ARTIGO – Coronavírus: limitações ao uso de áreas comuns no âmbito do condomínio edilício

Rodrigo Toscano de Brito*

Sumário: 1. Notas introdutórias; 2. Natureza assemblear das deliberações condominiais; 3. Questões condominiais controvertidas em cace dos atos de prevenção do coronavírus; 4. Notas conclusivas.

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

Diante do número expressivo de informações que estamos recebendo sobre o Coronavírus (COVID 19), já sabemos que os efeitos do ponto de vista da saúde, economia, relacionamento social são muitos e indiscutíveis. Mas, além de impactar as questões aqui já mencionadas, há também consequências de natureza jurídica das mais diversas matizes.

Um desses aspectos que já levantou discussão relevante, diz respeito às medidas que podem ou devem ser tomadas no âmbito dos condomínios edilícios quanto à prevenção da contaminação pelo vírus, notadamente numa fase em que as pessoas se utilizarão dessas áreas para se manter ativo, praticando exercício, entre outras atitudes que serão relevantes para a saúde mental, que não pode ser simplesmente ignorada nessa fase.

Diante dos questionamentos já surgidos, algumas perguntas têm respostas mais polêmicas – não se pode negar –, outras parecem mais simples.

Antes de tudo, cabe um breve olhar sobre os elementos do conceito de condomínio edilício, que encontramos no Código Civil brasileiro. Conforme previsto no art. 1.331, “pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”.

Eis aqui um ponto que inicialmente merece nossa especial atenção. É que a unidade autônoma (apartamento, sala, loja, sobreloja, etc.) é considerada propriedade exclusiva e o proprietário ou pessoa por ele autorizada (locatários, comodatários) tem direito de acessar a unidade autônoma, o que ocorre, normalmente, pelas áreas comuns da edificação.

Por outro lado, a unidade autônoma é parte inseparável das áreas comuns do prédio, por determinação legal, conforme se vê no § 3º, do citado art. 1.331, ao prever: “a cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio”.

Portanto, um dos elementos mais importantes e típicos do conceito de condomínio edilício é a união entre a propriedade exclusiva (apartamento, sala, loja) com a propriedade condominial. São elementos inseparáveis e, por consequência, importante na análise aqui feita.

Como visto, o proprietário da unidade imobiliária, também o é das áreas comuns na proporção prevista na instituição condominial. Tanto assim que, o art. 1.335, do Código Civil, assegura que são direitos do condômino, usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; e, ainda, usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores.

2. NATUREZA ASSEMBLEAR DAS DELIBERAÇÕES CONDOMINIAIS

O condomínio edilício não é administrado pelo síndico, isoladamente. Isso porque o condomínio deve obedecer às normativas advindas da assembleia de condôminos, como regra geral. As decisões no âmbito do condomínio edilício é, portanto, assemblear. Dependem da assembleia de condôminos. O síndico executa as determinações da assembleia, e deve seguir as regras de convocação previstas na convenção do condomínio ou, na sua falta, na lei civil.

Diz-se isso para deixar esclarecido que o síndico, não pode, por si só, determinar atos que não estejam previstos nas deliberações assembleares, nem na convenção. De toda forma, é importante ressalvar que cada caso deve ser analisado à luz da convenção específica, especialmente no capítulo que versa sobre as atribuições do síndico, embora existam regras gerais que devem ser observadas.

Diante desses aspectos e das questões relativas à pandemia de Coronavírus, os síndicos, ainda que estejam agindo de boa-fé e com espírito comunitário ao proibir o uso e fruição de determinadas áreas comuns, haverão de observar as regras gerais dispostas na lei civil. Uma delas é a convocação de assembleia geral extraordinária, de caráter emergencial, diante das questões especiais que envolvem à prevenção de contaminação do coronavírus, para que a assembleia possa deliberar quais medidas de proteção à saúde dos moradores devem ser tomadas pelo condomínio.

Parece-nos que o síndico só estaria desobrigado desta convocação, se a questão envolver a necessidade de decisão com alto grau de urgência. Caso contrário, ainda que de maneira excepcional, é obrigado a convocar a assembleia, podendo, em razão da necessidade de decisão urgente, desconsiderar regras relativas à prazo mínimo de convocação (que depois podem ser referendados em assembleia) e utilizar-se de meios eletrônicos para tanto, como aplicativos de mensagens e e-mails, mas sempre dando prioridade à natureza assemblear das decisões no âmbito do condomínio edilício, sob pena de nulidade de suas deliberações.

De igual modo, em razão da proibição pública de aglomerações e reuniões, conforme for a quantidade de moradores, também deve realizar a assembleia, utilizando-se de mecanismos eletrônicos de reunião, hoje de facílimo acesso, tais como Whatsapp, Zoom, Skype, etc. Observem que tudo isso se afirma considerando situações extremas, até porque em muitas localidades brasileiras, ainda é possível realizar as reuniões conforme estabelecido na convenção, tendo em vista que sequer há casos notificados de infecção pelo COVID 19. Mesmo assim, por cautela e em razão da urgência eventual, é possível a realização de reuniões por meios eletrônicos, com a ressalva da excepcionalidade da forma, depois referendados durante a reunião.

3. QUESTÕES CONDOMINIAIS CONTROVERTIDAS EM FACE DOS ATOS DE PREVENÇÃO DO CORONAVÍRUS

Inegavelmente, ainda que seja convocada a assembleia e ali sejam regularmente tomadas decisões de interesse do condomínio, podem surgir questões de difícil solução.

Uma dessas questões é a seguinte: a assembleia pode proibir, por exemplo, que o condômino médico, dentista, enfermeiro, que, conforme a especialidade, estejam no grupo de risco profissional alto, acesse sua unidade utilizando-se do elevador e das demais áreas comuns do prédio?

É importante relembrar, conforme já dito acima, que todas as partes comuns do prédio também pertencem ao proprietário da unidade. Nesse sentido, no caso do uso do elevador, o condômino que eventualmente seja profissional da área de saúde, assim como qualquer outro co-proprietário, tem assegurado seu direito de uso. Nesse sentido, não se pode proibir que o condômino-médico transite pelas áreas comuns do prédio que dão acesso ao elevador, partindo do portão ou garagem, porque, igualmente, as áreas de acesso comum também pertencem àquele proprietário.

De fato, não pode haver proibição de uso do elevador e das áreas que a ele dão acesso. É direito do proprietário acessar sua unidade, sobretudo a unidade de moradia, pelos meios disponíveis no prédio, não havendo, legalidade, nem razoabilidade, em obrigar um condômino-médico, de 65 anos, por exemplo, a acessar sua unidade no trigésimo andar pelas escadas, todos os dias, ao sair e voltar para exercer sua atividade profissional essencial para a sociedade.

Veja que a questão aqui trazida dizia respeito ao uso do elevador e das áreas comuns de acesso à unidade. Portanto, tema que perpassa também pelo direito fundamental à moradia.

Mas, o assunto pode ganhar contornos ainda mais polêmicos. Um deles é o seguinte: pode o condomínio proibir o uso da piscina, academia, quadras esportivas, salão de festas, espaço “kids”, salas de cinemas, entre outras áreas comuns dessa natureza durante o período de “quarentena”?

Apesar de compreender que estamos diante de um tema polêmico, pensamos que a resposta é negativa. Não pode haver proibição absoluta do uso dessas áreas comuns, pelos mesmos motivos aqui já expostos. São áreas que também pertencem ao próprio condômino que deseja usá-la.

A par de todas as assertivas mencionadas, no sentido de que as áreas condominiais podem ser usadas por qualquer proprietário, não se pode negar que a assembleia pode criar limitações ao direito de propriedade condominial, sobretudo para resguardar o direito à saúde dos demais condôminos. No caso, a fim de evitar que haja propagação do vírus, especialmente neste momento em que se precisa evitar, coletivamente, que a “curva de infecção” cresça a curto prazo.

De fato, em razão da necessidade de manutenção da saúde pública que, neste caso, deve começar dentro dos próprios condomínios, não é possível proibir de modo absoluto o uso das áreas comuns, mas é possível criar limitações ao uso, em atenção ao direito à saúde da coletividade dos moradores.

Assim, é possível que a assembleia determine que cada condômino, especialmente os que estarão em serviços de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas), façam uso do elevador sozinho, sem que nenhum outro morador esteja compartilhando o espaço do transporte no condomínio.

Quanto às áreas comuns de uso não essencial, tais como, a piscina, a churrasqueira, o salão de festas, ditos espaços podem sofrer limitação excepcional durante o período em que devemos evitar contato em grupo, estabelecendo, por exemplo, horários de reserva de uso individual por parte do condômino ou para uso do seu núcleo familiar, com quem já convive em sua unidade.

Nessa mesma linha de raciocínio, o uso da academia não pode ser absolutamente proibido, mas pode ser limitado, por exemplo, a um morador por vez, em horários diferentes, previamente agendados e reservados, com a obrigação imposta ao morador, de comunicar ao condomínio o fim do período de uso para que haja uma limpeza específica da área, com o fito de evitar a contaminação dos objetos usados e por em risco a saúde dos demais moradores.

Questão ainda mais complexa pode surgir quanto à possibilidade de realização de festas e recepções no ambiente condominial e uso da piscina. Aqui a ponderação entre os direitos fundamentais de propriedade e à saúde da coletividade são relevantes.

É sabido que a aglomeração em festas ou reuniões com grande concentração de pessoas durante o período de quarentena põe em risco a saúde da coletividade de modo mais explícito, considerando que os números demonstram que a aglomeração de pessoas foi fator facilitador da propagação do vírus até agora. Nessa ponderação, é possível a proibição de festas nas áreas comuns e na própria unidade autônoma, considerando que a festa aumenta o fluxo de pessoas no ambiente condominial.

O uso da piscina é também um aspecto que pode levar a decisões polêmicas por parte do condomínio. Abstraindo-se aqui do aspecto científico de ser ou não possível a transmissão do vírus pelo simples uso da piscina, ainda que isoladamente, pensamos que a solução pode ser a mesma sugerida para outros equipamentos de uso comum, salvo a hipótese de comprovação de que dito uso, ainda que não simultâneo, facilita a transmissão do COVID 19. Vale dizer, é possível o uso individual, com hora marcada e reservada, afastando de riscos de contaminação os demais condôminos. Por outro lado, o uso simultâneo da piscina, por parte de vários condôminos ou convidados, inclusive para realização de festas, nas circunstâncias pelas quais passamos em razão do COVID 19, pode ser proibido, pelas mesmas razões referidas para a utilização do salão de festas.

Para qualquer desses atos de proibição ou limitação, a assembleia deve ser convocada para deliberar sobre o assunto, criando as limitações específicas ao direito de propriedade condominial, em face da prevenção de contaminação do COVID 19.

Todas as observações aqui referidas, também se aplicam aos casos de condomínios de lotes, que não podem proibir o uso das áreas comuns, por ser um dos elementos essenciais ao direito de propriedade do condômino, mas pode criar limitações excepcionais ao uso da propriedade condominial, e proibir aglomerações de pessoas no ambiente condominial.

Por outro lado, é importante observar que, nas hipóteses em que haja associações de moradores em “condomínio fechado de casas” ou “condomínio fechado de lotes”, que não foram constituídos na forma da prevista na Lei 13.465/17, não se aplica o mesmo raciocínio aqui desenvolvido. Nesses casos, em regra, a propriedade das áreas “comuns” dos empreendimentos não têm a mesma características das áreas condominiais edilícias, por não ser, a rigor, condomínio de lotes, na forma prevista na lei. Assim, há de se observar o estatuto da respectiva associação de moradores, nada impedindo que seja convocada assembleia especifica, na forma ali prevista, para decidir sobre as questões aqui mencionadas.

4. NOTAS CONCLUSIVAS

O tema aqui enfrentado é polêmico em razão do trânsito necessários por vários pontos relacionados ao conflito de direito fundamentais como a vida, a saúde, a propriedade, a liberdade, de forma que não resta dúvida, que qualquer decisão que se chegue no âmbito do condomínio, dependerá também de análise tópica e concreta. De toda forma, considerando as observações feitas ao longo do texto, é possível chegarmos às seguintes conclusões:

a) As decisões no âmbito do condomínio edilício dependem de assembleia condominial para tratar das limitações impostas ao uso da propriedade no período de recolhimento para prevenção do coronavírus. O síndico executa as determinações da assembleia, e deve seguir as regras de convocação previstas na convenção do condomínio ou, na sua falta, na lei civil. Não pode, por si só, determinar atos que não estejam previstos nas deliberações assembleares, nem na convenção, salvo em hipóteses excepcionais, para evitar dano iminente à comunidade de moradores;

b) É necessária a convocação de assembleia geral extraordinária, de caráter emergencial, diante das questões especiais que envolvem a prevenção de contaminação do coronavírus, para que a assembleia possa deliberar quais medidas de proteção à saúde dos moradores devem ser tomadas pelo condomínio;

c) Os condôminos podem, com a ressalva da excepcionalidade da forma, realizar a assembleia, utilizando-se de mecanismos eletrônicos de reunião, hoje de facílimo acesso, tais como Whatsapp, Zoom, Skype, etc.;

d) O condômino que eventualmente seja profissional da área de saúde, assim como qualquer outro co-proprietário, tem assegurado seu direito de uso da áreas comuns. Não se pode proibir que o condômino-médico, por exemplo, transite pelas áreas comuns do prédio que dão acesso ao elevador, partindo do portão ou garagem. É direito do proprietário acessar sua unidade, sobretudo a unidade de moradia, pelos meios disponíveis no prédio, incluindo o elevador;

e) Apesar da afirmação no sentido de que as áreas condominiais podem ser usadas por qualquer proprietário, não se pode negar que a assembleia pode criar limitações ao direito de propriedade condominial, sobretudo para resguardar o direito à saúde dos demais condôminos. No caso, a fim de evitar que haja propagação do vírus, especialmente neste momento em que se precisa evitar, coletivamente, que a “curva de infecção” cresça a curto prazo;

f) É possível que a assembleia determine que cada condômino, especialmente os que estarão em serviços de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas), façam uso do elevador sozinho, sem que nenhum outro morador esteja compartilhando o espaço do transporte no condomínio. Quanto às áreas comuns de uso não essencial, tais como, a piscina, a churrasqueira, o salão de festas, ditos espaços podem sofrer limitação excepcional durante o período em que devemos evitar contato em grupo de pessoas, estabelecendo, por exemplo, horários de reserva de uso individual por parte do condômino ou para uso do seu núcleo familiar, com quem já convive em sua unidade;

g) É possível a proibição de festas nas áreas comuns e na própria unidade autônoma, considerando que a festa aumenta o fluxo de pessoas no ambiente condominial, e, por consequência, a chance de contaminação entre condôminos;

h) Pelo menos considerando o estágio atual de restrição geral da sociedade imposta pelo poder público, é possível o uso individual das áreas comuns do prédio, com hora marcada e reservada, afastando de riscos de contaminação os demais condôminos, salvo a hipótese de comprovação de que dito uso, ainda que não simultâneo, seja de alto rico para a transmissão do COVID 19; e,

i) Todos os pontos aqui suscitados, também se aplicam aos casos de condomínios de lotes, que não podem proibir o uso das áreas comuns, por ser um dos elementos essenciais ao direito de propriedade do condômino, mas pode criar limitações excepcionais ao uso da propriedade condominial, e proibir aglomerações de pessoas no ambiente condominial.

Por último, é importante destacar que os assuntos relacionados à prevenção do CONVID 19 devem ser levados muito a sério por toda a sociedade, devendo cada um tomar seus cuidados preventivos. Diante das consequências econômicas que já vemos, resta claro que não se trata de um assunto simples.

*Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Civil da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e da UNIESP, nos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado.

FONTE: direitocivilbrasileiro.jusbrasil.com.br

CNJ: Recomendação 45/2020 – Medidas preventivas para redução dos riscos de contaminação com o novo Coronavírus – COVID-19, nos cartórios extrajudiciais


Dispõe sobre medidas preventivas para a redução dos riscos de contaminação com o novo coronavírus, causador da COVID-19, no âmbito das serventias extrajudiciais e da execução dos serviços notariais e de registro.

O CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, usando de suas atribuições constitucionais, legais e regimentais e

CONSIDERANDO o poder de fiscalização e de normatização do Poder Judiciário dos atos praticados por seus órgãos (art. 103-B, § 4º, I, II e III, da Constituição Federal);

CONSIDERANDO a competência do Poder Judiciário de fiscalizar os serviços notariais e de registro (arts. 103-B, § 4º, I e III, e 236, § 1º, da Constituição Federal);

CONSIDERANDO a competência do Corregedor Nacional de Justiça de expedir recomendações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços notariais e de registro (art. 8º, X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça);

CONSIDERANDO a Declaração de Pandemia de COVID-19 pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, em decorrência da Infecção Humana pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2);

CONSIDERANDO a Portaria n. 188/GM/MS, de 4 de fevereiro de 2020, que declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da Infecção Humana pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2);

CONSIDERANDO a Orientação n. 9, de 13 de março de 2020, da Corregedoria Nacional de Justiça, que dispõe sobre a necessidade de as corregedorias-gerais dos ramos do Poder
Judiciário nacional observarem medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo novo Coronavírus (COVID-19);

CONSIDERANDO a necessidade de se manter a prestação dos serviços públicos e o fato de que os serviços notariais e de registro devem ser prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, desde que atendidas as peculiaridades locais (art. 4º da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994);

CONSIDERANDO que cabe ao Poder Público e a toda a sociedade reduzir as chances de contágio do novo coronavírus causador da doença COVID-19,

RESOLVE:


Art. 1º. RECOMENDAR às Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal a adoção de medidas preventivas para a redução dos riscos de contaminação com o novo coronavírus, causador da COVID-19, pelos delegatários e/ou responsáveis e usuários
do serviço extrajudicial brasileiro.


Art. 2°. Poderão ser editadas normas administrativas de caráter temporário, considerando sempre a evolução da pandemia na área de fiscalização das Corregedorias locais, observando, entre outras, as seguintes diretrizes:


I- suspender ou reduzir o horário do expediente externo e do atendimento ao público, em consonância com as orientações das autoridades locais e nacionais de Saúde Pública.
II- autorizar o trabalho remoto dos colaboradores das serventias, desde que compatíveis com a modalidade de prestação de serviço extrajudicial.
III- designação de regime de plantão em caso de suspensão das atividades extrajudiciais, observando-se os cuidados estabelecidos pelas autoridades de saúde no contato com o público, para atendimento de pedidos urgentes como certidões de nascimento e
óbitos.
IV- suspensão dos prazos para a prática de atos notariais e registrais, devendo ser consignado, nos respectivos livros e assentamentos, o motivo da suspensão.

Art. 3º Esta recomendação entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro HUMBERTO MARTINS
Corregedor Nacional de Justiça

ARTIGO – O Coronavírus, a quebra antecipada não culposa de contratos e a revisão contratual: o teste da vontade presumível

Carlos E. Elias de Oliveira*

EMENTA

  1. O texto defende a possibilidade de quebra antecipada não culposa de contratos por conta do ambiente excepcional de transtorno causado pela pandemia do coronavírus. Advoga, porém, que se deve preferir a revisão contratual, se tal for viável sem grandes prejuízos às partes, tudo em nome do princípio da conservação do negócio jurídico. Excepciona hipóteses de contratos com cláusula contratual bem específica em contrário ou de contratos aleatórios que inclua as contingências próprias dessa epidemia dentro da sua zona de risco.
  2. Para tanto, o texto trata das exceções de pré-vencimento (exceção de inseguridade e quebra antecipada do contrato), das regras legais e voluntárias de interpretação e de integração (à luz das alterações feitas pela Lei da Liberdade Econômica) e do teste de vontade presumível. Aponta, ainda, como vias alternativas, a teoria da imprevisão e a teoria da perda da base do negócio jurídico.

1.      Introdução

Este pequeno artigo se destina a responder a esta pergunta: são lícitos ou não o rompimento antecipado de contratos ou a alteração das suas condições (revisão contratual) em razão dos transtornos causados no Brasil pela pandemia do coronavírus?

Nessa questão, remete-se não a apenas a contratos feitos com consumidores (como contratos de viagens), mas também a contratos não regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

2.      Contexto fático de transtornos causados pelo coronavírus

Março de 2020.

Os Estados Unidos fecharam as fronteiras para voos procedentes da Europa[1].

A Itália relembra, “na própria pele”, uma das maiores tragédias de sua história, ocorrida no ano 79 d.C.: a erupção do vulcão Vesúvio, que dizimou a cidade de Pompeia. A cena é desoladora: excessos de corpos para ser enterrados[2], superlotação de hospitais[3], corpos já sem a alma abandonados em uma casa com a esperança de, um dia, ser honrado na famosa cerimônia do último adeus[4].

Os cidadãos de vários países devoram as gôndolas dos supermercados para fazer estocagem de alimentos, como que a se preparar para o Apocalipse.

Inúmeros outros países impõem medidas de controle de entrada e saída de pessoas, de confinamento obrigatório (“quarentena”) e de suspensão de atividades que conglomeram pessoas.

O coronavírus, cuja estreia aterrorizadora ocorreu na cidade chinesa de Wuhan, está cavalgando nas asas do vento para perturbar a tranquilidade de todas nações do Planeta.

Apesar de se tratar de um antígeno com pouco índice de mortalidade (alguns debocham chamando-o de uma simples gripe) e com maior ameaça a idosos, a velocidade de contágio do coronavírus é incrível, criando uma demanda por assistência hospitalar além da capacidade dos governos. Grande parte das mortes se deve à falta de infraestrutura para satisfazer a abrupta demanda.

No Brasil, o cenário não é tão diferente.

Em 16 de março de 2020, já há a confirmação de 200 contaminações[5].

No Estado de Rio de Janeiro, estima-se que, se as pessoas não permanecerem em casa, haverá cerca de 24 mil casos de contaminação em apenas um mês[6]

Em vários Estados brasileiros, aulas foram suspensas, academias foram proibidas de funcionar, eventos foram cancelados etc[7].

Os impactos econômicos são inegáveis. A Bolsa de Valores passou por um verdadeiro banho de sangue, com o preço de várias ações despencando em queda livre. Restaurantes, shoppings e comércios estão esvaziados. A população se recolhe à sua casa e evita as ruas.

3.      Quebra antecipada de contrato sem culpa e as regras de interpretação e integração contratual

3.1.           Delimitação do problema

Diante do cenário de tragédia desenhado pelo coronavírus, inúmeros contratos perderam totalmente a utilidade para, ao menos, uma das partes.

Vários brasileiros, atendendo às recomendações estatais, preferem não sair de casa e inúmeros eventos são cancelados, o que, por exemplo, faz perder totalmente a utilidade de contratos que tenham sido firmados para viagens.

Com o brutal esfriamento da economia e do comércio, tornam-se absolutamente desinteressantes o início ou a expansão de vários tipos de novas atividades empresariais ou de novos investimentos, o que esvazia a utilidade de eventuais contratos de parceria.

Nesse ambiente, vamos à pergunta central deste pequeno artigo: a parte que perdeu a interesse no objeto do contrato por conta do ambiente tempestuoso causado pelo coronavírus pode ou não pedir a resolução ou a revisão do contrato?

A resposta, ao nosso aviso, é positiva, salvo se houver cláusula contratual bem específica em contrário ou se se tratar de um contrato aleatório que tenha os percalços de uma pandemia como abrangido pela álea.

Por conta dos limites deste artigo, seremos o mais breve possível na exposição dos conceitos teóricos pertinentes.

3.2.           Regras de interpretação e integração contratual

Todos os contratos, por serem obras humanas, são vulneráveis a ter lacunas. É humanamente impossível[8] ou, no mínimo, é totalmente impraticável prever, em cláusulas contratuais, todas as infinitas variações do casuísmo futuro. Se tal fosse possível, os contratos se instrumentalizariam em infindáveis calhamaços de folhas.

Por isso, o nosso ordenamento disponibiliza meios de interpretação e de integração de contratos, de modo a guiar o jurista na definição do alcance das cláusulas contratuais (interpretação) e no preenchimento de lacunas (integração).

As regras legais de interpretação são as que decorrem de lei e só podem ser utilizadas quando não houver regra voluntária de interpretação contratual em contrário. Em suma, elas estão nos incisos do § 1º do art. 113 do CC e no art. 112. Devem ser aplicadas cumulativamente e podem ser assim listadas[9]:

a) Regra do contra proferentem (art. 113, § 1º, IV): na dúvida, prevalece a interpretação favorável a quem não redigiu a cláusula contratual, ou seja, prevalece a interpretação contrária a quem a redigiu, ou seja, contrária a quem a proferiu (daí o nome doutrinário “regra do contra proferentem”).

b) Regra da vontade presumível (art. 113, § 1º, V): na dúvida, deve-se adotar a interpretação compatível com a vontade presumível das partes, levando em conta a racionalidade econômica, a coerência lógica com as demais cláusulas do negócio e o contexto da época (“informações disponíveis no momento” da celebração do contrato). Essa regra está conectada com o inciso II do art. 421-A do CC, que prevê o respeito à alocação de riscos definida pelas partes de um contrato.

c) Regra da confirmação posterior (art. 113, § 1º, I): a conduta das partes posteriormente ao contrato deve ser levada em conta como compatível com a interpretação adequada do negócio.

d) Regra da boa-fé e dos costumes (art. 113, § 1º, II e III): deve-se preferir a interpretação mais condizente com uma postura de boa-fé das partes e com os costumes relativos ao tipo de negócio.

e) Regra da primazia da intenção (art. 112): deve-se priorizar a intenção das partes em detrimento do sentido literal das palavras no momento da interpretação de um negócio jurídico.

As regras voluntárias de interpretação são as pactuadas pelas partes e, em princípio, devem prevalecer sobre as regras legais de interpretação por força dos arts. 113, § 2º, e 421-A, § 1º, CC. Por exemplo, poderiam as partes pactuar que, no caso de dúvida interpretativa, prevalecerá aquela mais lucrativa economicamente para uma das partes. Poderiam, até mesmo, num exemplo cerebrino, pactuar que, havendo dúvidas interpretativas, as partes decidirão com base na sorte (como por meio do jogo da “cara ou coroa”) a interpretação a prevalecer. Podem também estabelecer que deve prevalecer o sentido literal das palavras em detrimento da busca pela intenção das partes, tudo de modo a afastar a regra legal interpretativa da primazia da intenção prevista no art. 112 do CC.

Por outro lado, quando há lacuna no contrato, devemos nos valer de regras de integração, as quais podem ser divididas em duas espécies: as legais e as voluntárias.

As regras legais são as que decorrem de lei, são aplicadas apenas quando não houver critérios voluntários em sentido diverso e podem ser resumidas em duas hipóteses: (1) a aplicação das normas dispositivas ou cogentes[10]; ou, na sua falta, (2) a aplicação, por analogia e com adaptações, tanto dos meios de integração legal previstos no art. 4º da LINDB quanto das regras interpretativa da vontade presumível, da confirmação posterior e da boa-fé.

Explica-se.

Diante de uma lacuna contratual, se não houver normas dispositivas ou cogentes que a preencham, o caso é de aplicar, por analogia e com as devidas adaptações (mutatis mutandi), tanto os critérios de integração previstos para lacunas na lei (art. 4º, LINDB) quanto as supracitadas regras legais de interpretação contratual.

De um lado, os critérios de integração previstos para lacunas legais são a analogia, o costume e os princípios gerais de direito. Entretanto, na condição de método de integração contratual, esses critérios teriam de sofrer adaptações.

A analogia deve ser entendida como: (1) a utilização de uma ou mais cláusulas similares do mesmo contrato; ou, (2) no caso de inexistirem cláusulas contratuais análogas, a utilização de uma ou mais normas dispositivas ou cogentes similares.

O costume deve ser tomado como a aplicação da experiência prática habitual envolvendo a situação omissa no contrato. Deve-se observar qual é o costume na definição das regras em contratos similares na mesma região. Devem-se prestigiar contratos similares firmados entre as mesmas partes, se houver.

Os princípios gerais de direito devem ser considerados como a incidência das noções de justiça colhidas da história do Direito para preencher o vazio contratual[11].

Não há hierarquia absoluta entre esses três métodos integrativos. A hierarquia é relativa: embora preferencialmente deva-se seguir a ordem (analogia, costumes e princípios gerais de direito), ela pode ser flexibilizada no caso concreto em nome da vontade presumível das partes, da confirmação posterior, da boa-fé e a primazia da intenção das partes.

E há motivos para tanto. É que, no manuseio de um contrato, deve-se prestigiar a vontade, ainda que presumível, das partes, de maneira que, havendo omissão na redação contratual, deve-se buscar preferencialmente a solução em outras cláusulas contratuais similares (analogia). Em não havendo nada semelhante no texto contratual, deve-se recorrer aos fatos (costumes) ou, à falta destes, aos princípios gerais de direito. Essa ordem preferencial, porém, pode ser flexibilizada se tal for necessário para alinhar-se à vontade presumível das partes (racionalidade econômica, coerência lógica com cláusulas contratuais e contexto da época do contrato), ao comportamento adotado pelas partes posteriormente ao contrato, à boa-fé ou à primazia da intenção das partes.

As regras voluntárias de integração contratual são as decorrentes de pacto expresso das partes e devem ser aplicadas prioritariamente, afastando regras legais de integração em sentido diverso. De fato, nada impede que as próprias partes estabeleçam como será feito esse suprimento de lacunas do texto contratual.

Isso decorre da autonomia da vontade e, por isso, nem precisaria de autorização legal expressa. Todavia, ainda que fosse desnecessário, por questões didáticas, o legislador decidiu deixar clara essa possibilidade por meio da Lei da Liberdade Econômica, que acresceu ao Código Civil a expressa permissão para as partes estabelecerem as suas próprias regras de integração e de preenchimento de lacunas dos negócios jurídicos (art. 113, § 2º, CC).

A título de exemplo de regras voluntárias, podemos citar uma cláusula por meio da qual as partes estabelecem que, em havendo lacuna no contrato, deverá ser: (1) aplicada cláusula similar prevista em outros contratos anteriores já firmados entre as mesmas partes ou entre partes concorrentes; (2) adotada uma solução que não implique despesas adicionais ou desfalques financeiros a apenas uma das partes; (3) observado o costume no mercado envolvendo negócios semelhantes; (4) consultada uma determinada pessoa para indicar a regra que colmatará o contrato.

3.3.           Exceções de pré-vencimento: a quebra antecipada do contrato e a exceção de inseguridade

No período compreendido entre a data do nascimento do contrato e o vencimento da prestação, não há um “vazio prestacional” (como se o devedor não tivesse nenhuma prestação a cumprir antes do vencimento), ao contrário do que se pensava antigamente com base em uma concepção tradicional e estática das obrigações.

Com a moderna concepção de obrigação como processo – visão mais dinâmica e finalística da obrigação –, tanto o devedor quanto o credor têm de, desde o nascimento do contrato, praticar vários atos necessários a garantir, ao final, o cumprimento adequado da prestação, tudo à luz da boa-fé objetiva. Entre esses vários atos, estão todos aqueles decorrentes dos deveres anexos.

Se, durante a relação contratual, o devedor adotar condutas que possam ameaçar o êxito futuro do cumprimento da obrigação, poderá o credor adotar medidas prévias ao vencimento da obrigação[12], mais especificamente estas duas: a exceção de inseguridade (art. 477 do Código Civil – CC) ou a quebra antecipada do contrato (doutrina e aplicação analógica dos arts. 395, parágrafo único, 475 e 477 do CC).

Chamamos essas duas hipóteses de “exceções pré-vencimento”, pois são espécies de defesas (= exceções) utilizadas precocemente, antes do vencimento da obrigação.

Trataremos aqui, com brevidade, apenas da quebra antecipada do contrato.

É preciso ter cuidado com a nomenclatura. Apesar de a maior parte da doutrina não fazer a distinção, consideramos haver uma categoria geral chamada “quebra antecipada do contrato lato sensu”, da qual estas são espécies:

É que a quebra antecipada pode decorrer de um fato superveniente causado por culpa da parte ou não.

Se decorrer de culpa, aí é adequado chamar essa quebra antecipada de “inadimplemento antecipado” ou de “inadimplemento antes do termo”.

Se, porém, não houver culpa da parte, não há falar em “inadimplemento antecipado” ou de “inadimplemento antes do termo”, pois aí não há inadimplemento! A ruptura precoce do contrato aí deve ser chamada apenas de “quebra antecipada do contrato lato sensu”.

Reconhecemos que grande parte da doutrina não faz a distinção acima e prefere utilizar a expressão quebra antecipada do contrato apenas para as hipóteses de haver culpa da parte, ao passo que a resolução prematura do contrato por fato superveniente fortuito é tratada como um fenômeno em apartado.

O pressuposto da quebra antecipada do contrato é o de que, antes do vencimento, por um fato superveniente, o objeto do contrato, na sua exata dimensão, tenha-se tornado impossível ou inútil. Quando se afirma “na sua exata dimensão”, está-se referir também ao cumprimento dos deveres anexos, como o de proteção, o de segurança e o de conforto.

3.4.           O teste da vontade presumível

A quebra antecipada do contrato pode decorrer da violação de deveres anexos, mas é preciso analisar o caso concreto para verificar a razoabilidade dessa medida. Esse juízo abre um espaço não cartesiano para o intérprete. O jurista terá de valer-se de um juízo de razoabilidade que avalie a legítima expectativa do indivíduo médio. E, para tanto, sugerimos o que designamos de teste da vontade presumível.

Por esse teste, o jurista deverá responder a esta pergunta:

– à luz do contexto da celebração do contrato, se as partes tivessem, de antemão, previsto um problema que surgiria por uma futura conduta de uma das partes, elas teriam, no próprio instrumento, autorizado a ruptura do contrato?

Se a resposta for sim, é cabível a quebra antecipada do contrato. Se a resposta for negativa, não há nenhum dever anexo violado.

A resposta deverá ser feita à luz da regra da vontade presumível, que é extraída do contexto do negócio e da racionalidade econômica, conforme art. 113, § 1º, V, do CC.

A título ilustrativo, se um pai matricula um filho menor em uma escola que, posteriormente, vem a ser envolvida em graves escândalos de assédios sexuais praticados por professores contra alunos dentro do estabelecimento, é cabível a quebra antecipada do contrato. O teste da vontade presumível chancela isso, pois a resposta certamente seria positiva a esta indagação: “o pai, se tivesse previsto esse problema futuro, teria colocado, no contrato, uma cláusula permitindo a resolução contratual no caso de envolvimento da escola em um escândalo como esse?”

O teste da vontade presumível é uma ferramenta que auxilia o jurista a decidir se é ou não cabível a quebra antecipada do contrato.

Aliás, esse teste pode ser útil para o preenchimento de outras lacunas contratuais. Com efeito, por conta da racionalidade limitada imposta a todas as obras humanas, é inviável que as partes, de antemão, consigam disciplinar, no instrumento contratual, as infinitas variações do casuísmo futuro, de maneira que todo contrato tem lacunas (ainda que pequenas) e precisa de meios de integração. Além do mais, se fosse viável o exercício perfeito de uma futurologia, os instrumentos contratuais seriam volumosíssimos “livros”, os quais, de tão grandes, seriam insondáveis na prática, o que seria um despropósito. Por isso, em todo e em qualquer contrato, há necessidade de preencher suas lacunas por meio de meios de integração. O teste da vontade presumível é uma ferramenta útil para preencher essas lacunas, inclusive as relativas à admissibilidade da quebra antecipada do contrato.

3.5.           da aplicação ao caso concreto: cabimento da quebra antecipada do contrato por impossibilidade superveniente do objeto

O aprofundamento dos conceitos teóricos supracitados ficará para outra oportunidade em razão dos limites deste artigo. O que foi averbado até agora basta.

Os transtornos causados pelo coronavírus inegavelmente esvaziou a utilidade do objeto de vários contratos e tornou impossível o cumprimento dele na sua exata dimensão. Ainda que, em alguns casos, haja possibilidade material de cumprimento da prestação principal, é certo que, em muitas situações, o cumprimento de deveres anexos não é mais viável.

Por exemplo, no caso de um contrato de turismo para o consumidor passar o mês de março na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, os deveres anexos de proteção, de segurança e de conforto (que implicitamente estão nesses contratos) não podem ser mais cumpridos: a agência de turismo não tem como proteger o consumidor do risco de contaminação com o coronavírus nem do desconforto causado pela sensação de pânico causado pela sua exposição a esse antígeno.

Outro exemplo: se alguém tinha se comprometido a investir milhões de reais no mês de março para começar um restaurante, é inegável que a outra parte (o “sócio indústria”) não terá condições de cumprir o dever anexo de garantir relativa segurança ao investidor, pois houve colossal esfriamento do comércio com as medidas de isolamento das pessoas por conta do coronavírus.

Há inúmeros contratos que perderam sua utilidade ou cujo objeto, na sua exata dimensão (considerando os deveres anexos), se tornou impossível antes do vencimento por um fato superveniente e fortuito: a pandemia do coronavírus. Isso, pois, autoriza a quebra antecipada não culposa do contrato, salvo se houvesse cláusula contratual bem específica em sentido contrário ou se se tratasse de contrato aleatório que incluísse essa epidemia dentro da sua zona de risco.

Em todos esses contratos, pode-se considerar, como cláusula implícita, a possibilidade de ruptura precoce do contrato diante da excepcionalidade causada pelo coronavírus. A regra da vontade presumível, que serve não apenas como meio de interpretação, mas também de integração contratual, credencia essa ilação.

Ademais, em nome do princípio da conservação do negócio jurídico, se, no caso concreto, por um juízo de razoabilidade, for verificado que o contrato poderia ser mantido com alterações de suas condições sem grande prejuízo às partes, essa alternativa de “revisão contratual” deve ser escolhida no lugar da quebra antecipada do contrato. Nos exemplos acima, se se entender que o adiamento, para depois da crise do coronavírus, da viagem para o Rio de Janeiro ou da data do aporte do investimento for considerada uma medida razoável para conciliar os interesses de ambas as partes, deve ser mantido o contrato de turismo ou de investimento com essa alteração das condições contratuais.

Por fim, o que chamamos de “teste da vontade presumível” também chancelaria essa conclusão: se as partes tivessem, de antemão, previsto a pandemia, elas certamente teriam autorizado a ruptura ou a revisão do contrato ou, no mínimo, teriam estipulado outras condições contratuais (o preço, por exemplo, provavelmente seria outro diante da assunção do risco da pandemia por qualquer das partes).

3.6.           Um outro caminho

Tudo quanto foi exposto poderia chegar a um resultado similar se percorrêssemos o caminho da teoria da imprevisão[13] [14] (art. 478, CC) e da quebra da base do contrato[15], sustentando que, com os transtornos causados pelo coronavírus, vários contratos se tornaram excessivamente onerosos para uma das partes ou perderam a sua base de justificação. Deixamos de detalhar essa via alternativa por entendermos suficiente a que foi enfocada neste caso.

4.      Conclusão

O ambiente de transtorno causado pelo coronavírus autoriza a quebra antecipada não culposa de contratos cuja utilidade tenha se esvaziado ou cujo cumprimento, na sua exata dimensão (com inclusão dos deveres anexo de proteção, de segurança e de conforto), tenha se tornado impossível. A exceção corre à conta de haver cláusula bem específica em sentido contrário ou de se tratar de contrato aleatório que, na sua zona de risco, inclua os transtornos causados pela indesejada pandemia.

Se, porém, por um juízo de razoabilidade, for viável manter o contrato com alterações negociais (revisão contratual) sem grandes prejuízos às partes, deve-se preferir essa via em razão do princípio da conservação do negócio jurídico.

O teste da vontade presumível é recomendável para avaliar os casos concretos.

Data: 16 de março de 2020

*Currículo: (Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na Universidade de Brasília – UnB –, no IDP/DF, na Fundação Escola Superior do MPDFT – FESMPDFT, no EBD-SP, na Atame do DF e de GO e em outras instituições.Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro. E-mail: carloseliasdeoliveira@yahoo.com.br).


[1] Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/trump-anuncia-suspensao-de-voos-da-europa-aos-eua-para-conter-coronavirus/. Publicado em 12 de março de 2020.

[2] Ainda que possa haver certa hipérbole na manchetes jornalísticas, as dificuldades na gestão dos cadáveres em algumas cidades italianas são um fato (Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/italia-tem-excesso-de-corpos-apos-coronavirus-e-cadaveres-chegam-ficar-24h-em-casa.shtml. Publicado em 11 de março de 2020.

[3] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/italia-tem-excesso-de-corpos-apos-coronavirus-e-cadaveres-chegam-ficar-24h-em-casa.shtml. Publicado em 11 de março de 2020.

[4] Disponível em: https://observador.pt/2020/03/12/ator-italiano-ficou-36-horas-com-o-cadaver-da-irma-em-casa-nao-e-caso-unico/. Publicado em 12 de março de 2020.

[5] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-16/ultimas-noticias-sobre-o-coronavirus.html. Publicada em 16 de março de 2020.

[6] Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/16/rj-pode-chegar-a-24-mil-casos-de-coronavirus-em-um-mes-se-medidas-de-prevencao-nao-forem-respeitadas.ghtml. Publicada em 16 de março de 2020.

[7] Citamos, a título exemplificativo, o caso do Distrito Federal (Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/03/15/coronavirus-gdf-bloqueia-passe-livre-durante-recesso-nas-escolas-e-proibe-funcionamento-de-academias.ghtml. Publicada em 15 de março de 2020).

[8] A racionalidade humana é limitada.

[9] A enumeração é fruto da transcrição deste nosso texto com o acréscimo da regra da primazia da intenção sobre o sentido literal (OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. A Lei da Liberdade Econômica: diretrizes interpretativas da nova Lei e Análise detalhada das mudanças no Direito Civil e no Registros Públicos. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados. Elaborado em 21 de setembro de 2019).

[10] As normas cogentes servem para suprir lacunas contratuais (integração contratual) ou para gerar a nulidade daquelas cláusulas que a contrariarem (invalidação).

[11] Aqui, além dos clássicos princípios gerais de direito (como a vedação ao enriquecimento sem causa), há também os princípios do aviso prévio a uma sanção, o princípio da proteção simplificada do agraciado e o princípio da proteção simplificada do luxo. Sobre o tema, reportamo-nos a estes textos nossos:

– OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. O princípio da proteção simplificada do luxo, o princípio da proteção simplificada do agraciado e a responsabilidade civil do generoso. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Dezembro/2018 (Texto para Discussão nº 254). Disponível em: www.senado.leg.br/nepleg. Acesso em 4 dezembro 2018.

– ____________________________. O Princípio do Aviso Prévio a uma Sanção no Direito Civil Brasileiro. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Maio/2019 (Texto para Discussão nº 259). Disponível em: www.senado.leg.br/nepleg. Acesso em 30 de maio de 2019.

[12] MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no direito brasileiro. In: Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 207.

CUNHA, Raphael Augusto. O Inadimplemento na Nova Teoria Contratual: o inadimplemento antecipado do contrato. Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ano: 2015, p. 116.

ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013, p. 330.

[13] Sobre a teoria da imprevisão, é de citação obrigatória esta lição do genial civilista Flávio Tartuce, dono de uma das melhores e mais ricas coleção de Direito Civil na atualidade (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro: Forense, 2020, pp. 208-209):

   (…) a teoria da imprevisão recebeu um novo dimensionamento pela doutrina francesa um pouco diferente de sua origem, que remonta à cláusula rebus sic standibus. Nesse contexto, nota-se que, para a aplicação da teoria, há a necessidade da comprovação dessas alterações da realidade, ao lado da ocorrência de um fato imprevisível e/ou extraordinário, sem os quais não há como invocá-la. Nelson Nery Jr. lembra que, no Direito Alemão, a teoria da imprevisão é denominada ainda como teoria da pressuposição (A base…, 2004, p. 61). De qualquer forma, alguns autores diferenciam a teoria da imprevisão da teoria da pressuposição. Ensina Otávio Luiz Rodrigues Junior que “a teoria da pressuposição de Bernard Windscheid (1902:394-395) é baseada na premissa de que, se alguém manifesta sua vontade em um contrato, o faz sob um determinado conjunto de pressuposições que, se mantidas, conservam a vontade e, se alteradas, exoneram o contratante” (Revisão…, 2006, p. 82).

[14] Sobre a revisão contratual, dificilmente se achará trabalho mais completo do que esta obra do enciclopédico civilista Otávio Luiz Rodrigues Junior: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão contratual: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2006.

[15] Sobre esses institutos, reportamo-nos a estes textos:

  1. FRITZ, Karina. Fim da união estável constitui quebra da base do negócio em doação. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/german-report/313511/fim-de-uniao-estavel-constitui-quebra-da-base-do-negocio-em-doacao. Publicado em: 22 de outubro de 2019.
  2. SÁ, Gisele de Andrade; RIBEIRO, Adriana Pecora; TRAMARIM, Erika. As teorias da imprevisão e da quebra da base do negócio jurídico como instrumento de resolução ou revisão do contrato. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/31732/as-teorias-da-imprevisao-e-da-quebra-da-base-do-negocio-juridico-como-instrumento-de-resolucao-e-revisao-dos-contratos. Publicado em 24 de outubro de 2006.

FONTE: http://www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados

ARTIGO – E se o Brasil não tiver cartórios?

Atualmente, muito se fala que os Cartórios são uma burocracia desnecessária, uma perda de tempo que atrasa a vida das pessoas, e, que, em breve, eles serão substituídos por tecnologias como a “blockchain”.

Pois bem. Para analisarmos se esta afirmação é verdadeira, vamos imaginar como seria um Brasil sem Cartórios, especialmente sem os Tabelionatos de Notas, que são os que realizam autenticação de cópias, reconhecimento de firmas e os mais variados tipos de escrituras públicas, dentre elas, compra e venda, inventário, divórcio, separação e testamento.

Consulte mais informação

CNJ: COMUNICADO 19/2020. PROVAS TJAL. APLICAÇÕES CANCELADAS.

O Presidente da COmissão do Concurso de Provas e Títulos para a Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado de Alagoas, comunicou o cancelamento das aplicações das provas previstas para o fim de semana próximo (21 e 22.03.2020).

O comunicado foi em resposta ao PCA nº 003242-06-2014.2.00.0000, em razão da prevenção de infecções relacionadas ao COVID-19.

1ªVRP/SP: Não deve ser considerado ilógico a usucapião de imóvel próprio em situações excepcionais, a serem analisadas pontualmente

Processo 1054840-70.2019.8.26.0100 

Dúvida – Notas – São José Desenvolvimento Imobiliário 20 Ltda. – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de São José Desenvolvimento Imobiliário 20 LTDA. A negativa se pauta na impossibilidade da realização do procedimento de usucapião nos moldes requeridos pela suscitada, uma vez que as áreas das matrículas nºs 152.077, 162.079, 54.992, 186.841, 171.064, 59.974, 174.875, 83.581, 35.608, 122.678, 119.126, 178.156, 133.114, 22.853, 21.623, 24.360, 25.529, 29.417 e 29.418, objeto da usucapião extrajudicial, já são de propriedade da suscitada. Esclarece o Registrador que o procedimento pretendido, inicialmente, deveria referir-se somente à área remanescente não matriculada, relativa às transcrições de nºs 32.224 e 32.696, em atendimento ao princípio da especialidade objetiva. Juntou documentos às fls. 04/743. A suscitada apresentou impugnação às fls. 747/762. Afirma que não há óbice quanto ao fato de ser proprietária de parte do que hoje compõe a área total do imóvel usucapiendo, pois sua real pretensão é o reconhecimento não só dos terrenos relativos às matrículas apresentadas ou aos “corredores” não matriculados, mas ao imóvel como um todo, que não possui qualquer lastro ou origem registral, logo não faria sentido usucapir a fração remanescente das transcrições de nºs 32.224 e 32.696. Destaca que a situação dominial preexistente não pode ser invocada como óbice ao prosseguimento do processo de usucapião, que apenas dependeria de comprovação do estado de fato e da qualidade da posse sobre a área objeto da ação de usucapião. Por fim, requer que seja julgada improcedente a Dúvida, afastando o óbice apontado pelo Oficial, permitindo consequentemente o processamento do procedimento de usucapião extrajudicial. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, com a manutenção do óbice apontado pelo Registrador (fls. 765/767). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Registrador, bem como a D. Promotora de Justiça. De início, cumpre dizer que no procedimento administrativo de dúvida suscitada em face de pedido extrajudicial de usucapião, a cognição do Juiz Corregedor é limitada e seu poder de decisão depende da razão que a motivou. Assim, se a dúvida é suscitada ao final do procedimento extrajudicial em face de negativa apresentada referente ao mérito do pedido, quando, por exemplo, o Oficial não reconhece a existência da posse ou do tempo necessário para a prescrição aquisitiva, cabe ao Juiz Corregedor analisar o preenchimento dos requisitos para a usucapião, como verdadeiro órgão recursal a decidir a existência, ou não, do direito ali pleiteado. No presente caso, a pretensão da suscitada vai de encontro ao procedimento registrário entabulado em nosso sistema legal. Segundo o disposto no artigo 13, parágrafo 2º do Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, deve ser evitado o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários. Não se pode registrar título de imóvel no qual não há identidade entre a futura configuração e a matrícula (registro) anterior, como regrado pelo artigo 225, parágrafo 2º da Lei 6.015/1973. Impossível se torna o registro de parte ideal demarcada de maior porção, sem a precisão delimitativa em comparação aos demais registros contíguos. A ausência de descrição clara da metragem na gleba dividida abre margem de risco à ofensa de direitos de terceiro, assim faz sentido a diligência do Oficial na situação em tela. Ressalto que não deve ser considerado ilógico a usucapião de imóvel próprio em situações excepcionais, a serem analisadas pontualmente. O artigo jurídico publicado pelos renomados Desembargador Fernando Antonio Maia da Cunha e Juiz de Direito Alexandre Dartanham de Mello Guerra, abordando o assunto em destaque, elucida que: “Não nos parece que deva prevalecer o entendimento invariavelmente contrário à usucapião de coisa própria. Não há, sistematicamente, ausência de interesse processual nessas circunstâncias. A utilidade da usucapião, em casos dessa ordem, reside justamente em pretender-se a declaração originária de propriedade imobiliária (própria da usucapião). Trata-se de situação excepcional, por certo, que exige análise prudente, criteriosa, mas que não deve ser negada indiscriminadamente. A hipótese em estudo revela a utilidade da aplicação concreta da segunda finalidade da usucapião: servir como forma de sanear aquisições derivadas imperfeitas” (g.N). Nos autos de Apelação Cível nº 0005389-28.2011.8.26.0180, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua 4ª Câmara de Direito Privado, em voto do primeiro autor deste ensaio (voto nº 37.261), foi a questão das consequências jurídicas da usucapião como forma originária de aquisição de propriedade examinada. A questão foi assim ementada: “Usucapião. Ação interposta 17 anos após a aquisição do bem via compromisso particular de compra e venda. Aplicação do artigo 1242 do Código Civil. Imóvel situado em loteamento irregular e sem inscrição em registro imobiliário. Irrelevância. Usucapião que suprime os vícios anteriores. Sentença mantida. Recursos improvidos”. Logo, para a admissão da possibilidade da usucapião de coisa própria, deverá haver uma análise minuciosa do fato concreto ou seja, dependem dos fundamentos jurídicos invocados e consequentemente a possibilidade de um juízo de mérito, sob pena de conforme acima mencionado constituir burla a lei, especificamente em relação ao recolhimento tributário. Feitas estas breves considerações, na presente hipótese, busca a suscitada como extraído do requerimento reproduzido nos documentos de fls. 183/217, a unificação de todos os imóveis matriculados sob os nºs 152.077, 162.079, 54.992, 186.841, 171.064, 59.974, 174.875, 83.581, 35.608, 122.678, 119.126, 178.156, 133.114, 22.853, 21.623, 24.360, 25.529, 29.417 e 29.418, assim como da área remanescente das transcrições nºs 32.224 e 32.690. Para perseguição da pretensão acima explicitada, o pedido para usucapir as referidas matrículas não se demonstra apropriado. Como bem exposto pela D. Promotora de Justiça, os imóveis matriculados possuem escrituração, transações anteriores, logo deve obedecer ao princípio da continuidade, cujo encadeamento de titularidade confere segurança ao registro. Destaco que, para a abertura da pretendida nova matrícula, deve primeiramente ser regularizada a situação relativa às áreas remanescentes das transcrições de nºs 32.224 e 32.696. Neste sentido o artigo 234 da Lei 6.015/1973 determina que para a abertura de nova matrícula pela fusão, é necessário averbar nas matrículas primitivas o encerramento de cada uma delas, noticiando-se a abertura de uma nova. Logo, a usucapião deve ater-se exclusivamente a área remanescente das transcrições nºs 32.224 e 32.690, e posteriormente poderá a suscitada pleitear a unificação das matrículas. Ante o exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de “São José Desenvolvimento Imobiliário 20 Ltda.”, determinando o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que deverá arquivar o feito e cancelar a prenotação, cabendo à interessada iniciar o procedimento judicial se assim entender pertinente, podendo aproveitar-se dos documentos já apresentados. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: LUIZ HENRIQUE DE ALMEIDA FARIGNOLI (OAB 346016/SP), ALEXANDRE LAIZO CLAPIS (OAB 155884/SP)

Fonte: DJe/SP de 16.07.2019

CSM/SP: Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Necessidade de instrução do requerimento com as certidões de distribuição em nome dos titulares tabulares do imóvel – Art. 216, inciso III, da Lei nº 6.015/73 e art. 4º, inciso IV, alínea “b”, do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça – Alegações de desnecessidade das certidões e de impossibilidade de sua obtenção – Exigência legal e normativa que não pode ser afastada, em procedimento de natureza administrativa, pelos fundamentos apresentados pelos apelantes – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido

Apelação Cível nº 1009670-61.2018.8.26.0019

Apelantes: Amancio Rodrigues de Oliveira e Maria Aparecida Segatto de Oliveira

Apelado: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Americana

VOTO Nº 37.782

Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Necessidade de instrução do requerimento com as certidões de distribuição em nome dos titulares tabulares do imóvel – Art. 216, inciso III, da Lei nº 6.015/73 e art. 4º, inciso IV, alínea “b”, do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça – Alegações de desnecessidade das certidões e de impossibilidade de sua obtenção – Exigência legal e normativa que não pode ser afastada, em procedimento de natureza administrativa, pelos fundamentos apresentados pelos apelantes – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Amâncio Rodrigues de Oliveira e Maria Aparecida Segatto de Oliveira contra r. sentença que manteve a recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Americana em promover o registro da aquisição da propriedade de imóvel por usucapião porque o procedimento extrajudicial não foi instruído com as certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal, expedidas nos nomes dos proprietários tabulares do imóvel usucapiendo.

Os apelantes alegaram a existência de contradição na r. sentença porque na manifestação sobre a dúvida impugnaram todas as exigências formuladas na nota de devolução. Ainda, teceram comentários sobre as exigências realizadas pelo Oficial de Registro de Imóveis para o início do procedimento administrativo de usucapião extrajudicial, asseverando que são indevidas. Esclareceram que pretendem o reconhecimento da usucapião extrajudicial, o que dispensa a apresentação de certidões dos distribuidores em nome de seus antecessores na posse. Afirmaram que o imóvel usucapiendo tem como proprietários tabulares pessoas que estão precariamente qualificadas nas transcrições nºs 22.594 e 12.932 do 1º Registro de Imóveis de Campinas e que não é possível a obtenção de certidões dos distribuidores porque não conhece os números dos documentos de identidade. Aduziram que a exigência de apresentação dessas certidões caracteriza burocracia desnecessária e não impede o reconhecimento da aquisição do domínio pela usucapião porque os requisitos ficaram comprovados pela Ata Notarial que mostra o exercício de posse mansa e pacífica por 26 anos. Diante disso, as certidões de distribuição não alteram o seu direito ao registro da aquisição da propriedade pela usucapião, que é forma originária de aquisição do domínio, constituindo a negativa de registro violação do direito fundamental à propriedade e caracterizando sanção política. Ademais, as transcrições não contém notícia de ações relativas ao imóvel, o que deveria ocorrer diante do princípio da concentração das informações na matrícula introduzido pela Lei nº 13.097/2015. Além disso, os proprietários serão notificados, ainda que por edital, o que permitirá a impugnação ao pedido. Asseveraram que as atas notariais são suficientes para a comprovação da posse e observação dos requisitos legais, independente do fato das atas retificadoras não estarem assinadas pelas testemunhas e requerentes. Requereram a improcedência da dúvida, com o afastamento das exigências formuladas.

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso, por estar a dúvida prejudicada em razão da impugnação parcial das exigências formuladas, ou, alternativamente, pela manutenção da r. sentença que julgou a dúvida procedente (fls. 226/231).

É o relatório.

Cuida-se de procedimento extrajudicial de usucapião de imóvel urbano, processado perante o Oficial de Registro de Imóveis, em que foram formuladas as seguintes exigências:

a) apresentação de procuração, com firma reconhecida, que contenha poderes especiais e expressos para o procedimento extrajudicial de usucapião, pela modalidade extraordinária, do lote 27-B da quadra 16 do loteamento Jardim Brasil, Comarca de Americana;

b) requerer a notificação da co-proprietária Líder Brasil Imobiliária e Incorporadora S/A e dos confrontantes tabulares que apesar de intervirem na Ata Notarial não assinaram a planta e o memorial descritivo do imóvel;

c) a Ata Notarial não contém ressalva de que não tem valor como confirmação ou estabelecimento da propriedade, na forma do § 3º do art. 5º do Provimento CNJ nº 65/2017;

d) o projeto, o requerimento e a Ata Notarial devem ser retificados no que se refere aos confrontantes, porque não identificam os proprietários tabulares do lote 26-B, mas apenas as pessoas indicadas como possuidoras, não foram instruídos com prova de que Maria de Fátima Marsoli Justi é proprietária do lote 27-A, e não foi identificada e requerida a notificação de Edna Fátima Kokol Boer, cônjuge do proprietário do lote 09 da quadra 16;

e) não foram apresentadas as certidões dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal nos nomes dos proprietários tabulares do imóvel e dos possuidores no período aquisitivo da usucapião (fls. 143/149).

O procedimento extrajudicial de registro de usucapião comporta requisitos que podem ser atendidos ao longo de seu processamento, como, por exemplo, a apresentação de cópias para a complementação das notificações e a publicação de editais.

Contudo, a recusa do apresentante em atender exigência que impeça o curso do procedimento, por dizer respeito a requisitos indispensáveis à formação ou à continuidade do procedimento administrativo, importa na impossibilidade do registro da aquisição do imóvel por usucapião extrajudicial e, em consequência, acarreta a procedência do procedimento de dúvida.

Neste caso concreto, os apelantes constituíram advogado com poderes expressos e específicos para o requerimento de usucapião extrajudicial do lote 27-B da quadra 16, por meio de procurações com firmas reconhecidas (fls. 38 e 129).

Essas procurações, embora não indiquem a alteração da modalidade do requerimento que inicialmente era de usucapião ordinária e depois passou a extraordinária, são suficientes para o procedimento administrativo de usucapião e para a regular representação processual na dúvida que foi suscitada.

Para afastar a discussão sobre a caracterização de justo título os requerentes, atendendo exigência formulada, alteraram a modalidade do requerimento para o de registro de usucapião extraordinária.

Essa alteração não demanda reconhecimento das firmas dos requerentes no pedido de alteração da modalidade da usucapião, porque estão representados por advogado constituído por procurações com firmas reconhecidas e porque é inequívoca a identificação dos requerentes e a natureza e conteúdo do registro que pretendem obter.

A omissão da advertência, na Ata Notarial de fls. 52/59 e nas retificações de fls. 131/134 e 39/42, de que não têm valor como prova ou para o estabelecimento da propriedade (art. 5º, § 3º, do Provimento CNJ nº 65/2017), não as desqualificam para efeito de instruir o procedimento de usucapião extrajudicial.

Assim porque o requerimento de registro da aquisição da propriedade pela usucapião deixa claro que os apelantes estão cientes de que a Ata Notarial é modo de prova, não produzindo o efeito de constituir ou de confirmar do domínio do imóvel.

A apresentação de cópias necessárias para a notificação da co-proprietária Líder Brasil Imobiliária e Incorporadora S/A e dos confrontantes tabulares que não assinaram a planta e o memorial descritivo do imóvel (art. 4º, inciso II, do Provimento CNJ nº 65/2017), que restou como pendência indicada na suscitação da dúvida (fls.11), poderia ser atendida no curso do procedimento extrajudicial de usucapião que, nesse ponto, somente seria obstado se houvesse expressa recusa ao seu fornecimento, impedindo as notificações necessárias.

Diante da nota de exigências de fls. 143/149 os apelantes apresentaram requerimento de processamento do pedido de registro da usucapião extrajudicial, com solicitação de adoção de providências para atendimento dos requisitos indicados pelo Oficial de Registro de Imóveis, com exceção da apresentação das certidões dos distribuídos da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local do imóvel, em nome dos proprietários e dos possuidores no período da prescrição aquisitiva (fls. 122/130).

Todas as exigências foram impugnadas pelos apelantes quando de sua manifestação sobre as razões apresentadas pelo Oficial de Registro de Imóveis na suscitação da dúvida, com exceção do fornecimento de cópias para notificações (fls. 156/175).

Diante disso, e das peculiaridades deste caso concreto, a forma como os apelantes se manifestaram sobre essas exigências não caracteriza impugnação parcial e não torna a dúvida prejudicada.

A r. sentença, por sua vez, afastou as exigências de natureza procedimental que eram passíveis de suprimento, mantendo a negativa do registro em razão da recusa da apresentação das certidões dos distribuidores da Justiça Federal e da Justiça Estadual nos nomes dos titulares do domínio e dos anteriores possuidores do imóvel, bem como de seus cônjuges (fls. 146).

O requerimento de registro da usucapião extrajudicial diz respeito ao lote 27-B da quadra 16.

O imóvel usucapiendo é formado por parte do lote 27 da quadra 16 que para efeito de cadastro municipal foi desmembrado nos lotes 27-A e 27-B.

Os apelantes não identificaram o registro e os proprietários do lote 27-A da quadra 16, que confronta com o imóvel usucapiendo, limitando-se a indicar como possuidora Maria de Fátima Marsula Justi (fls. 73).

Porém, as certidões de fls. 64/70 e 106/121 mostram que a totalidade do lote 27 da quadra 16, com área total de 250,00m², com 10,00m de frente por 25,00m nos fundos, tem iguais proprietários, pois não há notícia de que houve averbação do desdobro no Registro de Imóveis.

Por essa razão, as notificações dos proprietários do lote 27 da quadra 16 decorrerá tanto da condição de titulares do domínio do imóvel usucapiendo como de proprietários do imóvel confrontante identificado como lote 27-A.

Por essa razão, a ausência de indicação do confrontante tabular em relação ao lote 27-A da quadra 16 não impede o processamento do requerimento de usucapião extrajudicial.

Por sua vez, na usucapião extraordinária a boa fé é presumida, com dispensa da apresentação de justo título, o que afasta a necessidade de intervenção dos antecessores na posse e a apresentação de certidões a eles relativas, sendo nesse sentido o art. 4º, inciso IV, alínea “c”, do Provimento CNJ nº 65/2017.

Igual não ocorre, entretanto, com as certidões dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal nos nomes titulares do domínio do imóvel usucapiendo.

O art. 216-A, inciso IV, da Lei nº 6.015/73 prevê que o requerimento de usucapião extrajudicial será instruído com certidões dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente:

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:

(…)

III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; (…)”.

A obrigatoriedade da apresentação dessas certidões também é prevista no Provimento CNJ nº 65/2017 que especifica que devem ser expedidas pela Justiça Estadual e Justiça Federal, em nome do proprietário do imóvel usucapiendo e seu cônjuge, ou companheiro, se houver:

Art. 4º O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos:

(…)

IV – certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo expedidas nos últimos trinta dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas:

a) do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver;

b) do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver;

c) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião; (…)”.

O inciso IV do art. 4º do Provimento CNJ nº 65/2017 esclarece que essas certidões se destinam a comprovar “…a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel“.

Assim ocorre porque a usucapião extrajudicial é reservada às hipóteses em que não existe litígio em relação ao imóvel, ou seja, àquelas em que é dispensável o ajuizamento da ação judicial que for a via adequada para a solução de controvérsia sobre o domínio do bem.

Havendo litígio sobre o imóvel, ainda que caracterizado a partir do oferecimento de impugnação ao pedido, torna-se indispensável a intervenção judicial para a solução da controvérsia, como disposto no § 10 do art. 216-A da Lei nº 6.015/73:

§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum“.

E compete ao requerente do usucapião extrajudicial fazer prova da inexistência de litígio apresentando as certidões dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal em nome do proprietário do imóvel e de seu cônjuge, ou companheiro se for conhecido, como previsto no art. 216-A da Lei nº 6.015/73 e no Provimento CNJ nº 65/2017 que na esfera administrativa tem força normativa e vinculante.

A obrigatoriedade da apresentação dessas certidões não se afasta pelo conteúdo da Ata Notarial que consiste, apenas, em uma das provas do exercício de posse, nem pela afirmação dos apelantes de que exercem posse mansa e pacífica sobre o imóvel por período superior ao da prescrição aquisitiva uma vez que constitui ato unilateral insuficiente para o registro da propriedade.

Cabe lembrar, nesse ponto, que a propriedade é presumida em favor dos titulares indicados no registro imobiliário, como previsto no art. 1.245, §§ 1º e 2º, do Código Civil e no art. 252 da Lei nº 6.015/73:

Art. 252  O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido“.

Destarte, equivocam-se os apelantes quando alegam que a exigência das certidões é ato burocrático desnecessário e que a recusa do registro da usucapião extrajudicial, pela falta dessas certidões, constitui sanção política.

A negativa do registro da usucapião extrajudicial também não implica em violação do direito de propriedade, porque cabe às pessoas que tiverem legitimidade comprovar o preenchimento de todos os requisitos previstos para o procedimento que preferirem adotar.

A concentração na matrícula dos direitos e ônus incidentes sobre o imóvel, por seu lado, não altera o resultado da dúvida porque a propriedade é presumida em favor dos titulares que figuram no registro imobiliário, não havendo que se falar em averbações e anotações premonitórias para assegurar direito que já detém por força do domínio.

Por fim, não se comprovou a impossibilidade de obtenção dos dados de qualificação dos titulares do domínio que permitam, por meio extrajudicial ou judicial, a obtenção das certidões de distribuição da Justiça Estadual e da Justiça Federal.

Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP de 07.08.2019

Reclamação disciplinar – Oficial de registro de imóveis – Informação prestada em ação de usucapião – Inexistência de contradição entre a informação prestada e o conteúdo de livro de registro ou de documento que integrava o acervo da delegação – Recurso não provido

Número do processo: 1002241-93.2017.8.26.0337

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 149

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1002241-93.2017.8.26.0337

(149/2018-E)

Reclamação disciplinar – Oficial de registro de imóveis – Informação prestada em ação de usucapião – Inexistência de contradição entre a informação prestada e o conteúdo de livro de registro ou de documento que integrava o acervo da delegação – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de procedimento instaurado em razão de reclamação formulada por Ode Corsi dos Passos em razão do conteúdo de informação prestada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mairinque em ação de usucapião que tem curso na 1ª Vara Cível daquela comarca (Processo n° 1000848-36.2017.8.26.0337) porque foi omissa em relação do exercício de posse, pela reclamante, sobre o imóvel usucapiendo.

O pedido de instauração de procedimento disciplinar foi indeferido pela r. decisão de fls. 38/39.

A reclamante apresentou apelação em que alegou, em suma, que as informações foram prestadas quando estava em andamento pedido para “regularização de sua escritura” e que, mesmo assim, o reclamado informou que não havia impedimento para o registro do domínio em favor de pessoa que ingressou no imóvel mediante esbulho. Asseverou que o reclamado prestou informações sem promover prévia pesquisa sobre a titularidade da gleba e omitindo a existência de documentos que comprovam a posse dos moradores dos imóvel. Reiterou que tinha apresentado ao reclamado documento, celebrado em conjunto com o proprietário, visando a regularização de seu domínio sobre o imóvel, e que esse fato foi omitido nas informações prestadas. Ademais, também foi omitida na informação o nome do proprietário tabular que, porém, acabou sendo citado e intervindo na ação de usucapião. Requereu a anulação da r. decisão, ou sua reforma (fls. 49/55).

O reclamado apresentou contrarrazões (fls. 100/106).

Opino.

Embora interposto como apelação, não há impedimento para que o recurso seja recebido como administrativo, na forma do art. 246 do Decreto-lei Complementar n° 03/69, do Estado de São Paulo.

O documento de fls. 10/11 demonstra que em 10 de agosto de 2017 o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mairinque informou no Processo n° 1000848-36.2017.8.26.0337 da 1º Vara Cível de Mairinque: I) que o autor da ação de usucapião estava qualificado de forma a atender o requisito da especialidade subjetiva; II) que a descrição do imóvel usucapiendo contida no memorial descritivo e na planta apresentados no processo judicial atendiam o requisito da especialidade objetiva; III) que em razão do atendimento da especialidade subjetiva e objetiva “…estão presentes os requisitos para a abertura de matrícula e registro do título em caso de eventual procedência da presente ação” (fls. 10).

As informações prestadas pelo Oficial de Registro de Imóveis, portanto, limitaram-se a aspectos técnicos relativos à qualificação do autor e à forma de elaboração do memorial descritivo e da planta do imóvel usucapiendo, sem referência a qualquer outro fato que pudesse repercutir, de forma concreta, no resultado daquele feito.

Por sua vez, não podia o Oficial de Registro prestar informações extra-tabulares, ou seja, relativas a direitos ou fatos não contidos nos livros e documentos que compõem o acervo de sua delegação.

O Oficial de Registro é obrigado a expedir certidão do teor de seus livros e dos documentos que mantiver arquivados, podendo fazê-lo por extrato, por inteiro teor do ato, ou mediante relatório conforme quesitos (art. 19 da Lei n° 6.015/73).

A reclamante pretendia que as informações prestadas fizessem referência à existência de posse e de fatos relacionados ao seu exercício, alegando que a posse que mantinha sobre o imóvel foi esbulhada pelo autor da ação de usucapião.

Contudo, como informado às fls. 26 e segundo decorre das manifestações da recorrente, não há em seu favor registro de domínio, ou de outro direito real.

Também não há que se cogitar em registro de posse, ou atos possessórios, porque ausentes as hipóteses previstas no art. 167, inciso I, n°s 36 e 41, e inciso II, n° 27, da Lei n° 6.015/73.

Em razão disso, não cabia ao Oficial de Registro de Imóveis de Mairinque manifestar-se sobre o exercício de posse pela reclamante e sobre eventual esbulho.

Por sua vez, o título protocolado sob n° 14.616, a que se refere o documento de fls. 28, consistiu em requerimento de abertura de matrícula, pelo Oficial de Registro de Imóveis de Mairinque, para o imóvel objeto da matrícula n° 1.366 do Registro de Imóveis de São Roque (fls. 29/32), e em posterior desdobro desse imóvel em dez lotes, como esclarecido às fls. 33/35.

Esses requerimentos foram realizados por Thiago Antônio Vítor Vilela em 05 de setembro de 2017 e foram realizadas exigências para a prática do ato, conforme a nota devolutiva de fls. 33/35, sem notícia de seu atendimento.

Portanto, o Protocolo n° 14.616 é posterior às informações prestadas pelo Oficial de Registro de Imóveis na ação de usucapião e, mais, não há prova de que foi aberta matrícula, no Registro de Imóveis de Mairinque, para o imóvel que é de co-propriedade de Symbol Dweik e de Moisés Soued e sua mulher (fls. 29/32).

E, neste procedimento administrativo, sequer é possível reconhecer que o referido imóvel é, no todo ou em parte, objeto da ação de usucapião.

No mais, cuidando-se de ação judicial, não competia ao Oficial de Registro de Imóveis a realização de diligências para apurar posse, ou identificar eventual litígio possessório sobre o imóvel usucapiendo.

Desse modo, as provas realizadas são no sentido de que na data da prestação das informações de fls.10/11, ou seja, em 10 de agosto de 2017, não havia matrícula para o imóvel usucapiendo no Registro de Imóveis de Mairinque, nem qualquer outro fato que pudesse ser informado ao Juízo da ação de usucapião porque o requerimento de matrícula para o imóvel que, segundo alegado pela reclamante, seria aquele objeto da ação somente foi realizado mediante título prenotado em 05 de setembro de 2017 (fls. 28 e 33).

Por fim, não há nulidade a ser declarada, pois foram observados todos os requisitos aplicáveis no presente procedimento que tem natureza puramente administrativa.

Ante o exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 4 de abril de 2018.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Acolho o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e nego provimento ao recurso administrativo. Oportunamente, restituam-se os autos à Vara de origem. Intimem-se. São Paulo, 05 de abril de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: DANIELA GOMES DE BARROS, OAB/SP 211.910 e PAULO MARCOS RESENDE, OAB/SP 216.749.

Diário da Justiça Eletrônico de 12.04.2018

Decisão reproduzida na página 065 do Classificador II – 2018

1VRP/SP: A certidão de cópia integral de todo o procedimento de usucapião deve ser cobrada , com o acréscimo relativo ao número de cópias que a compõe

Processo 1085046-67.2019.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital – Vistos. Trata-se de consulta formulada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital acerca da cobrança de emolumentos na hipótese em que o interessado solicita em forma de certidão a cópia integral do procedimento da usucapião extrajudicial. Esclarece que, ao fornecer a cópia da integralidade do procedimento ao custo de uma única certidão, o serviço prestado não observa o artigo 5º da Lei Estadual nº 11.331/02, tendo em vista que o número de folhas, que reflete no custo, é muito elevado. Relata que a empresa Votorantim S/A requereu a expedição em forma de certidão da integralidade de procedimento de usucapião extrajudicial, que continha 465 folhas ao todo, ao custo de R$ 52,85, o que prontamente foi atendido. Ocorre que o número de interessados no procedimento de reconhecimento extrajudicial de usucapião vem aumentado e com isso a quantidade de pessoas em consultar e obter informações, razão pela qual entende não ser razoável que a cobrança de pedidos desta natureza seja realizado pelo valor de uma única certidão. Argumenta que não há previsão expressa sobre o tema na lei estadual, sendo necessária a regulamentação desta situação nova. Assim, sugere a adoção por analogia do regramento aplicável ao Tabelião de Notas, no que diz respeito à instrumentalização das cartas notariais, nos termos do Provimento nº 31/2013 face ao disposto no item 19, do Capítulo XII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, bem como a extensão da aplicação do disposto no Provimento CSM nº 2.516/2019 à hipótese. Juntou documentos às fls.04/08. A ARISP prestou informações às fls.11/13, mostrando-se favorável à aplicação do disposto nos artigos 4º e 6º do Provimento CSM nº 2.516/2019, sendo que em relação do artigo 6º, entende que deve ser considerado o item 11 da Tabela de Custas prevista na Lei Estadual nº 11.331/02, em razão da especialidade da lei. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. De acordo com o artigo 5º da Lei Estadual nº 11.331/02: “Os valores dos emolumentos são fixados de acordo com o efetivo custo e a adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, levando-se em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro…” (g.n). Entendo que a expressão “suficiente remuneração dos serviços prestados” refere-se à razoabilidade entre o custo do serviço fornecido ao usuário e o proveito por ele recebido. O procedimento da usucapião extrajudicial é instruído com uma vasta quantidade de documentos (plantas, memorial descritivo, ata notarial), que amealha expressivo volume de peças a serem replicadas, não sendo razoável que a certidão envolvendo cópia integral do feito seja expedida por um único valor, correspondente a R$ 52,85, o que causaria um desequilíbrio econômico para a atividade registral. O uso de papel de segurança para a impressão das cópias e o tempo para a confecção do documento justificam uma remuneração diferenciada para esta modalidade nova de certidão. Neste contexto, nos termos do artigo 10 da Lei nº 11.331/02, entendo cabível a sugestão do Oficial para aplicação dos artigos 4º e 6º do Provimento CSM nº 2516/2019, ressaltando que em relação ao artigo 6º deve ser observado o item 11 da Tabela de Custas, a fim de os custos acima mencionados sejam repassados de maneira equânime aos usuários dos serviços públicos. Assim, em casos de solicitação de cópia integral de pedido de usucapião extrajudicial, entendo que deva ser cobrada a certidão, com o acréscimo relativo ao número de cópias que a compõe. Por se tratar de questão que afeta todas Serventia Imobiliária, e diante do ineditismo do tema, oficie-se à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, para ciência e eventual revisão desta decisão. Int. – ADV: ANDRE RAFAEL NOGUEIRA CRUZELHES (OAB 368528/SP).

Fonte: Portal do RI

1VRP/SP: Registro de Imóveis. Usucapião extrajudicial. Notificações

Processo 1071425-03.2019.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Associação da Igreja Metodista – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento da Associação da Igreja Metodista, em procedimento de usucapião extrajudicial cujo objeto é o Apartamento nº 504 do Edifício Jaú, localizado no Largo da Pólvora, 96, objeto das transcrições nº 17.050 e 40.563 da mencionada serventia. Segundo narra o Oficial, os proprietários Abilio Ribeiro de Barros e Maria Baldini de Barros comprometeram-se a vender o imóvel ao Banco Nacional Imobiliário, cuja denominação atual é Banco Bradesco de Investimentos S.A., que por sua vez prometeu ceder os direitos e obrigações a Monroe Arruda Camargo. Após, os proprietários Abilio e Maria cederam os direitos creditórios a Alcindo Ribeiro de Barros e João Ribeiro de Barros Neto. Por sucessão causa mortis, os direitos de Monroe Arruda Camargo foram adjudicados a Ruth Guerra Camargo, com cláusula de fideicomisso, para que após o falecimento de Ruth fossem os direitos transferidos a Associação da Igreja Metodista – Paróquia Central. Finalmente, foi averbado na transcrição competente o falecimento de Ruth, cumprindo-se a cláusula de fideicomisso. O óbice objeto da dúvida é a exigência do Oficial de que sejam notificados os titulares de domínio, compromissários compradores e seus cessionários, já que os negócios foram feitos para pagamento a prazo. Segundo os requerentes, a exigência é desnecessária, já que a última prestação venceu em 1960, havendo prescrição e decadência consumada das obrigações das prestações, além de perempção da caução de direitos creditórios. Aduz o Oficial que não há permissão legal para a dispensa das notificações, que só pode ocorrer se comprovada a inexistência de ação judicial e comprovação da quitação das obrigações, não cabendo ao Oficial a análise da prescrição ou decadência. Pontua, todavia, ser razoável o entendimento da requerente, em especial se aplicado entendimento semelhante à previsão das NSCGJ relativas a regularização fundiária. Pede a expedição de orientação em caráter normativo, juntando documentos às fls. 09/237. A suscitada manifestou-se à fl. 240, alegando desinteresse em apresentar impugnação. Às fls. 250/254, com documentos às fls. 255/280, justifica sua posição como sucessora da fideicomissária Associação da Igreja Metodista – Paróquia Central. O parecer do Ministério Público, juntado às fls. 244/248, foi pela improcedência da dúvida. É o relatório. Decido. Assim prevê o Art. 13 do Prov. 65/17 da Corregedoria Nacional de Justiça: Art. 13.Considera-se outorgado o consentimento mencionado nocaputdo art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo. § 1º São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere ocaput: I – compromisso ou recibo de compra e venda; II – cessão de direitos e promessa de cessão; III – pré-contrato; IV – proposta de compra; V – reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar; VI – procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; VII – escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; VIII – documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação. § 2º Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei. § 3º A prova de quitação será feita por meio de declaração escrita ou da apresentação da quitação da última parcela do preço avençado ou de recibo assinado pelo proprietário com firma reconhecida. § 4º A análise dos documentos citados neste artigo e em seus parágrafos será realizada pelo oficial de registro de imóveis, que proferirá nota fundamentada, conforme seu livre convencimento, acerca da veracidade e idoneidade do conteúdo e da inexistência de lide relativa ao negócio objeto de regularização pela usucapião. Tal norma regulamenta o Art. 216-A, §2º, da Lei 6.015/73, que tem a seguinte redação: Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: (…) § 2oSe a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância. Como se vê, a regulamentação proferida pelo CNJ flexibiliza a exigência legal: a Lei 6.015/73 exige a notificação de todos os titulares de direitos sobre o bem, enquanto o Prov. 65/17 dispensa a notificação nas hipóteses em que se demonstre não haver obrigações pendentes nem discussão judicial sobre ele. Uma vez existente normatização nacional sobre o tema por órgão administrativo com competência para tanto, não cabe ao Oficial nem a esta Corregedoria Permanente imiscuir-se sobre eventuais vícios na norma do CNJ, sendo obrigatória sua observância enquanto não houver manifestação na via jurisdicional competente afastando sua vigência. No presente caso, não estão presentes todos os requisitos previstos no Art. 13 do Prov. 65/17 do CNJ, já que não há prova de quitação das obrigações constantes do registro, sendo esta a justificativa do Oficial para negar o pedido de dispensa feito pela requerente. Ocorre que, como bem pontuado pelo Oficial e pelo D. Promotor, as NSCGJ de São Paulo, na regulamentação da Reurb, permite a dispensa de prova de quitação quando se demonstre, por outros meios, inexistir controvérsia judicial sobre a titularidade do bem. Veja-se que, nos termos do Art. 15, II, da Lei 13.465/17, é a usucapião extrajudicial instrumento de regularização fundiária. De fato, a usucapião se mostra como meio efetivo de garantir o direito à moradia regular, dando ao bem imóvel a condição de legalidade e inserindo-o dentro do mercado, por meio do regular cadastro imobiliário, não por outra razão sendo tal instituto incluído na Constituição Federal. Assim, deve-se privilegiar a usucapião como instrumento legítimo de regularização fundiária, em especial a via administrativa, que concede celeridade ao procedimento ao mesmo tempo que desafoga o poder judiciário, que se limita às questões em que há efetivo conflito de interesses. Por tais razões, sendo devidamente comprovado inexistir qualquer discussão sobre a propriedade ou demais obrigações que a tenha por objeto, por meio das competentes certidões de distribuição, entendo que a exigência de comprovante de quitação de todas as obrigações que recaem sobre o imóvel possa ser dispensada, em especial quando tais obrigações tiveram seu prazo esgotado há muito tempo e outros elementos de prova demonstrem a posse ininterrupta do bem sem qualquer impugnação, aplicando-se ao procedimento de usucapião extrajudicial, por analogia, o item 309.5 e seguintes do Cap. XX das NSCGJ. Tal aplicação, contudo, não pode ser generalizada. Deve se dar especial atenção aos elementos concretos de cada pedido de usucapião, em especial àqueles cujas obrigações de compromisso de compra e venda e cessões de direito se deram há muito tempo, em que se presuma já haver o falecimento dos titulares de direitos sobre o bem, inviabilizando tanto a obtenção do comprovante de quitação quanto sua notificação ou de terceiros. Por tal razão o efeito normativo requerido não pode ser concedido, dependendo de sedimentação da jurisprudência neste sentido, em especial com manifestação da E. CGJ para que haja uniformidade de entendimento em todo o estado, e não apenas nesta Capital. Ainda, tratando-se de flexibilização da previsão expressa do Art. 216-A, §2º da Lei 6.015/73, o alcance de tal dispensa deve ser limitado aos titulares de direito de compromisso de compra e venda e demais cessões de direitos existentes no registro imobiliário, não sendo possível a dispensa de notificação do titular de domínio. Isso porque, tratando-se a usucapião de método de aquisição de propriedade (e consequente perda pelo antigo titular), mostra-se temerária sua concessão sem qualquer participação do titular de domínio no procedimento. Tal entendimento já foi adotado por este juízo no Proc. 1134486-66.2018.8.26.0100. Tal exigência quanto aos demais titulares de direitos, contudo, pode ser afastado por meio das certidões do distribuidor, novamente atentando-se às peculiaridades do caso concreto, já que estes não são proprietários do imóvel (cujo direito é protegido de forma ampla pela Constituição), mas meros titulares de direitos de aquisição que os cederam, muitas vezes em cadeia de cessões, até que se culmine no requerente da usucapião. Em resumo: sendo a usucapião meio de regularização fundiária, deve tal instituto ser facilitado ao máximo, porém dentro dos limites legais. Destarte, considerando-se as peculiaridades de cada caso concreto, possível a aplicação analógica do item 309.5 do Cap. XX das NSCGJ, entendendo-se como prova de quitação dos compromissos e cessões de direito intermediários existentes no registro do imóvel a juntada de certidões negativas do distribuidor, com exceção do titular de domínio, que deve sempre ser notificado, a menos que preenchidos os requisitos do Art. 13 do Prov. 65/17 do CNJ. Aplicando-se tal entendimento à presente dúvida, fica mantida a exigência de notificação apenas dos titulares de domínio Abilio Ribeiro de Barros e Maria Baldini de Barros ou seus herdeiros/sucessores, já que os demais direitos existentes na inscrição imobiliária venceram todos na década de 1960, juntando-se certidão negativa de distribuição comprovando a inexistência de lide sobre as referidas obrigações. Ainda, devem ser notificados os entes públicos e síndico do edifício, já que não há previsão legal e tampouco requerimento para dispensa. Pontuo que a notificação dos titulares poderá se dar por edital acaso comprovada a impossibilidade de serem encontrados os titulares e herdeiros. Neste sentido, já decidi no Proc. 1094787-68.2018.8.26.0100: “Destarte, falecidos os proprietários, são os herdeiros aqueles que devem ser notificados, sendo ônus do requerente apresentar ao registrador meios hábeis a demonstrar quem são estes herdeiros e como podem ser encontrados, permitindo-se a citação por edital somente quando seja comprovado que foram empregados todos os esforços possíveis para localização destes, com resultados infrutíferos.” Finalmente, fica dispensada a citação da fideicomissária Associação da Igreja Metodista – Paróquia Central, uma vez que comprovado que a requerente Associação da Igreja Metodista é sua sucessora. Destaco que a análise dos demais requisitos necessários a concessão do pedido deverá ser oportunamente analisada pelo Oficial, tendo a presente dúvida apenas afastado a necessidade das notificações, nos termos acima. Do exposto, julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento da Associação da Igreja Metodista, afastando a necessidade de citação de titulares de direitos sobre o bem, mas mantendo a exigência quanto aos titulares de domínio, entes públicos e síndico do edifício. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. – ADV: WANDERLEY EDUARDO NOGUEIRA (OAB 380601/SP)

Fonte: Portal do RI