistrado deferisse a sua feitura sobre alguma outra vertente, e não simplesmente suprimi-la das partes pelo resultado inconclusivo da primeira tentativa, até porque, ‘na fase atual da evolução do Direito de Família, não se justifica desprezar a produção da prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz’ (REsp 192.681/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 2/3/2000, DJ de 24/3/2003). 7. Não se pode olvidar que esta Corte já reconheceu, em ação de investigação de paternidade, que “a presunção de paternidade enunciada pela Súmula nº 301/STJ não está circunscrita à pessoa do investigado, devendo alcançar, quando em conformidade com o contexto probatório dos autos, os réus que opõem injusta recusa à realização do exame” (REsp 1.253.504/MS, Rel.ª Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13/12/2011, DJe de1/2/2012). 8. Neste caso, já houve exumação do corpo e os herdeiros recusam-se reiteradamente a realizar a perícia indireta, o que justifica, assim, o novo teste de DNA nos ossos do falecido pai pela técnica indicada. 9. Agravo interno de O.A.P.O. e outros não provido” (AgInt no REsp 1563150/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 11/10/2016, DJe de 19/10/2016).

“Processo civil. Ação de declaração de relação avoenga. Súmula 301/STJ. Litisconsórcio passivo necessário. Citação do avô registral. Edital. Recurso especial provido. – 1. A conversão do julgamento em diligência para produção de exame de DNA em ossadas do falecido suposto avô biológico e do falecido pai, ambos mortos há décadas, não se justifica ante a possibilidade de realização do exame, adotando para confronto o material genético fornecido pelo autor e pelos réus, estes filhos do alegado avô biológico. 2. A presunção de paternidade, enunciada pela Súmula nº 301/STJ, não está circunscrita à pessoa do investigado, devendo alcançar, quando em conformidade com o contexto probatório dos autos, os réus que opõem injusta recusa à realização do exame. Precedentes do STJ. 3. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa, autorizando o magistrado a suprir a prova que se pretendia obter com o exame. 4. Na linha da pacífica jurisprudência do STJ, deve ser citado, como litisconsorte passivo necessário, o avô registral. Havendo comprovada impossibilidade de encontrar o paradeiro do avô registral, ou de seus eventuais herdeiros desconhecidos, caberá ao juízo de origem determinar a citação por edital de José Pereira Vianna e possíveis herdeiros. 5. Recurso especial a que se dá parcial provimento” (REsp 1253504/MS, Rel.ª Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. em 13/12/2011, DJe de 1º/2/2012). Fixadas tais premissas, verifica-se dos autos que a parte autora, M.F.R.A., em sede especificação de provas, requereu o “deferimento da prova pericial (exame de DNA), devendo ocorrer a exumação dos restos mortais do falecido, irmãos do dos requeridos, sob a condição de imprescindibilidade” (f. 100).

Nesse passo e no tocante ao pretendido exame de DNA, afere-se da ata da audiência de conciliação realizada no ano de 2014:

“[…] Mais uma vez exaustivamente tentada a realização de exame pericial em DNA – que a autora se compromete a pagar – os réus disseram não concordar em ceder o material genético – saliva – para a perícia, por acreditarem, segundo o procurador, que pode haver, ‘segundo a jurisprudência, risco de autora ter algum parentesco com a família dos réus e isso dar um resultado que poderia levar à conclusão errônea da paternidade.’ A autora requereu a suspensão do processo até que se obtivesse nos autos o valor da perícia através da exumação do cadáver – que está sepultado em Barbacena. […]”. 

Ocorre que, apresentados os valores “sobre o exame de reconstrução” pelo Hermes Pardini (f. 132), a parte autora peticionou nos autos informando que “não tem condições de arcar com os custos do exame de DNA, e como está litigando sob o pálio da Justiça Gratuita, requer que a mesma seja realizada por conta do Estado […]” (f. 135).

Por sua vez, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais manifestou nos autos, nos exatos termos: “Tendo em vista a recalcitrância da parte requerida em fornecer material genético para o exame de DNA, aliado ao fato da dificuldade na realização de exame pericial gratuito, posta o Ministério Público pela designação de nova audiência de instrução e julgamento” (f. 137).

Em sede de audiência de instrução, constou: “Pela autora foi dito não ter condições de pagar o exame com os restos mortais do suposto pai, mas se dispõe a pagar o exame entre ela e os três irmãos do falecido. Pela procuradora dos réus foi dito que seus clientes se negam a se submeter ao exame requerido, sem que expliquem seus motivos” (f. 177).

No tocante à prova testemunhal, foram ouvidas, tão somente, duas testemunhas arroladas pela autora, sendo possível extrair dos depoimentos (f. 178/179):

“M.L.P.D., compromissada, disse que conhece a autora e conheceu M.R.N., que morreu há uns cinco anos; não sabe ao certo; a mãe da autora sempre comentava que o M. era o pai de M.; não acompanhou a vida deles, mas sempre ouviu dizer que eles tiveram ‘um caso’; acha que a autora não entrou na Justiça, porque não tinha dinheiro para entrar na Justiça; o M. era pai, inclusive, do irmão da autora, que já morreu também. Perguntado pela autora, disse que a sogra de sua irmã falava com o M. para reconhecer a autora e o Z.F., este que já morreu; sempre diziam à autora para tomar bênção a seu pai; às vezes ele respondia, às vezes não. Os comentários sempre foram de que o M. era o pai dos dois irmãos, a autora e o Z.F. Diziam por lá que a mãe da autora, após o nascimento desta, teve problemas de ‘resguardo quebrado’, mas não sabe se isso afetou a lucidez dela. Perguntada pelos réus, disse que a mãe da autora não tinha outro relacionamento ou mesmo um casamento; não sabe como a mãe da autora conheceu o M.R.”.

“J.C.D., compromissado, disse que a autora e a ré presentes nesta audiência são suas conhecidas; conheceu M.R., de quem era vizinho; o M. já morreu; não sabe há quanto tempo ele morreu. Não foi ao velório nem ao enterro; a autora também é vizinha do depoente; conheceu a G., mãe da autora, que sempre disse que o M. era o pai da autora; toda a vizinhança sempre dizia que o M. era o pai da autora; o M. nunca falou nada sobre isso com o depoente; que não sabe se o M. tinha outros filhos; conheceu o Z.F., irmão da autora, que já morreu; não sabem quem é o pai de Z.F. […] Perguntada pelo réu, disse que nunca viu a G. em relacionamento público com o M; que a G., mãe da autora, sempre reclamava de muita dor de cabeça, mas não sabe se isso afetava sua lucidez”.

Com efeito, diferentemente do que conclui o d. Sentenciante, entendo que o fato de os herdeiros terem se recusado, injustificadamente, a se submeter ao exame de DNA, requerido diversas vezes pela autora que, inclusive, se dispôs a custeálo, gera presunção iuris tantum de paternidade, mormente em se considerando, ainda, que, as duas testemunhas ouvidas, afirmaram que a autora, M.F.R.A. é filha de M.R.N.

Dessa forma, não podem os réus se beneficiarem da própria torpeza, devendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como tutelado o direito da autora de ser reconhecida sua paternidade biológica, valendo asseverar que as únicas testemunhas arroladas afirmaram, repita-se, que a autora é filha de M.R.N., inexistindo elemento capaz de desabonar essas afirmações.

Sobre o tema, já decidiu este eg. Tribunal:

“Apelação cível. Família. Ação investigatória de paternidade. Coisa julgada. Afastada. Prova pericial. DNA. Recusa injustificada e não comparecimento do réu. Presunção relativa de paternidade. Cotejo probatório. Reconhecimento da paternidade. Recurso provido. – Aceita-se a relativização da coisa julgada, à esteira do entendimento do STJ, em ações de investigação de paternidade, quando o exame a que as partes foram submetidas não tem a sensibilidade e especificidade da prova genética de DNA. – Considerado o conjunto probatório dos autos e a incidência da presunção prevista nos arts. 231 e 232 do CC/2002, bem como na Súmula 301 do STJ, ainda que alegada a exceptio plurium concubentium ao tempo da concepção, deve ser reconhecida a paternidade do réu relativamente à autora. – Recurso provido, para que seja reformada a sentença de improcedência do pedido” (TJMG – Apelação Cível 1.0592.12.002036-3/001, Rel.ª Des.ª Hilda Teixeira da Costa, 2ª Câmara Cível, j. em 5/8/2014, p. em 19/8/2014).

“Apelação cível. Ação de investigação de paternidade. Exame de DNA. Recusa das herdeiras. Presunção probatória relativa. Art. 231 e 232, do C.C.. Provas testemunhais uníssonas. Sentença confirmada. – Constatado que foram produzidas provas testemunhais que confirmam a paternidade alegada pelo autor e não se desincumbindo as filhas do pai investigado de infirmálas, recusando-se, inclusive, a se submeterem ao exame de DNA, deve ser confirmada a sentença que julgou procedente a ação de investigação de paternidade” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.09.546758-5/001, Rel. Des. Armando Freire, 1ª Câmara Cível, j. em 18/6/2013, p. em 25/6/2013).

Pelo exposto, dou provimento ao recurso para julgar procedente o pedido inicial (art. 487, I, do CPC/15), declarando a paternidade biológica de M.F.R.A. como sendo de M.R.N.

Inverto, por consequência, os ônus sucumbenciais em favor da parte autora, condenando os réus a pagarem honorários de sucumbência em favor do advogado da parte autora em R$3.000,00 (três mil reais), já incluídos os recursais (art. 85, §§ 8º e 11, do CPC/15), suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça (arts. 98 e segs. do CPC/15 e Lei Nº 1.060/50). 

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o relator os Desembargadores Alexandre Santiago e Ângela de Lourdes Rodrigues.
Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG

A certidão de batismo não pode ser o único documento hábil para comprovar a data de nascimento

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. REGISTRO DA DATA DE NASCIMENTO EQUIVOCADO. PROVA FRÁGIL. I- Afigura-se admissível a retificação de registro civil, nos termos do artigo 109, da Lei nº 6.015/73, desde que exista nos autos a prova cabal e incontroversa da existência de erro nele contido. 2. A certidão de batismo não é documento hábil para comprovar, por si só, a data de nascimento de uma pessoa, posto que desprovida de fé pública. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO. 6ª CC, AC nº 5096176-78.2017.8.09.0051, Rel. Des. WILSON SAFATLE FAIAD, DJ de 07/08/2019)

Posse exclusiva e ininterrupta de co-herdeiro não garante usucapião

SENTENÇA: MARIA DE LOURDES DE SANTANA, propôs a presente AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO em face de ANTÔNIA GERMANIA DE SANTANA e SEVERINO JOSÉ DE SANTANA. A autora alega que reside no imóvel situado na Rua Amália, nº 215, Cordeiro, Recife-PE, desde o ano de 1979, quando se imitiu na posse do mesmo, e lá formou família e criou seus filhos, mantendo desde o início a posse mansa, pacífica, contínua, ininterrupta e sem oposição de terceiros. Tal terreno, no entanto, está registrado em nome dos réus, genitores da autora. Segundo a demandante, desde que ela se imitiu na posse do terreno objeto da ação, juntamente com seu esposo, já falecido, possuiu o animus domini, construiu o imóvel nele existente, realizou as benfeitorias necessárias para a sua manutenção e pagou o imposto predial, a conta de energia e a de água. Diante do acima exposto, ela requereu a declaração em seu favor do domínio do imóvel usucapiendo conforme descrito nas plantas de levantamento da arquitetura e nas informações constantes de seu registro cartorário, a expedição de mandado para que o 4º Cartório de Registro de Imóveis promova o registro da aquisição pleiteada e a averbação da construção descrita na inicial, como “habite-se judicial”. Requereu, também, os benefícios da justiça gratuita. O Juízo deferiu o pedido de gratuidade e determinou a citação dos réus (incertos e não sabidos), dos confinantes e das Fazendas Municipal, Estadual e Federal. Foi publicado edital citando os réus, os confinantes não localizados e eventuais interessados incertos e não sabidos, fls 199-202. As fazendas públicas manifestaram ausência de interesse na demanda, conforme ofícios de fls.138/146/306. Tanto os réus quanto os confinantes foram citados pessoalmente ou por meio de seu representante legal, fls. 92/136. Os réus apresentaram contestação às fls. 96-101, arguindo preliminarmente inepcia da inicial sob o fundamento de que a autora não possui legitimidade para requerê-lo por não preencher os requisitos legais para a aquisição por meio de usucapião nem possuir animus domini. Meritoriamente, eles afirmaram que a autora jamais teve a posse mansa e pacífica do bem objeto da lide. Isso, porque, inicialmente o referido imóvel pertencia à avó materna da autora, que a cedeu em comodato, quando essa última casou, até que ela e seu esposo se organizassem financeiramente para pagar o aluguel. Posteriormente, com a morte da avó da demandante, a propriedade do terreno foi transferido em partilha para a ré, mãe da autora. Durante todo esse período a demandante permaneceu no mencionado terreno, apesar de os réus ressaltarem que o mesmo não lhe pertencia. A autora apresentou réplica, fls. 158-194. Em agosto de 2016, foi informado nos autos o falecimento do réu SEVERINO JOSÉ DE SANTANA, e requerida a habilitação dos seus herdeiros. Tal pedido foi deferido. Foi realizada audiência de instrução e julgamento, em 18/07/2017, com oitiva das partes e testemunhas, fls. 384-396. A autora e os réus apresentaram razões finais, fls.428-470 e 556-561, respectivamente. Vieramme os autos conclusos. É o que importa relatar. Passo a decidir. De início, observo que a preliminar apresentada pelos réus se confunde com o próprio mérito, motivo pelo qual decido a matéria quando enfrentar o mérito da demanda. A usucapião extraordinária, prevista no art. 1.238 do CC/2002, tem como requisitos legais a posse mansa e pacífica do imóvel, com anumus domini, independentemente de justo título e boafé, pelo período de 15 anos. Tal prazo pode ser reduzido para 10 anos, caso o usucapiente resida habitualmente no imóvel ou nele desenvolva atividade produtiva. Conforme acima relatado, a autora afirma que ganhou da sua avó o imóvel objeto da lide, como presente de casamento, e nele habita desde 1979, com anumus domini, sempre de forma mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição de terceiros, motivo pelo qual propôs a presente ação. Analisando os autos, porém, observa-se que inexiste qualquer documentação que comprove a mencionada doação bem como inexistentes testemunhas que tenham presenciado o fato. Assim, não se desobrigou a autora do ônus da prova previsto no art. 373, I do CPC/2015, correspondente ao art. 333 do CPC/1973. Ademais, percebe-se no documento de fls. 129-131, na ação de separação judicial proposta pela autora em face de seu ex-esposo, o reconhecimento, por ela, de que ambos possuiam apenas um bem e que o imóvel situado na Rua Amália, nº 215, Cordeiro, Recife-PE pertencia aos réus. Ou seja, a autora reconheceu nos autos do processo de separação que o bem perseguido não é seu e sim de seus pais, restando, assim demonstrada a inexistência do animus domini. Além disso, apesar de a autora afirmar que era dona do mencionado bem, ela o ocupou, inicialmente, com autorização da sua avó e nele permaneceu com a permissão dos seus pais, aqui réus. A autorização e a permissão concedidas à autora e a sua família para permanecerem no imóvel decorreram de mero ato de tolerância da sua vó e dos seus pais, respectivamente, estes últimos titulares do direito sucessório, inexistindo assim posse, mas sim mera detenção, fato impeditivo da usucapião. Conforme dispõe o art. 1.208 do CC/2002, os atos de mera tolerância, que consistem em permissão tácita para que o outro utilize a coisa por cortesia, não induzem a posse, mas a mera detenção. Sendo este o entendimento jurisprudencial. In verbis: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. COMPOSSE. HERDEIROS. PERMISSÃO DE MORADIA. ANIMUS DOMINI. INEXISTÊNCIA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. MAJORAÇÃO HONORÁRIOS. 1. São condições para aquisição de imóvel por usucapião, seja na modalidade especial, seja na extraordinária, o animus domini daquele que exerce a posse sobre o bem usucapiendo e a ausência de interrupção ou oposição.2. O exercicio da posse como se dono fosse é afastada quando o possuidor está autorizado por meio de negócio juridico ou outro ato de consentimento a ocupar o imóvel, ainda que tenha se empenhado a conservar e aperfeiçoar o bem com desejo de se converter em proprietário. 3. A permissão dos demais herdeiros do bem, compossuidores deste, para a ocupação do imóvel, ainda que por longo tempo, configura ato de mera tolerância, que afasta o animus domini e, consequentemente, impede a usucapião.4. À luz do §11, do art. 85 do NCPC, os honorários devem ser majorados, em face da sucumbência recursal resultante de não provimento do recurso. 5. Recurso conhecido e não provido. (TJDF – 20110112220703 DF 0213032-36.2011.8.07.0001, Relator: Ana Cantarino, Julgado em 09/11/2017, Órgão julgador 8ª Turma Cível, Publicado em 16/11/17).(grifei) Portanto, a mera tolerância dos réus impede a autora de ter a posse do bem, inexistindo assim o preenchimento deste requisito da usucapião. Por fim, após determinado período os réus solicitaram à autora a desocupação e devolução do bem, havendo, desde então, em decorrência disso, desavenças familiares, o que demonstra que quando a autora manifestou a intenção de tomar posse do bem, houve resistência por parte de seus legítimos proprietários, daí não haver a posse mansa e pacífica. Ante os fatos e fundamentos acima expostos, resta demonstrada a inexistência da posse mansa, pacífica, com animus domini e sem oposição de terceiros, motivo pelo qual JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais bem como dos honorários advocatícios, que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa acima fixado, com as correções de direito, com fundamento no art. 98, §2º do CPC. A execução das custas e dos honorários, no entanto, ficará sobrestada por cinco anos, até a comprovação de que a beneficiária perdeu a condição de miserabilidade, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/1950 c/c art. 98, §3º do CPC. P.R.I. Após o decurso do prazo legal, certifique-se o trânsito em julgado, promovam-se as baixas, e, ao final, arquivem-no. Recife, 12 de novembro de 2019. Julio Cezar Santos da Silva Juiz de Direito Sentença Nº: 2019/00138 Processo Nº: 0042508-22.2014.8.17.0001 Natureza da Ação: Usucapião Autor: MARIA DE LOURDES DE SANTANA Réu: ANTONIA GERMANIA DE SANTANA Réu: SEVERINO JOSE DE SANTANA Advogado: PE008177 – Miraldo José da Silva Réu: Maria José de Santana Réu: Maria Helena de Santana Cavalcante Réu: Maria das Graças Dias de Santana Réu: Maria dos Prazeres da Silva Réu: MUNICIPIO DO RECIFE Réu: SEVERINO JOSÉ SANTANA FILHO Réu: MARIA LINDALVA DE SANTANA GONÇALVES Advogado: PE020519 – ANTONIO CARLOS DA C. L. CAVENDISH MOREIRA

Negativa de assinatura pelo réu não é suficiente para anular perícia grafotécnica

Processo Nº: 0005836-21.2015.8.17.0990
Natureza da Ação: Usucapião
Requerente: Luciano Moraes e Silva
Requerido: JOSÉ TENÓRIO DE ALBUQUERQUE

Despacho: DECISÃO Vistos etc.Trata-se de pedido de realização de nova prova pericial formulado pelo autor Luciano Moraes e Silva à fl. 181. Passo a analisar os argumentos lançados pelo demandante.O peticionário discorda do laudo “uma vez que garante, com plena certeza, não ser sua autoria a assinatura aposta no documento utilizado como comparação (contrato de locação)”. Assevera que chamou sua atenção a ausência do Perito que assinou o laudo (José Moacir Moura de Albuquerque) quando da realização do exame. Diz ainda que, na grafia de seu sobrenome “Moraes”, jamais lançou a letra “M” como está apresentado no documento de comparação e isto deixou de ser observado pelo expert. Ademais, não há “contemporaneidade da assinatura aposta no documento utilizado como comparação (contrato de locação do ano de 2004) com a atual assinatura do Autor”.Quanto ao primeiro argumento do autor, o fato dele continuar negando categoricamente que a assinatura é sua, obviamente, não é motivo suficiente para anular a perícia, que foi realizada exatamente para dirimir a controvérsia instaurada a partir dessa negação do aludido litigante. Ou seja, se fosse para dar absoluta credibilidade à referida alegação do autor, a perícia sequer teria sido deferida.No tocante ao segundo argumento, como se vê no laudo pericial, o perito analisa a “qualidade geral do traçado”, o que envolve calibre, inclinação e demais aspectos descritos à fl. 157 no item V (análise técnica). Logo, a afirmação do autor de que jamais utilizou a letra “M” não tem o condão de invalidar a perícia, pois, como já expus, se fosse para dar total credibilidade às alegações autorais, este juízo prescindiria da prova técnica e resolveria a controvérsia apenas aceitando as colocações do referido litigante quanto à assinatura questionada. Relativamente ao terceiro argumento, não é obrigatório que o perito que colheu as assinaturas seja o mesmo que realizou a análise comparativa, inexiste problema nisso e trata-se de procedimento regular do órgão. No auto de colheita de material para exame grafotécnico às fls. 168 há identificação do perito que acompanhou o ato e no laudo grafoscópico tem-se as conclusões e identificação do perito que fez a análise comparativa, de modo que tudo realizado de forma adequada por peritos no exercício de seu munus. Por fim, o quatro e último argumento do autor atenta contra outra obviedade: não é necessária “contemporaneidade” entre as assinaturas analisadas pelo perito. Não há respaldo técnico científico para esse entendimento do autor e este juízo sequer imagina o que fez o litigante assim supor.Por tais motivos, indefiro o pedido e homologo ao laudo pericial grafoscópico às fls. 156/173. Considero a lide madura para julgamento. Assim, intimem-se as partes para suas alegações finais e dê-se vistas ao MP para sua intervenção final, voltando os autos conclusos, ao final, para sentença.Junte-se cópia do laudo nos autos do processo nº 0010933-02.2015.8.17.0990 para servir de prova emprestada, como já deliberado por este juízo naquele feito, juntando-se ainda a manifestação das partes sobre a perícia e a presente decisão homologatória.Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.Olinda, 17/10/2019. Adrianne Maria Ribeiro de Souza Juíza de Direito Juiz de Direito, Raquel Barofaldi Bueno (Auxiliar), Chefe de Secretaria: Danielle Kaline Soares Pires.

Fonte: DJe/PE 13.11.2019

Usufruto é impeditivo para declaração da usucapião extrajudicial

1ª VRP/SP: Registro de Imóveis. Usucapião extrajudicial.

Processo 1104096-79.2019.8.26.010

Dúvida – Registro de Imóveis – Leonor Selva Barbosa – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Leonor Selva Barbosa após negativa de registro de usucapião extrajudicial. A requerente protocolou pedido administrativo de usucapião na modalidade extraordinária tendo por objeto o imóvel matriculado sob o nº 66.181 do 18º Registro de Imóveis da Capital. Alega que era usufrutuária do imóvel, mas que tal condição alterou-se quando celebrou união estável, pois com tal fato o usufruto teria cessado por cláusula resolutiva, sendo que passou a exercer posse como se proprietária fosse, além de preencher os demais requisitos para declaração da prescrição aquisitiva. Regularmente instruído e autuado o procedimento, foram realizadas as notificações previstas em lei e não foi apresentada qualquer impugnação, com exceção da publicação de edital, que não foi publicado pois o Oficial vislumbrou óbice na natureza da posse da requerente, por ser ela usufrutuária do imóvel, usufruto este que tinha por condição resolutiva o casamento da requerente. Como esta não se casou e o usufruto não foi cancelado, continua a ser usufrutuária do imóvel, inexistindo posse justa que fundamente a usucapião (fls, 642/644). A requerente pediu reconsideração da decisão ou remessa dos autos a este juízo (fls. 656/690), aduzindo que não houve impugnação ao pedido, que a ata notarial atestou a posse com animus domini, que a modalidade extraordinária dispensa comprovação de justo título e boa-fé e que houve transmudação do caráter da posse. O Ministério Público opinou às fls. 699/701 pela procedência da dúvida, mantendo a negativa ao registro. É o relatório. Decido. A presente dúvida tem por fundamento o Art. 17, §5º, do Prov. 65/17 do CNJ, que permite a suscitação de dúvida em face de decisão do Oficial de Registro de Imóveis que rejeitar requerimento de usucapião extrajudicial. Nestes termos, cumpre a este juízo analisar se preenche a requerente os requisitos da usucapião, lembrando sempre que o procedimento extrajudicial tem cognição limitada e não impede rediscussão pela via judicial, conforme Art. 216-A, §9º, da Lei de Registros Públicos. Dito isso, esclareço que a mera inexistência de impugnação não leva ao automático reconhecimento do pedido. Tratando-se de meio de aquisição de propriedade (e consequente perda pelo proprietário tabular), cumpre ao Oficial de Registro de Imóveis garantir que estão preenchidos os requisitos legais que autorizam o reconhecimento da prescrição aquisitiva, impedindo o reconhecimento quando o requerente, apesar de não sofrer qualquer oposição, não tem direito a aquisição da propriedade pela via do usucapião. Assim, fica desde logo afastado o argumento da requerente quanto ao silêncio do proprietário tabular, que apesar de fazer presumir sua anuência, não obriga o Oficial a reconhecer pedido inapto por outros fatores. Quanto a ata notarial, em que pese seu inegável valor probatório, a simples afirmação em seu conteúdo de que foram preenchidos os requisitos possessórios não vincula o Oficial de Registro. Isso porque foi a este último que a legislação incumbiu de realizar os trâmites para a declaração de usucapião, com análise de todos os documentos protocolados que, em seu conjunto, incluindo a ata notarial, permitem reconhecer o preenchimento dos requisitos legais. A ata notarial sem dúvida expressa a percepção sensorial do Tabelião quanto aos fatos verificados, não podendo ser desconsiderada principalmente quanto aos fatos relativos a situação contemporânea do imóvel. Assim, se o Tabelião atesta que o requerente ocupa o imóvel, que não há sinais de oposição a posse e que o requerente é conhecido na região pelos vizinhos, tais fatos não podem ser simplesmente afastados pelo registrador, dado sua presunção de veracidade. Todavia, aqueles elementos constantes da ata notarial relativos a fatos passados ou mera descrição de alegações e documentos trazidos pelo próprio requerente são passíveis de reavaliação pelo registrador, principalmente quando confrontados com outros documentos e impugnações trazidos ao processo administrativo que corre perante a serventia imobiliária. No presente caso, a ata notarial de fato comprova que a requerente tem posse atual sobre o imóvel, como se denota da autorização dada a Tabeliã para ingresso no imóvel. Todavia, as alegações referentes a posse passada foram apenas descritas em conformidade com o pedido da requerente, sendo citados os documentos apresentados. Veja-se que não há nenhuma manifestação conclusiva pela Tabeliã acerca da natureza da posse. Na ata consta apenas que “a requerente declara que a posse que exerce desde o início da União Estável é exercida com animus domini, sendo mansa, pacífica, contínua e de boa fé há mais de 15 (quinze) anos, o que caracterizaria os requisitos para a concessão da Usucapião Extraordinária”. Ou seja, a ata faz prova tão somente de que a requerente fez tais declarações, mas não que os fatos declarados são necessariamente verdadeiros, permitindo uma reavaliação pelo Oficial de Registro. Não por outra razão, consta da ata: “A requerente foi ainda cientificada de que esta ata não tem valor de confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial de usucapião para processamento perante o registro de imóveis competente.” Fica, portanto, afastado o argumento de que a ata notarial comprovaria a posse ad usucapionem da requerente. Quanto a modalidade de usucapião, de fato o Art. 1.238 do Código Civil dispensa a necessidade de boa-fé e justo título para reconhecimento da usucapião extraordinária. Todavia, o requisito do animus domini continua existente, pois o requerente deve “possuir como seu” o imóvel. Ou seja, não basta a mera posse, mas a posse exercida como se proprietário fosse. Por tal razão, superado também o argumento de que a modalidade de usucapião representaria seu reconhecimento com o mero exercício da posse por prazo de 15 anos, já que tal posse deve ser qualificada com o animus de proprietário. Resta, por fim, o argumento relativo a transmudação da propriedade. E, aqui, a posse precária, a título de usufruto, não foi alterada. O R. 3 da matrícula nº 66.181 é claro: a requerente, Leonor Selva Barbosa, em virtude de separação judicial, passou a ter o usufruto do bem, até que “venha a se casar novamente”, hipótese na qual o usufruto seria extinto e o imóvel restituído ao detentor da nua propriedade. Além disso, a requerente foi obrigada a habitar o imóvel com os filhos até que estes atingissem 21 anos. A leitura de tais cláusulas deixa claro que, quando da separação, o usufruto restou atribuído à separanda visando garantir que esta e seus filhos não fossem privados de moradia digna, com “diminuição no seu padrão de vida”, como consta da matrícula. Todavia, fica claro também a natureza passageira de tal usufruto, sendo que a propriedade plena retornaria ao nu proprietário tão logo a usufrutuária se casasse novamente. Ou seja, a requerente tinha ciência de que, casando-se, teria que restituir o imóvel a seu ex-marido, não sendo sua proprietária. Prejudicado, assim, o animus domini necessário ao reconhecimento da usucapião. E nem se diga que, com a união estável, a natureza da posse seria alterada. Isso porque, em que pese a união estável dever ser pública para restar caracterizada, tal publicidade não é ampla em nem gera efeito de presunção de reconhecimento por toda a sociedade. É dizer que não houve prova de que o ex-marido sabia da união e por isso aquiesceu com a utilização da propriedade por ela. A cláusula é clara quanto a necessidade de casamento, e não mera relação com outra pessoa. E o casamento é solenidade pública, com publicação de proclamas e registro com ampla publicidade perante terceiros no registro civil. Assim, até poder-se-ia considerar que, mesmo casando, e não havendo qualquer ato pelo nu proprietário visando reaver a propriedade, a natureza da posse seria alterada, pois este saberia que o usufruto estaria extinto e assim não agiu, já que o casamento de fato gera presunção de ciência por terceiros devido a sua publicidade inerente, advinda do registro e demais formalidades. Com a união estável, contudo, não há tal presunção. Por isso, não há que se dizer que o nu proprietário omitiu-se em reaver a propriedade, já que não houve efetiva existência do fato necessário a realização da cláusula resolutiva, transmudando-se a natureza da propriedade. A requerente não se casou, podendo usufruir do bem, e tenta agora adquirir sua propriedade quando sabidamente não ocupava o bem como proprietária, mas como usufrutuária. Na lição de Benedito Silvério Ribeiro: “A posse, sendo a mera detenção material da coisa, não vai além dessa relação de fato (disposição física), a intenção não ultrapassa a vontade de não abandonar a coisa. É o caso do locatário, do usufrutuário, do comodatário, que detém a coisa em lugar do proprietário” (Tratado de Usucapião, vol. 1, p. 601). Portanto, a requerente não exerce a posse com animus domini pois sabe, e sempre soube, que era usufrutuária do bem, e não sua proprietária. Casando-se, ou com sua morte, o usufruto será extinto, e o bem revertido ao nu proprietário (ou seus herdeiros). Mas a propriedade plena não poderá ser adquirida pela requerente se não por negócio jurídico com o nu proprietário, pois não preenche os requisitos necessários a obtenção da propriedade por usucapião. Lembro, por fim, que tais conclusões são tomadas com os elementos presentes nestes autos, não havendo impedimento para que a requerente busque a via judicial com o fim de produzir outras provas e buscar a alteração do entendimento aqui exarado. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Leonor Selva Barbosa e mantenho o óbice referente ao pedido extrajudicial de usucapião. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: RUBENS GOMES HENRIQUES (OAB 383120/SP)

Fonte: DJE/SP 11.11.2019

Registro de Imóveis. Lei n. 9.514/97. Intimação por edital após infrutíferas notificações é procedimento correto. 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo

Processo 0052875-45.2017.8.26.0100

Pedido de Providências

Reqte.: Corregedoria Geral da Justiça

Interesdos.: 3º Registro de Imóveis da Capital – 2ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo Foro João Mendes – Marcio Pereira da Silva – Sentença (fls. 393/395): Vistos. Trata-se de pedido de providências encaminhado a este Juízo pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, comunicando a formulação de ação anulatória cumulada com indenização por danos morais movida em face do Banco Santander e do Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital, perante o MMº Juízo da 2ª Vara Cível da Capital (processo nº 1062071-22.2017.8.26.000). Juntou documentos às fls.02/64. O registrador manifestou-se às fls.66/70. Esclarece que o ação foi ajuizada por Márcio Pereira da Silva, requerendo a anulação da consolidação da propriedade do imóvel, objeto da matrícula nº 87.484, em nome do credor fiduciário, sob o argumento de que não foi regularmente intimado, nos termos do art.26 da Lei nº 9.514/97. Informa que, ao contrário do que faz crer o requerente, agiu em estrita observância da lei (art.26 da Lei nº 9.514/97) e das Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça (Cap. XX, itens 249 e 250), tendo utilizado os três meios de intimação autorizados, totalizando 14 tentativas infrutíferas para notificação, razão pela qual efetuou a intimação por edital do devedor, nos termos do Cap. XX, item 253 das Normas de Serviços da Corregedoria Geral da Justiça. Afirma que, após o decurso do prazo sem pagamento, procedeu a sua certificação e notificou o Banco Santander S/A para que solicitasse a consolidação da propriedade em seu nome e recolhesse o imposto devido, o que foi cumprido pela instituição financeira. Apresentou documentos às fls.71/292. A fim de evitar decisões conflitantes, tendo em vista que o feito envolvendo a anulação da consolidação da propriedade encontrava-se em tramite perante o MMº Juízo Cível, foi determinada a suspensão deste procedimento até o deslinde daquele feito, o qual foi julgado improcedente, sob a fundamentação de que o banco e o Oficial obedeceram todo o procedimento previsto na legislação atá a consolidação da propriedade do imóvel em nome da instituição financeira, sendo a decisão confirmada pelo Egrégio Tribunal de Justiça (fls.376/379 e 386/387). O Ministério Público opinou pelo arquivamento, ante a ausência de qualquer conduta irregular praticada pelo Registrador (fls.391/392). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Conforme o v. Acórdão de fls.376/379, proferido pela Egrégia 28ª Câmara de Direito Privado, a notificação de mora e posterior consolidação deu-se conforme previsto pelo artigo 26, § 7º, da Lei 9.514/97. Confira-se: “… É incontroverso que houve tentativa de notificação pessoal do apelante, realizada pelo oficial do registro de imóveis, tal como prevê o art.26, § 1º da Lei nº 9.514/97. Não localizado em três tentativas, seguiu-se à intimação por edital, nos termos do art.26, § 4º, da Lei nº 9.514/97. … Nesse contexto, não há que se falar em irregularidade no procedimento extrajudicial adotado pelos apelados, como bem ressaltou a decisão recorrida, que conferiu adequada solução à lide”. De fato, os documentos juntados pelo registrador às fls.77/292 demonstram que houve estrita observância às normas legais, sendo certo que ocorreram 14 tentativas frustradas de intimação do devedor para purgação da mora, resultando na intimação por edital nos termos do art.26, § 4º, da Lei nº 9.514/97 e Cap. XX, item 253 das Normas de Serviços da Corregedoria Geral da Justiça. Concluo, portanto, que não houve qualquer conduta irregular ou falta funcional do delegatário passível da aplicação de medida disciplinar, razão pela qual determino o arquivamento do presente processo. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Sem prejuízo, oficie-se à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, comunicando desta decisão. P.R.I.C. São Paulo, 1 de novembro de 2019. Tania Mara Ahualli Juiza de Direito (CP 406)

Fonte: DJE/SP 07/11/2019