CGJ-TJPE. AVERBAÇÃO DE ÁREA DE TERRENO PARTE DE MARINHA. COMPETÊNCIA DA SPU.

Procedimento Preliminar Prévio nº 200/2018 – CGJ
Tramitação nº 382/2018
Reclamante: Aldo Henrique Wassermann
Reclamado: Cartório do 1º Ofício de Imóveis do Recife

EMENTA: RECLAMAÇÃO. CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO DE IMÓVEIS DO RECIFE. AVERBAÇÃO DA ÁREA DE TERRENO SER PARTE DE MARINHA. NÃO HÁ INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. COMPETÊNCIA DA SPU.

Procedimento Preliminar Prévio proposto por Aldo Henrique Wassermann em face do Titular do Cartório do 1º Ofício de Imóveis do Recife. De forma sucinta, alega:

Em datas de 18/05/1993 e 30/05/1995, a Secretaria do Patrimônio da União encaminhou Ofícios ao Cartório do 1º Ofício de Imóveis do Recife, determinando que fosse inserida uma anotação de inscrição de “Domínio da União” ou, terreno ser parte de marinha os imóveis que sempre foram próprios.esses citados documentos foram entregues ao Cartório de imóveis, sem o acompanhamento dos documentos necessários, a saber:

planta de demarcação da área declarada como “de Marinha”, informando apenas as dimensões, deixando dúvidas sobre o posicionamento dessas áreas, ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, comprovante de pagamento do registro da ART no CREA/PE.
A descrição das medidas das áreas “de Marinha” em desacordo com as dimensões reais dos lotes que podem ser aferidos nos locais e também no que se vê nos livros de registro do Cartório.

Ao termo, indaga:

1) Os terrenos possuem duas frentes, uma para a Rua Setúbal, e outra para a Rua Visconde de Jequitinhonha, tendo 12,5 mts de largura e 56,00 mts de comprimento. Se o proprietário decidisse desmembrar um lote 50% e 50% para a construção de duas casas, uma de frente para cada uma dessas ruas, qual casa ficaria em “terreno de Marinha” e qual ficaria em terreno próprio, se a Secretaria do Patrimônio da União não apresentou as plantas de demarcação?

Instada a se manifestar, a Oficiala do Cartório destacou que:

os requerimentos para alteração da natureza do imóvel advieram da proprietária Construtora Maranhão Ltda.

inexistiu determinação da SPU para a mudança da natureza jurídica dos terrenos, limitando-se a expedir certidões narrativas que instruíram os requerimentos da proprietária.

Não houve solicitação por parte da Construtora de demarcação da área de Marinha, razão pela qual aquela Serventia, em obediência ao princípio da instância, não fez a exigência da respectiva Planta.

É o breve relatório.

Passo a opinar.

Tem razão o Cartório reclamado. O caso em tela versa sobre os imóveis de nº 740 e 754 da Rua Setúbal, matriculados no 1º Ofício de Imóveis sob os nº 50.382 e 53.254, tendo este último sofrido desmembramento, averbado sob a designação AV-4-53.254, donde fez gerar a matrícula 67.178.

Na matrícula de nº. 50.382, houve a seguinte averbação:

“ AV-10-50.382: – PELO Requerimento firmado em 24 de abril de 1995, a CONSTRUTORA MARANHÃO LTDA., com sede a Av. Montevideu, nº 145, na Boa Vista, nesta cidade, inscrita no CGC nº 11.019.270/0001-60, legalmente representada, solicitou averbação da demolição da casa nº 740, da rua Setúbal, em Boa Viagem, freguesia de Afogados, nesta cidade, constante da matrícula supra, bem como averbação da mudança da natureza jurídica do aludido terreno, que de acordo com o novo traçado da linha de Preamar Média de 1831, aprovada em 25/10/1960, passou a ser parte de marinha sob o regime de ocupação com preferência ao aforamento. Documentos arquivados: – o citado requerimento, juntamente com a Certidão Narrativa expedida pela PCR, CND de nº 269373, série F, expedida pelo INSS e Certidão narrativa expedida pela DSPU – PE, em 30/05/1995 […]”

Doutra banda, na matrícula de nº 53.254, sob a designação AV – 5 – 53.254, consta:

“PELO requerimento firmado em 23 de maio de 1995, a CONSTRUTORA MARANHÃO LTDA, com sede na Av. Montevidéu, nº 145, na Boa Vista, nesta cidade, inscrita no CGC nº 11.019.270/0001-60, no ato legalmente representada, solicitou as seguintes averbações: […] 2) da natureza jurídica do terreno identificado como lote 22-A, beneficiado com o prédio 754 da Rua Setubal, a que alude a matrícula supra, o qual de acordo com o traçado da linha de preamar média de 1831, aprovada e, 25/10/1960, passou ser considerado parte própria e parte de marinha (sob regime de ocupação). DOCUMENTOS ARQUIVADOS: o citado requerimento, juntamente com a fotocopia autenticada da Certidão de Casamento, e Certidão expedida pela SPU-PE, em 30/05/95. […]”

Ainda, na qualificação do imóvel matriculado sob o nº 67.178, discriminou-se que se tratava de “ área de terreno parte própria e parte de marinha (sob regime de ocupação) remanescente do lote de terreno nº 22-A, onde existiu a casa nº 754 situada na rua Setubal ”.

Também, às fls. 26 e 29, datados de 24/04/1995 e 23/05/1995, constam os requerimentos da Construtora proprietária para alteração da natureza do imóvel, instruído das Certidões Narrativas da SPU nº 387/95 e 388/95 (fls. 27 e 30 respectivamente).

Como se vê, diferente do alegado, o petitório para averbação de “ser parte terreno de marinha, parte terreno próprio”, não adveio da Secretaria do Patrimônio da União, mas dos titulares do domínio útil, que anexaram a Certidão Narrativa expedida pela SPU atestando tal situação.

É cediço que a Constituição da República, no título da Organização dos Estados, designou que os terrenos de marinha são considerados bens da União, referente aos quais, nos termos do Decreto-lei 9760/46, competem à Secretaria do Patrimônio da União determinar a posição da linha demarcatória. Nessa esteira, o Decreto Federal de nº 9.745/2019, prevê que compete à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União administrar o patrimônio imobiliário da União e zelar por sua conservação, bem como lavrar, com força de escritura pública, os contratos de aquisição, alienação, locação, arrendamento, aforamento, cessão e demais atos relativos a imóveis da União e providenciar os registros e as averbações junto aos cartórios competentes (art. 102, I e III).

Além disso, o Código de Normas de Pernambuco prevê:

“ Art. 1.238. A regularização dos imóveis da união junto aos órgãos municipais e Ofícios de Registro de Imóveis será promovida pela Secretaria do patrimônio da união – SPU e pela procuradoria – Geral da Fazenda Nacional – PGFN, com o concurso, sempre que necessário, da Caixa Econômica Federal – CEF.

Art. 1.239. Concluído o processo de identificação e demarcação de terras de domínio da união, a Secretaria do patrimônio da união – SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da união. Parágrafo único. O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiro teor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam a correta caracterização do imóvel, será registrado no Ofício de Registro de Imóveis”.

Assim, não compete à Serventia de Registro de Imóveis exigir do proprietário planta ou outros documentos para identificar geograficamente a parte do terreno que diz respeito ao terreno de Marinha. Tal obrigação, pela exegese dos dispositivos epigrafados, remonta à Secretaria do Patrimônio da União. Isto é, cabe à SPU informar aos Registros de Imóveis os terrenos que são de marinha – bem como suas medidas precisas – para fins de averbação nas respectivas matrículas.

Impende registrar, ademais, o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o título de propriedade do particular não é oponível à União, pois os terrenos de marinha são de titularidade originária do ente Federal, na esteira do
que dispõem a Constituição da República e o Decreto-lei n. 9.760/46 (súmula 496 STJ). Em outras palavras, quando se tratar de terrenos de marinha, resta uníssono que o verdadeiro proprietário é a União e o particular se impõe ao imóvel sob regime de ocupação. Portanto, há umaespecificidade que o diferencia dos casos de propriedade particular, já que o fundamento da propriedade da União está na Carta Magna; não
na certidão cartorária.

Doutro lado, a diferença de medidas percebidas pelo Reclamante na Certidão Narrativa da SPU para as dimensões que figuram na descrição do imóvel perante a Serventia se explica pelo fato de que a certidão da SPU discrimina apenas a área do terreno de marinha, com base no traçado da linha de preamar média de 1831, calculada segundo o processo de nº 2389-A/60, ao passo que a matrícula do cartório registra a metragem do imóvel. Ora, o imóvel é parte de marinha e parte próprio, razão pela qual ordinariamente tais medidas não podem ser iguais, visto que se pressupõe que a área do imóvel é maior que a pertencente à União.

Por derradeiro, vê-se que a largura registrada pela SPU (13,5m) desborda a da matrícula (12,5m), o que a princípio soa inconcebível. Porém esta incongruência deve ser levantada junto à SPU, não ao cartório. O Cartório tão somente designou a natureza mista do imóvel – parte próprio, parte de marinha.

Por esta razão, até que isto seja solucionado perante a Secretaria do Patrimônio da União, futuros
desmembramentos devem registrar dita natureza.

Mercê do exposto, não visualizando indícios de irregularidades, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo arquivamento da presente reclamação, tendo em vista os fundamentos acima especificados.

Sob censura.

Recife, 08 de agosto de 2019.

Juiz Carlos Damião Lessa
Corregedor Auxiliar do Extrajudicial da Capital

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