ARTIGO: O que o Provimento 94 do CNJ muda nos registros de imóveis – Bernardo Chezzi

Foi publicado no último dia 22 de março o Provimento 94 do CNJ, que trata de várias regras para os cartórios de imóveis durante o período da pandemia causada pela Covid-19.

Se o objetivo era regular o serviço mínimo e essencial dos registros de imóveis à população, o provimento vai além, desburocratizando o registro imobiliário e implementando mudanças que talvez já fossem anseio de toda e qualquer sociedade inteligente, em tempos de conectividade, interatividade e compartilhamento de funções, espaços, bens, valores e ideias.

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ARTIGO: Testamentos em época de coronavírus – Por Andrea Melo de Carvalho

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde classificou a doença pelo doronavírus 2019 (covid-19), causada pelo vírus SARS-CoV-2, como pandemia.

     O vírus, originalmente surgido na China e que se espalhou pelo mundo numa velocidade extremamente alta, já chegou ao Brasil. O primeiro caso que se teve notícias foi em dezembro de 2019 em Wuhan, capital da província de Hubei, na China.

     Em março já atingiu o Brasil tendo a primeira morte registrada em 17/3/2020, na cidade de São Paulo. Em 20/3/2020 foi iniciado um isolamento da população brasileira com o objetivo de controlar a disseminação da doença, transmissível por gotículas emanadas da pessoa doente (que muitas vezes está assintomática) e cuja letalidade afeta principalmente idosos, cardiopatas, pessoas com diabetes e com doenças autoimunes. Em alguns países, como se pode citar o caso da Itália, o isolamento foi tardio, fazendo com que o número de mortes, num espaço de tempo muito reduzido, fosse enorme. Como resultado, corpos se espalham em igrejas e, por conta da transmissibilidade, velórios foram proibidos, não havendo por parte dos parentes, qualquer despedida. Há relatos de pessoas em quarentena dentro de hotéis, onde acompanhantes de quartos falecem e ficam vários dias até que alguém venha pegar o corpo para enterrar. Tais situações causam grande tristeza e, também, muito medo em países onde o vírus ainda não se espalhou com tamanha proporção.

     Através do isolamento, por enquanto, o Brasil vem controlando os casos confirmados da doença e, via de consequência, o número de mortes. Mas, em havendo estas (cujos números sobem a cada dia), surge para o Direito Sucessório alguns pontos a serem considerados, dentre eles, a liberdade testamentária em situação de isolamento social e de suspensão de alguns serviços, como o cartorário.

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ARTIGO – Questões polêmicas do Provimento nº 88/2019 do CNJ

1. Em que sentido os usuários do serviço notarial e registral são “clientes”?

Superada é a discussão sobre a incidência do CDC nas relações entre delegatários e os usuários de seus serviços, pelo entendimento pacificado da Cortes Superiores (RE 178236/STF; Resp. 625.144/ STJ). A doutrina também afirma que “O serviço registrário, sendo em maior parte compulsório e sempre de predominante interesse geral, não se confunde com as condições próprias do contrato de consumo“1.

Em suma, a relação entre o delegatário e o usuário do serviço não é de clientela porque não é contratual, mas formada pelo caráter de autoridade, reconhecida como o poder certificante e pela fé pública – ambos exercícios de parcela de autoridade do Estado.

Mesmo assim, a redação do art. 4º do Provimento 88, na medida em que utiliza a expressão “cliente”, pode dar azo a más interpretações. Todavia, por vários motivos, essa previsão não pode afetar a natureza das relações entre delegatários e usuários de seus serviços. 

Em primeiro lugar, porque caput do art. 4º, ao utilizar expressão “para fins desse provimento”, restringe o campo de incidência do conceito legal. Nesse sentido, “cliente” é um dos termos “didáticos” que o Provimento 88 utiliza para “fixar conceitos que serão empregados ao longo da normativa”2.

Em segundo, porque a hermenêutica jurídica determina a interpretação das normas administrativas em conformidade com as leis em sentido estrito, não o contrário; assim, se o ordenamento prevê determinada natureza para a relação jurídica delegatário-usuário, ela não poderia ser alterada por normas infralegais.

Em terceiro, porque o CNJ simplesmente utilizou o termo “cliente” por adotar nomenclatura prevista nas Recomendações do GAFI, na Lei de Lavagem de Dinheiro e demais regulamentações.

Dessa forma, é preciso deixar claro: por mais que cause estranheza, não há possibilidade de que a designação dos usuários como “clientes” desvirtue a natureza não contratual e não consumerista das relações delegatário-usuário.

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ARTIGO – O CORONAVÍRUS E OS CONTRATOS. EXTINÇÃO, REVISÃO E CONSERVAÇÃO. BOA-FÉ, BOM SENSO E SOLIDARIEDADE

Flávio Tartuce[1]

O novo coronavírus − tecnicamente chamado de Covid-19 − transformou-se em uma pandemia de repercussões inimagináveis para todos, atingindo em cheio os contratos e demais negócios jurídicos. Desde o surgimento do vírus no Brasil, muito já se produziu a respeito das repercussões contratuais, destacando-se, de imediato, os textos publicados nesta coluna Migalhas Contratuais, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Por certo é que não só nos momentos de aguda crise, mas também depois que ela passar, enormes são e serão os desafios a superar no enfrentamento das questões contratuais.

Junto-me, assim, a outros juristas que já enfrentaram o difícil tema, caso de Carlos Eduardo Elias de Oliveira, Aline Valverde, Anderson Schreiber, Rodrigo da Guia, Eduardo Nunes e Carlos Eduardo Pianovski. Neste meu breve estudo, procurarei demonstrar, em termos gerais, os grandes dilemas que dizem respeito à extinção, revisão ou conservação das avenças. O texto está dividido em cinco partes, de forma bem didática.

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ARTIGO – Coronavírus: limitações ao uso de áreas comuns no âmbito do condomínio edilício

Rodrigo Toscano de Brito*

Sumário: 1. Notas introdutórias; 2. Natureza assemblear das deliberações condominiais; 3. Questões condominiais controvertidas em cace dos atos de prevenção do coronavírus; 4. Notas conclusivas.

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

Diante do número expressivo de informações que estamos recebendo sobre o Coronavírus (COVID 19), já sabemos que os efeitos do ponto de vista da saúde, economia, relacionamento social são muitos e indiscutíveis. Mas, além de impactar as questões aqui já mencionadas, há também consequências de natureza jurídica das mais diversas matizes.

Um desses aspectos que já levantou discussão relevante, diz respeito às medidas que podem ou devem ser tomadas no âmbito dos condomínios edilícios quanto à prevenção da contaminação pelo vírus, notadamente numa fase em que as pessoas se utilizarão dessas áreas para se manter ativo, praticando exercício, entre outras atitudes que serão relevantes para a saúde mental, que não pode ser simplesmente ignorada nessa fase.

Diante dos questionamentos já surgidos, algumas perguntas têm respostas mais polêmicas – não se pode negar –, outras parecem mais simples.

Antes de tudo, cabe um breve olhar sobre os elementos do conceito de condomínio edilício, que encontramos no Código Civil brasileiro. Conforme previsto no art. 1.331, “pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”.

Eis aqui um ponto que inicialmente merece nossa especial atenção. É que a unidade autônoma (apartamento, sala, loja, sobreloja, etc.) é considerada propriedade exclusiva e o proprietário ou pessoa por ele autorizada (locatários, comodatários) tem direito de acessar a unidade autônoma, o que ocorre, normalmente, pelas áreas comuns da edificação.

Por outro lado, a unidade autônoma é parte inseparável das áreas comuns do prédio, por determinação legal, conforme se vê no § 3º, do citado art. 1.331, ao prever: “a cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio”.

Portanto, um dos elementos mais importantes e típicos do conceito de condomínio edilício é a união entre a propriedade exclusiva (apartamento, sala, loja) com a propriedade condominial. São elementos inseparáveis e, por consequência, importante na análise aqui feita.

Como visto, o proprietário da unidade imobiliária, também o é das áreas comuns na proporção prevista na instituição condominial. Tanto assim que, o art. 1.335, do Código Civil, assegura que são direitos do condômino, usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; e, ainda, usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores.

2. NATUREZA ASSEMBLEAR DAS DELIBERAÇÕES CONDOMINIAIS

O condomínio edilício não é administrado pelo síndico, isoladamente. Isso porque o condomínio deve obedecer às normativas advindas da assembleia de condôminos, como regra geral. As decisões no âmbito do condomínio edilício é, portanto, assemblear. Dependem da assembleia de condôminos. O síndico executa as determinações da assembleia, e deve seguir as regras de convocação previstas na convenção do condomínio ou, na sua falta, na lei civil.

Diz-se isso para deixar esclarecido que o síndico, não pode, por si só, determinar atos que não estejam previstos nas deliberações assembleares, nem na convenção. De toda forma, é importante ressalvar que cada caso deve ser analisado à luz da convenção específica, especialmente no capítulo que versa sobre as atribuições do síndico, embora existam regras gerais que devem ser observadas.

Diante desses aspectos e das questões relativas à pandemia de Coronavírus, os síndicos, ainda que estejam agindo de boa-fé e com espírito comunitário ao proibir o uso e fruição de determinadas áreas comuns, haverão de observar as regras gerais dispostas na lei civil. Uma delas é a convocação de assembleia geral extraordinária, de caráter emergencial, diante das questões especiais que envolvem à prevenção de contaminação do coronavírus, para que a assembleia possa deliberar quais medidas de proteção à saúde dos moradores devem ser tomadas pelo condomínio.

Parece-nos que o síndico só estaria desobrigado desta convocação, se a questão envolver a necessidade de decisão com alto grau de urgência. Caso contrário, ainda que de maneira excepcional, é obrigado a convocar a assembleia, podendo, em razão da necessidade de decisão urgente, desconsiderar regras relativas à prazo mínimo de convocação (que depois podem ser referendados em assembleia) e utilizar-se de meios eletrônicos para tanto, como aplicativos de mensagens e e-mails, mas sempre dando prioridade à natureza assemblear das decisões no âmbito do condomínio edilício, sob pena de nulidade de suas deliberações.

De igual modo, em razão da proibição pública de aglomerações e reuniões, conforme for a quantidade de moradores, também deve realizar a assembleia, utilizando-se de mecanismos eletrônicos de reunião, hoje de facílimo acesso, tais como Whatsapp, Zoom, Skype, etc. Observem que tudo isso se afirma considerando situações extremas, até porque em muitas localidades brasileiras, ainda é possível realizar as reuniões conforme estabelecido na convenção, tendo em vista que sequer há casos notificados de infecção pelo COVID 19. Mesmo assim, por cautela e em razão da urgência eventual, é possível a realização de reuniões por meios eletrônicos, com a ressalva da excepcionalidade da forma, depois referendados durante a reunião.

3. QUESTÕES CONDOMINIAIS CONTROVERTIDAS EM FACE DOS ATOS DE PREVENÇÃO DO CORONAVÍRUS

Inegavelmente, ainda que seja convocada a assembleia e ali sejam regularmente tomadas decisões de interesse do condomínio, podem surgir questões de difícil solução.

Uma dessas questões é a seguinte: a assembleia pode proibir, por exemplo, que o condômino médico, dentista, enfermeiro, que, conforme a especialidade, estejam no grupo de risco profissional alto, acesse sua unidade utilizando-se do elevador e das demais áreas comuns do prédio?

É importante relembrar, conforme já dito acima, que todas as partes comuns do prédio também pertencem ao proprietário da unidade. Nesse sentido, no caso do uso do elevador, o condômino que eventualmente seja profissional da área de saúde, assim como qualquer outro co-proprietário, tem assegurado seu direito de uso. Nesse sentido, não se pode proibir que o condômino-médico transite pelas áreas comuns do prédio que dão acesso ao elevador, partindo do portão ou garagem, porque, igualmente, as áreas de acesso comum também pertencem àquele proprietário.

De fato, não pode haver proibição de uso do elevador e das áreas que a ele dão acesso. É direito do proprietário acessar sua unidade, sobretudo a unidade de moradia, pelos meios disponíveis no prédio, não havendo, legalidade, nem razoabilidade, em obrigar um condômino-médico, de 65 anos, por exemplo, a acessar sua unidade no trigésimo andar pelas escadas, todos os dias, ao sair e voltar para exercer sua atividade profissional essencial para a sociedade.

Veja que a questão aqui trazida dizia respeito ao uso do elevador e das áreas comuns de acesso à unidade. Portanto, tema que perpassa também pelo direito fundamental à moradia.

Mas, o assunto pode ganhar contornos ainda mais polêmicos. Um deles é o seguinte: pode o condomínio proibir o uso da piscina, academia, quadras esportivas, salão de festas, espaço “kids”, salas de cinemas, entre outras áreas comuns dessa natureza durante o período de “quarentena”?

Apesar de compreender que estamos diante de um tema polêmico, pensamos que a resposta é negativa. Não pode haver proibição absoluta do uso dessas áreas comuns, pelos mesmos motivos aqui já expostos. São áreas que também pertencem ao próprio condômino que deseja usá-la.

A par de todas as assertivas mencionadas, no sentido de que as áreas condominiais podem ser usadas por qualquer proprietário, não se pode negar que a assembleia pode criar limitações ao direito de propriedade condominial, sobretudo para resguardar o direito à saúde dos demais condôminos. No caso, a fim de evitar que haja propagação do vírus, especialmente neste momento em que se precisa evitar, coletivamente, que a “curva de infecção” cresça a curto prazo.

De fato, em razão da necessidade de manutenção da saúde pública que, neste caso, deve começar dentro dos próprios condomínios, não é possível proibir de modo absoluto o uso das áreas comuns, mas é possível criar limitações ao uso, em atenção ao direito à saúde da coletividade dos moradores.

Assim, é possível que a assembleia determine que cada condômino, especialmente os que estarão em serviços de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas), façam uso do elevador sozinho, sem que nenhum outro morador esteja compartilhando o espaço do transporte no condomínio.

Quanto às áreas comuns de uso não essencial, tais como, a piscina, a churrasqueira, o salão de festas, ditos espaços podem sofrer limitação excepcional durante o período em que devemos evitar contato em grupo, estabelecendo, por exemplo, horários de reserva de uso individual por parte do condômino ou para uso do seu núcleo familiar, com quem já convive em sua unidade.

Nessa mesma linha de raciocínio, o uso da academia não pode ser absolutamente proibido, mas pode ser limitado, por exemplo, a um morador por vez, em horários diferentes, previamente agendados e reservados, com a obrigação imposta ao morador, de comunicar ao condomínio o fim do período de uso para que haja uma limpeza específica da área, com o fito de evitar a contaminação dos objetos usados e por em risco a saúde dos demais moradores.

Questão ainda mais complexa pode surgir quanto à possibilidade de realização de festas e recepções no ambiente condominial e uso da piscina. Aqui a ponderação entre os direitos fundamentais de propriedade e à saúde da coletividade são relevantes.

É sabido que a aglomeração em festas ou reuniões com grande concentração de pessoas durante o período de quarentena põe em risco a saúde da coletividade de modo mais explícito, considerando que os números demonstram que a aglomeração de pessoas foi fator facilitador da propagação do vírus até agora. Nessa ponderação, é possível a proibição de festas nas áreas comuns e na própria unidade autônoma, considerando que a festa aumenta o fluxo de pessoas no ambiente condominial.

O uso da piscina é também um aspecto que pode levar a decisões polêmicas por parte do condomínio. Abstraindo-se aqui do aspecto científico de ser ou não possível a transmissão do vírus pelo simples uso da piscina, ainda que isoladamente, pensamos que a solução pode ser a mesma sugerida para outros equipamentos de uso comum, salvo a hipótese de comprovação de que dito uso, ainda que não simultâneo, facilita a transmissão do COVID 19. Vale dizer, é possível o uso individual, com hora marcada e reservada, afastando de riscos de contaminação os demais condôminos. Por outro lado, o uso simultâneo da piscina, por parte de vários condôminos ou convidados, inclusive para realização de festas, nas circunstâncias pelas quais passamos em razão do COVID 19, pode ser proibido, pelas mesmas razões referidas para a utilização do salão de festas.

Para qualquer desses atos de proibição ou limitação, a assembleia deve ser convocada para deliberar sobre o assunto, criando as limitações específicas ao direito de propriedade condominial, em face da prevenção de contaminação do COVID 19.

Todas as observações aqui referidas, também se aplicam aos casos de condomínios de lotes, que não podem proibir o uso das áreas comuns, por ser um dos elementos essenciais ao direito de propriedade do condômino, mas pode criar limitações excepcionais ao uso da propriedade condominial, e proibir aglomerações de pessoas no ambiente condominial.

Por outro lado, é importante observar que, nas hipóteses em que haja associações de moradores em “condomínio fechado de casas” ou “condomínio fechado de lotes”, que não foram constituídos na forma da prevista na Lei 13.465/17, não se aplica o mesmo raciocínio aqui desenvolvido. Nesses casos, em regra, a propriedade das áreas “comuns” dos empreendimentos não têm a mesma características das áreas condominiais edilícias, por não ser, a rigor, condomínio de lotes, na forma prevista na lei. Assim, há de se observar o estatuto da respectiva associação de moradores, nada impedindo que seja convocada assembleia especifica, na forma ali prevista, para decidir sobre as questões aqui mencionadas.

4. NOTAS CONCLUSIVAS

O tema aqui enfrentado é polêmico em razão do trânsito necessários por vários pontos relacionados ao conflito de direito fundamentais como a vida, a saúde, a propriedade, a liberdade, de forma que não resta dúvida, que qualquer decisão que se chegue no âmbito do condomínio, dependerá também de análise tópica e concreta. De toda forma, considerando as observações feitas ao longo do texto, é possível chegarmos às seguintes conclusões:

a) As decisões no âmbito do condomínio edilício dependem de assembleia condominial para tratar das limitações impostas ao uso da propriedade no período de recolhimento para prevenção do coronavírus. O síndico executa as determinações da assembleia, e deve seguir as regras de convocação previstas na convenção do condomínio ou, na sua falta, na lei civil. Não pode, por si só, determinar atos que não estejam previstos nas deliberações assembleares, nem na convenção, salvo em hipóteses excepcionais, para evitar dano iminente à comunidade de moradores;

b) É necessária a convocação de assembleia geral extraordinária, de caráter emergencial, diante das questões especiais que envolvem a prevenção de contaminação do coronavírus, para que a assembleia possa deliberar quais medidas de proteção à saúde dos moradores devem ser tomadas pelo condomínio;

c) Os condôminos podem, com a ressalva da excepcionalidade da forma, realizar a assembleia, utilizando-se de mecanismos eletrônicos de reunião, hoje de facílimo acesso, tais como Whatsapp, Zoom, Skype, etc.;

d) O condômino que eventualmente seja profissional da área de saúde, assim como qualquer outro co-proprietário, tem assegurado seu direito de uso da áreas comuns. Não se pode proibir que o condômino-médico, por exemplo, transite pelas áreas comuns do prédio que dão acesso ao elevador, partindo do portão ou garagem. É direito do proprietário acessar sua unidade, sobretudo a unidade de moradia, pelos meios disponíveis no prédio, incluindo o elevador;

e) Apesar da afirmação no sentido de que as áreas condominiais podem ser usadas por qualquer proprietário, não se pode negar que a assembleia pode criar limitações ao direito de propriedade condominial, sobretudo para resguardar o direito à saúde dos demais condôminos. No caso, a fim de evitar que haja propagação do vírus, especialmente neste momento em que se precisa evitar, coletivamente, que a “curva de infecção” cresça a curto prazo;

f) É possível que a assembleia determine que cada condômino, especialmente os que estarão em serviços de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas), façam uso do elevador sozinho, sem que nenhum outro morador esteja compartilhando o espaço do transporte no condomínio. Quanto às áreas comuns de uso não essencial, tais como, a piscina, a churrasqueira, o salão de festas, ditos espaços podem sofrer limitação excepcional durante o período em que devemos evitar contato em grupo de pessoas, estabelecendo, por exemplo, horários de reserva de uso individual por parte do condômino ou para uso do seu núcleo familiar, com quem já convive em sua unidade;

g) É possível a proibição de festas nas áreas comuns e na própria unidade autônoma, considerando que a festa aumenta o fluxo de pessoas no ambiente condominial, e, por consequência, a chance de contaminação entre condôminos;

h) Pelo menos considerando o estágio atual de restrição geral da sociedade imposta pelo poder público, é possível o uso individual das áreas comuns do prédio, com hora marcada e reservada, afastando de riscos de contaminação os demais condôminos, salvo a hipótese de comprovação de que dito uso, ainda que não simultâneo, seja de alto rico para a transmissão do COVID 19; e,

i) Todos os pontos aqui suscitados, também se aplicam aos casos de condomínios de lotes, que não podem proibir o uso das áreas comuns, por ser um dos elementos essenciais ao direito de propriedade do condômino, mas pode criar limitações excepcionais ao uso da propriedade condominial, e proibir aglomerações de pessoas no ambiente condominial.

Por último, é importante destacar que os assuntos relacionados à prevenção do CONVID 19 devem ser levados muito a sério por toda a sociedade, devendo cada um tomar seus cuidados preventivos. Diante das consequências econômicas que já vemos, resta claro que não se trata de um assunto simples.

*Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Civil da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e da UNIESP, nos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado.

FONTE: direitocivilbrasileiro.jusbrasil.com.br

ARTIGO – O Coronavírus, a quebra antecipada não culposa de contratos e a revisão contratual: o teste da vontade presumível

Carlos E. Elias de Oliveira*

EMENTA

  1. O texto defende a possibilidade de quebra antecipada não culposa de contratos por conta do ambiente excepcional de transtorno causado pela pandemia do coronavírus. Advoga, porém, que se deve preferir a revisão contratual, se tal for viável sem grandes prejuízos às partes, tudo em nome do princípio da conservação do negócio jurídico. Excepciona hipóteses de contratos com cláusula contratual bem específica em contrário ou de contratos aleatórios que inclua as contingências próprias dessa epidemia dentro da sua zona de risco.
  2. Para tanto, o texto trata das exceções de pré-vencimento (exceção de inseguridade e quebra antecipada do contrato), das regras legais e voluntárias de interpretação e de integração (à luz das alterações feitas pela Lei da Liberdade Econômica) e do teste de vontade presumível. Aponta, ainda, como vias alternativas, a teoria da imprevisão e a teoria da perda da base do negócio jurídico.

1.      Introdução

Este pequeno artigo se destina a responder a esta pergunta: são lícitos ou não o rompimento antecipado de contratos ou a alteração das suas condições (revisão contratual) em razão dos transtornos causados no Brasil pela pandemia do coronavírus?

Nessa questão, remete-se não a apenas a contratos feitos com consumidores (como contratos de viagens), mas também a contratos não regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

2.      Contexto fático de transtornos causados pelo coronavírus

Março de 2020.

Os Estados Unidos fecharam as fronteiras para voos procedentes da Europa[1].

A Itália relembra, “na própria pele”, uma das maiores tragédias de sua história, ocorrida no ano 79 d.C.: a erupção do vulcão Vesúvio, que dizimou a cidade de Pompeia. A cena é desoladora: excessos de corpos para ser enterrados[2], superlotação de hospitais[3], corpos já sem a alma abandonados em uma casa com a esperança de, um dia, ser honrado na famosa cerimônia do último adeus[4].

Os cidadãos de vários países devoram as gôndolas dos supermercados para fazer estocagem de alimentos, como que a se preparar para o Apocalipse.

Inúmeros outros países impõem medidas de controle de entrada e saída de pessoas, de confinamento obrigatório (“quarentena”) e de suspensão de atividades que conglomeram pessoas.

O coronavírus, cuja estreia aterrorizadora ocorreu na cidade chinesa de Wuhan, está cavalgando nas asas do vento para perturbar a tranquilidade de todas nações do Planeta.

Apesar de se tratar de um antígeno com pouco índice de mortalidade (alguns debocham chamando-o de uma simples gripe) e com maior ameaça a idosos, a velocidade de contágio do coronavírus é incrível, criando uma demanda por assistência hospitalar além da capacidade dos governos. Grande parte das mortes se deve à falta de infraestrutura para satisfazer a abrupta demanda.

No Brasil, o cenário não é tão diferente.

Em 16 de março de 2020, já há a confirmação de 200 contaminações[5].

No Estado de Rio de Janeiro, estima-se que, se as pessoas não permanecerem em casa, haverá cerca de 24 mil casos de contaminação em apenas um mês[6]

Em vários Estados brasileiros, aulas foram suspensas, academias foram proibidas de funcionar, eventos foram cancelados etc[7].

Os impactos econômicos são inegáveis. A Bolsa de Valores passou por um verdadeiro banho de sangue, com o preço de várias ações despencando em queda livre. Restaurantes, shoppings e comércios estão esvaziados. A população se recolhe à sua casa e evita as ruas.

3.      Quebra antecipada de contrato sem culpa e as regras de interpretação e integração contratual

3.1.           Delimitação do problema

Diante do cenário de tragédia desenhado pelo coronavírus, inúmeros contratos perderam totalmente a utilidade para, ao menos, uma das partes.

Vários brasileiros, atendendo às recomendações estatais, preferem não sair de casa e inúmeros eventos são cancelados, o que, por exemplo, faz perder totalmente a utilidade de contratos que tenham sido firmados para viagens.

Com o brutal esfriamento da economia e do comércio, tornam-se absolutamente desinteressantes o início ou a expansão de vários tipos de novas atividades empresariais ou de novos investimentos, o que esvazia a utilidade de eventuais contratos de parceria.

Nesse ambiente, vamos à pergunta central deste pequeno artigo: a parte que perdeu a interesse no objeto do contrato por conta do ambiente tempestuoso causado pelo coronavírus pode ou não pedir a resolução ou a revisão do contrato?

A resposta, ao nosso aviso, é positiva, salvo se houver cláusula contratual bem específica em contrário ou se se tratar de um contrato aleatório que tenha os percalços de uma pandemia como abrangido pela álea.

Por conta dos limites deste artigo, seremos o mais breve possível na exposição dos conceitos teóricos pertinentes.

3.2.           Regras de interpretação e integração contratual

Todos os contratos, por serem obras humanas, são vulneráveis a ter lacunas. É humanamente impossível[8] ou, no mínimo, é totalmente impraticável prever, em cláusulas contratuais, todas as infinitas variações do casuísmo futuro. Se tal fosse possível, os contratos se instrumentalizariam em infindáveis calhamaços de folhas.

Por isso, o nosso ordenamento disponibiliza meios de interpretação e de integração de contratos, de modo a guiar o jurista na definição do alcance das cláusulas contratuais (interpretação) e no preenchimento de lacunas (integração).

As regras legais de interpretação são as que decorrem de lei e só podem ser utilizadas quando não houver regra voluntária de interpretação contratual em contrário. Em suma, elas estão nos incisos do § 1º do art. 113 do CC e no art. 112. Devem ser aplicadas cumulativamente e podem ser assim listadas[9]:

a) Regra do contra proferentem (art. 113, § 1º, IV): na dúvida, prevalece a interpretação favorável a quem não redigiu a cláusula contratual, ou seja, prevalece a interpretação contrária a quem a redigiu, ou seja, contrária a quem a proferiu (daí o nome doutrinário “regra do contra proferentem”).

b) Regra da vontade presumível (art. 113, § 1º, V): na dúvida, deve-se adotar a interpretação compatível com a vontade presumível das partes, levando em conta a racionalidade econômica, a coerência lógica com as demais cláusulas do negócio e o contexto da época (“informações disponíveis no momento” da celebração do contrato). Essa regra está conectada com o inciso II do art. 421-A do CC, que prevê o respeito à alocação de riscos definida pelas partes de um contrato.

c) Regra da confirmação posterior (art. 113, § 1º, I): a conduta das partes posteriormente ao contrato deve ser levada em conta como compatível com a interpretação adequada do negócio.

d) Regra da boa-fé e dos costumes (art. 113, § 1º, II e III): deve-se preferir a interpretação mais condizente com uma postura de boa-fé das partes e com os costumes relativos ao tipo de negócio.

e) Regra da primazia da intenção (art. 112): deve-se priorizar a intenção das partes em detrimento do sentido literal das palavras no momento da interpretação de um negócio jurídico.

As regras voluntárias de interpretação são as pactuadas pelas partes e, em princípio, devem prevalecer sobre as regras legais de interpretação por força dos arts. 113, § 2º, e 421-A, § 1º, CC. Por exemplo, poderiam as partes pactuar que, no caso de dúvida interpretativa, prevalecerá aquela mais lucrativa economicamente para uma das partes. Poderiam, até mesmo, num exemplo cerebrino, pactuar que, havendo dúvidas interpretativas, as partes decidirão com base na sorte (como por meio do jogo da “cara ou coroa”) a interpretação a prevalecer. Podem também estabelecer que deve prevalecer o sentido literal das palavras em detrimento da busca pela intenção das partes, tudo de modo a afastar a regra legal interpretativa da primazia da intenção prevista no art. 112 do CC.

Por outro lado, quando há lacuna no contrato, devemos nos valer de regras de integração, as quais podem ser divididas em duas espécies: as legais e as voluntárias.

As regras legais são as que decorrem de lei, são aplicadas apenas quando não houver critérios voluntários em sentido diverso e podem ser resumidas em duas hipóteses: (1) a aplicação das normas dispositivas ou cogentes[10]; ou, na sua falta, (2) a aplicação, por analogia e com adaptações, tanto dos meios de integração legal previstos no art. 4º da LINDB quanto das regras interpretativa da vontade presumível, da confirmação posterior e da boa-fé.

Explica-se.

Diante de uma lacuna contratual, se não houver normas dispositivas ou cogentes que a preencham, o caso é de aplicar, por analogia e com as devidas adaptações (mutatis mutandi), tanto os critérios de integração previstos para lacunas na lei (art. 4º, LINDB) quanto as supracitadas regras legais de interpretação contratual.

De um lado, os critérios de integração previstos para lacunas legais são a analogia, o costume e os princípios gerais de direito. Entretanto, na condição de método de integração contratual, esses critérios teriam de sofrer adaptações.

A analogia deve ser entendida como: (1) a utilização de uma ou mais cláusulas similares do mesmo contrato; ou, (2) no caso de inexistirem cláusulas contratuais análogas, a utilização de uma ou mais normas dispositivas ou cogentes similares.

O costume deve ser tomado como a aplicação da experiência prática habitual envolvendo a situação omissa no contrato. Deve-se observar qual é o costume na definição das regras em contratos similares na mesma região. Devem-se prestigiar contratos similares firmados entre as mesmas partes, se houver.

Os princípios gerais de direito devem ser considerados como a incidência das noções de justiça colhidas da história do Direito para preencher o vazio contratual[11].

Não há hierarquia absoluta entre esses três métodos integrativos. A hierarquia é relativa: embora preferencialmente deva-se seguir a ordem (analogia, costumes e princípios gerais de direito), ela pode ser flexibilizada no caso concreto em nome da vontade presumível das partes, da confirmação posterior, da boa-fé e a primazia da intenção das partes.

E há motivos para tanto. É que, no manuseio de um contrato, deve-se prestigiar a vontade, ainda que presumível, das partes, de maneira que, havendo omissão na redação contratual, deve-se buscar preferencialmente a solução em outras cláusulas contratuais similares (analogia). Em não havendo nada semelhante no texto contratual, deve-se recorrer aos fatos (costumes) ou, à falta destes, aos princípios gerais de direito. Essa ordem preferencial, porém, pode ser flexibilizada se tal for necessário para alinhar-se à vontade presumível das partes (racionalidade econômica, coerência lógica com cláusulas contratuais e contexto da época do contrato), ao comportamento adotado pelas partes posteriormente ao contrato, à boa-fé ou à primazia da intenção das partes.

As regras voluntárias de integração contratual são as decorrentes de pacto expresso das partes e devem ser aplicadas prioritariamente, afastando regras legais de integração em sentido diverso. De fato, nada impede que as próprias partes estabeleçam como será feito esse suprimento de lacunas do texto contratual.

Isso decorre da autonomia da vontade e, por isso, nem precisaria de autorização legal expressa. Todavia, ainda que fosse desnecessário, por questões didáticas, o legislador decidiu deixar clara essa possibilidade por meio da Lei da Liberdade Econômica, que acresceu ao Código Civil a expressa permissão para as partes estabelecerem as suas próprias regras de integração e de preenchimento de lacunas dos negócios jurídicos (art. 113, § 2º, CC).

A título de exemplo de regras voluntárias, podemos citar uma cláusula por meio da qual as partes estabelecem que, em havendo lacuna no contrato, deverá ser: (1) aplicada cláusula similar prevista em outros contratos anteriores já firmados entre as mesmas partes ou entre partes concorrentes; (2) adotada uma solução que não implique despesas adicionais ou desfalques financeiros a apenas uma das partes; (3) observado o costume no mercado envolvendo negócios semelhantes; (4) consultada uma determinada pessoa para indicar a regra que colmatará o contrato.

3.3.           Exceções de pré-vencimento: a quebra antecipada do contrato e a exceção de inseguridade

No período compreendido entre a data do nascimento do contrato e o vencimento da prestação, não há um “vazio prestacional” (como se o devedor não tivesse nenhuma prestação a cumprir antes do vencimento), ao contrário do que se pensava antigamente com base em uma concepção tradicional e estática das obrigações.

Com a moderna concepção de obrigação como processo – visão mais dinâmica e finalística da obrigação –, tanto o devedor quanto o credor têm de, desde o nascimento do contrato, praticar vários atos necessários a garantir, ao final, o cumprimento adequado da prestação, tudo à luz da boa-fé objetiva. Entre esses vários atos, estão todos aqueles decorrentes dos deveres anexos.

Se, durante a relação contratual, o devedor adotar condutas que possam ameaçar o êxito futuro do cumprimento da obrigação, poderá o credor adotar medidas prévias ao vencimento da obrigação[12], mais especificamente estas duas: a exceção de inseguridade (art. 477 do Código Civil – CC) ou a quebra antecipada do contrato (doutrina e aplicação analógica dos arts. 395, parágrafo único, 475 e 477 do CC).

Chamamos essas duas hipóteses de “exceções pré-vencimento”, pois são espécies de defesas (= exceções) utilizadas precocemente, antes do vencimento da obrigação.

Trataremos aqui, com brevidade, apenas da quebra antecipada do contrato.

É preciso ter cuidado com a nomenclatura. Apesar de a maior parte da doutrina não fazer a distinção, consideramos haver uma categoria geral chamada “quebra antecipada do contrato lato sensu”, da qual estas são espécies:

É que a quebra antecipada pode decorrer de um fato superveniente causado por culpa da parte ou não.

Se decorrer de culpa, aí é adequado chamar essa quebra antecipada de “inadimplemento antecipado” ou de “inadimplemento antes do termo”.

Se, porém, não houver culpa da parte, não há falar em “inadimplemento antecipado” ou de “inadimplemento antes do termo”, pois aí não há inadimplemento! A ruptura precoce do contrato aí deve ser chamada apenas de “quebra antecipada do contrato lato sensu”.

Reconhecemos que grande parte da doutrina não faz a distinção acima e prefere utilizar a expressão quebra antecipada do contrato apenas para as hipóteses de haver culpa da parte, ao passo que a resolução prematura do contrato por fato superveniente fortuito é tratada como um fenômeno em apartado.

O pressuposto da quebra antecipada do contrato é o de que, antes do vencimento, por um fato superveniente, o objeto do contrato, na sua exata dimensão, tenha-se tornado impossível ou inútil. Quando se afirma “na sua exata dimensão”, está-se referir também ao cumprimento dos deveres anexos, como o de proteção, o de segurança e o de conforto.

3.4.           O teste da vontade presumível

A quebra antecipada do contrato pode decorrer da violação de deveres anexos, mas é preciso analisar o caso concreto para verificar a razoabilidade dessa medida. Esse juízo abre um espaço não cartesiano para o intérprete. O jurista terá de valer-se de um juízo de razoabilidade que avalie a legítima expectativa do indivíduo médio. E, para tanto, sugerimos o que designamos de teste da vontade presumível.

Por esse teste, o jurista deverá responder a esta pergunta:

– à luz do contexto da celebração do contrato, se as partes tivessem, de antemão, previsto um problema que surgiria por uma futura conduta de uma das partes, elas teriam, no próprio instrumento, autorizado a ruptura do contrato?

Se a resposta for sim, é cabível a quebra antecipada do contrato. Se a resposta for negativa, não há nenhum dever anexo violado.

A resposta deverá ser feita à luz da regra da vontade presumível, que é extraída do contexto do negócio e da racionalidade econômica, conforme art. 113, § 1º, V, do CC.

A título ilustrativo, se um pai matricula um filho menor em uma escola que, posteriormente, vem a ser envolvida em graves escândalos de assédios sexuais praticados por professores contra alunos dentro do estabelecimento, é cabível a quebra antecipada do contrato. O teste da vontade presumível chancela isso, pois a resposta certamente seria positiva a esta indagação: “o pai, se tivesse previsto esse problema futuro, teria colocado, no contrato, uma cláusula permitindo a resolução contratual no caso de envolvimento da escola em um escândalo como esse?”

O teste da vontade presumível é uma ferramenta que auxilia o jurista a decidir se é ou não cabível a quebra antecipada do contrato.

Aliás, esse teste pode ser útil para o preenchimento de outras lacunas contratuais. Com efeito, por conta da racionalidade limitada imposta a todas as obras humanas, é inviável que as partes, de antemão, consigam disciplinar, no instrumento contratual, as infinitas variações do casuísmo futuro, de maneira que todo contrato tem lacunas (ainda que pequenas) e precisa de meios de integração. Além do mais, se fosse viável o exercício perfeito de uma futurologia, os instrumentos contratuais seriam volumosíssimos “livros”, os quais, de tão grandes, seriam insondáveis na prática, o que seria um despropósito. Por isso, em todo e em qualquer contrato, há necessidade de preencher suas lacunas por meio de meios de integração. O teste da vontade presumível é uma ferramenta útil para preencher essas lacunas, inclusive as relativas à admissibilidade da quebra antecipada do contrato.

3.5.           da aplicação ao caso concreto: cabimento da quebra antecipada do contrato por impossibilidade superveniente do objeto

O aprofundamento dos conceitos teóricos supracitados ficará para outra oportunidade em razão dos limites deste artigo. O que foi averbado até agora basta.

Os transtornos causados pelo coronavírus inegavelmente esvaziou a utilidade do objeto de vários contratos e tornou impossível o cumprimento dele na sua exata dimensão. Ainda que, em alguns casos, haja possibilidade material de cumprimento da prestação principal, é certo que, em muitas situações, o cumprimento de deveres anexos não é mais viável.

Por exemplo, no caso de um contrato de turismo para o consumidor passar o mês de março na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, os deveres anexos de proteção, de segurança e de conforto (que implicitamente estão nesses contratos) não podem ser mais cumpridos: a agência de turismo não tem como proteger o consumidor do risco de contaminação com o coronavírus nem do desconforto causado pela sensação de pânico causado pela sua exposição a esse antígeno.

Outro exemplo: se alguém tinha se comprometido a investir milhões de reais no mês de março para começar um restaurante, é inegável que a outra parte (o “sócio indústria”) não terá condições de cumprir o dever anexo de garantir relativa segurança ao investidor, pois houve colossal esfriamento do comércio com as medidas de isolamento das pessoas por conta do coronavírus.

Há inúmeros contratos que perderam sua utilidade ou cujo objeto, na sua exata dimensão (considerando os deveres anexos), se tornou impossível antes do vencimento por um fato superveniente e fortuito: a pandemia do coronavírus. Isso, pois, autoriza a quebra antecipada não culposa do contrato, salvo se houvesse cláusula contratual bem específica em sentido contrário ou se se tratasse de contrato aleatório que incluísse essa epidemia dentro da sua zona de risco.

Em todos esses contratos, pode-se considerar, como cláusula implícita, a possibilidade de ruptura precoce do contrato diante da excepcionalidade causada pelo coronavírus. A regra da vontade presumível, que serve não apenas como meio de interpretação, mas também de integração contratual, credencia essa ilação.

Ademais, em nome do princípio da conservação do negócio jurídico, se, no caso concreto, por um juízo de razoabilidade, for verificado que o contrato poderia ser mantido com alterações de suas condições sem grande prejuízo às partes, essa alternativa de “revisão contratual” deve ser escolhida no lugar da quebra antecipada do contrato. Nos exemplos acima, se se entender que o adiamento, para depois da crise do coronavírus, da viagem para o Rio de Janeiro ou da data do aporte do investimento for considerada uma medida razoável para conciliar os interesses de ambas as partes, deve ser mantido o contrato de turismo ou de investimento com essa alteração das condições contratuais.

Por fim, o que chamamos de “teste da vontade presumível” também chancelaria essa conclusão: se as partes tivessem, de antemão, previsto a pandemia, elas certamente teriam autorizado a ruptura ou a revisão do contrato ou, no mínimo, teriam estipulado outras condições contratuais (o preço, por exemplo, provavelmente seria outro diante da assunção do risco da pandemia por qualquer das partes).

3.6.           Um outro caminho

Tudo quanto foi exposto poderia chegar a um resultado similar se percorrêssemos o caminho da teoria da imprevisão[13] [14] (art. 478, CC) e da quebra da base do contrato[15], sustentando que, com os transtornos causados pelo coronavírus, vários contratos se tornaram excessivamente onerosos para uma das partes ou perderam a sua base de justificação. Deixamos de detalhar essa via alternativa por entendermos suficiente a que foi enfocada neste caso.

4.      Conclusão

O ambiente de transtorno causado pelo coronavírus autoriza a quebra antecipada não culposa de contratos cuja utilidade tenha se esvaziado ou cujo cumprimento, na sua exata dimensão (com inclusão dos deveres anexo de proteção, de segurança e de conforto), tenha se tornado impossível. A exceção corre à conta de haver cláusula bem específica em sentido contrário ou de se tratar de contrato aleatório que, na sua zona de risco, inclua os transtornos causados pela indesejada pandemia.

Se, porém, por um juízo de razoabilidade, for viável manter o contrato com alterações negociais (revisão contratual) sem grandes prejuízos às partes, deve-se preferir essa via em razão do princípio da conservação do negócio jurídico.

O teste da vontade presumível é recomendável para avaliar os casos concretos.

Data: 16 de março de 2020

*Currículo: (Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na Universidade de Brasília – UnB –, no IDP/DF, na Fundação Escola Superior do MPDFT – FESMPDFT, no EBD-SP, na Atame do DF e de GO e em outras instituições.Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro. E-mail: carloseliasdeoliveira@yahoo.com.br).


[1] Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/trump-anuncia-suspensao-de-voos-da-europa-aos-eua-para-conter-coronavirus/. Publicado em 12 de março de 2020.

[2] Ainda que possa haver certa hipérbole na manchetes jornalísticas, as dificuldades na gestão dos cadáveres em algumas cidades italianas são um fato (Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/italia-tem-excesso-de-corpos-apos-coronavirus-e-cadaveres-chegam-ficar-24h-em-casa.shtml. Publicado em 11 de março de 2020.

[3] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/italia-tem-excesso-de-corpos-apos-coronavirus-e-cadaveres-chegam-ficar-24h-em-casa.shtml. Publicado em 11 de março de 2020.

[4] Disponível em: https://observador.pt/2020/03/12/ator-italiano-ficou-36-horas-com-o-cadaver-da-irma-em-casa-nao-e-caso-unico/. Publicado em 12 de março de 2020.

[5] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-16/ultimas-noticias-sobre-o-coronavirus.html. Publicada em 16 de março de 2020.

[6] Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/16/rj-pode-chegar-a-24-mil-casos-de-coronavirus-em-um-mes-se-medidas-de-prevencao-nao-forem-respeitadas.ghtml. Publicada em 16 de março de 2020.

[7] Citamos, a título exemplificativo, o caso do Distrito Federal (Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/03/15/coronavirus-gdf-bloqueia-passe-livre-durante-recesso-nas-escolas-e-proibe-funcionamento-de-academias.ghtml. Publicada em 15 de março de 2020).

[8] A racionalidade humana é limitada.

[9] A enumeração é fruto da transcrição deste nosso texto com o acréscimo da regra da primazia da intenção sobre o sentido literal (OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. A Lei da Liberdade Econômica: diretrizes interpretativas da nova Lei e Análise detalhada das mudanças no Direito Civil e no Registros Públicos. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados. Elaborado em 21 de setembro de 2019).

[10] As normas cogentes servem para suprir lacunas contratuais (integração contratual) ou para gerar a nulidade daquelas cláusulas que a contrariarem (invalidação).

[11] Aqui, além dos clássicos princípios gerais de direito (como a vedação ao enriquecimento sem causa), há também os princípios do aviso prévio a uma sanção, o princípio da proteção simplificada do agraciado e o princípio da proteção simplificada do luxo. Sobre o tema, reportamo-nos a estes textos nossos:

– OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. O princípio da proteção simplificada do luxo, o princípio da proteção simplificada do agraciado e a responsabilidade civil do generoso. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Dezembro/2018 (Texto para Discussão nº 254). Disponível em: www.senado.leg.br/nepleg. Acesso em 4 dezembro 2018.

– ____________________________. O Princípio do Aviso Prévio a uma Sanção no Direito Civil Brasileiro. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Maio/2019 (Texto para Discussão nº 259). Disponível em: www.senado.leg.br/nepleg. Acesso em 30 de maio de 2019.

[12] MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no direito brasileiro. In: Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 207.

CUNHA, Raphael Augusto. O Inadimplemento na Nova Teoria Contratual: o inadimplemento antecipado do contrato. Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ano: 2015, p. 116.

ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013, p. 330.

[13] Sobre a teoria da imprevisão, é de citação obrigatória esta lição do genial civilista Flávio Tartuce, dono de uma das melhores e mais ricas coleção de Direito Civil na atualidade (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro: Forense, 2020, pp. 208-209):

   (…) a teoria da imprevisão recebeu um novo dimensionamento pela doutrina francesa um pouco diferente de sua origem, que remonta à cláusula rebus sic standibus. Nesse contexto, nota-se que, para a aplicação da teoria, há a necessidade da comprovação dessas alterações da realidade, ao lado da ocorrência de um fato imprevisível e/ou extraordinário, sem os quais não há como invocá-la. Nelson Nery Jr. lembra que, no Direito Alemão, a teoria da imprevisão é denominada ainda como teoria da pressuposição (A base…, 2004, p. 61). De qualquer forma, alguns autores diferenciam a teoria da imprevisão da teoria da pressuposição. Ensina Otávio Luiz Rodrigues Junior que “a teoria da pressuposição de Bernard Windscheid (1902:394-395) é baseada na premissa de que, se alguém manifesta sua vontade em um contrato, o faz sob um determinado conjunto de pressuposições que, se mantidas, conservam a vontade e, se alteradas, exoneram o contratante” (Revisão…, 2006, p. 82).

[14] Sobre a revisão contratual, dificilmente se achará trabalho mais completo do que esta obra do enciclopédico civilista Otávio Luiz Rodrigues Junior: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão contratual: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2006.

[15] Sobre esses institutos, reportamo-nos a estes textos:

  1. FRITZ, Karina. Fim da união estável constitui quebra da base do negócio em doação. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/german-report/313511/fim-de-uniao-estavel-constitui-quebra-da-base-do-negocio-em-doacao. Publicado em: 22 de outubro de 2019.
  2. SÁ, Gisele de Andrade; RIBEIRO, Adriana Pecora; TRAMARIM, Erika. As teorias da imprevisão e da quebra da base do negócio jurídico como instrumento de resolução ou revisão do contrato. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/31732/as-teorias-da-imprevisao-e-da-quebra-da-base-do-negocio-juridico-como-instrumento-de-resolucao-e-revisao-dos-contratos. Publicado em 24 de outubro de 2006.

FONTE: http://www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados

ARTIGO – E se o Brasil não tiver cartórios?

Atualmente, muito se fala que os Cartórios são uma burocracia desnecessária, uma perda de tempo que atrasa a vida das pessoas, e, que, em breve, eles serão substituídos por tecnologias como a “blockchain”.

Pois bem. Para analisarmos se esta afirmação é verdadeira, vamos imaginar como seria um Brasil sem Cartórios, especialmente sem os Tabelionatos de Notas, que são os que realizam autenticação de cópias, reconhecimento de firmas e os mais variados tipos de escrituras públicas, dentre elas, compra e venda, inventário, divórcio, separação e testamento.

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Artigo – Tem Dois Anos e Meio de Vida, porém, a Usucapião Extrajudicial ainda Engatinha – Pedro Teobaldo

A Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil – CPC) promulgada em 2015, entrando em vigor no ano seguinte, trouxe disposto no artigo 1.071 a forma administrativa do reconhecimento da usucapião diretamente no ofício de registro de imóveis, como continuidade do entusiasmo legislativo para desjudicialização.

O texto originário do Código de Processo Civil não estava adequado aos anseios práticos dos operadores do direito e nem da sociedade. Não possibilitava com intensidade o desafogo do judiciário. Existia entrave legal que exigia a anuência expressa dos titulares de direitos reais registrados ou averbados na matrícula do imóvel e considerava o silêncio como discordância.

Motivada pela pressão social e jurídica para uma alteração que adequasse ao disposto no Código Civil, o Poder Executivo editou uma medida provisória posteriormente convertida na graciosa lei nº 13.465/2017, que além de mudar com essa aberração do silêncio como negação, criou outras ferramentas para regularização fundiária.

Passaram-se dois anos e meio da edição da lei facilitadora e o instrumento da usucapião extrajudicial ainda engatinha. Este procedimento precisa vingar, os autores precisam se inteirar, usar e trabalhar na aplicação deste instituto extrajudicial. É um procedimento rico em detalhes, mas não é difícil, pelo contrário, é fácil, célere, seguro e mais barato que o judicial.

A facilidade está na existência de tabeliães e registradores em todos os municípios brasileiros. A celeridade se encontra no procedimento objetivamente elaborado. A segurança está na fé pública das autoridades das serventias extrajudiciais, onde confia-se na aplicação da lei e da normas para aplicação do direito. Quando não protegido pelos benefícios da gratuidade judicial, o processo judicial pode custar muito mais do que o extrajudicial, em razão da extensa demora e dos procedimentos legais necessários.

Os principais atores do procedimento são: advogados, engenheiros ou arquitetos e afins, tabeliães de notas e os registradores de imóveis. Todos têm a função de elaborar e construir o procedimento até culminar em seu reconhecimento ou negativa.

O advogado, antes do tabelião, é o primeiro jurista a ter contato com o caso, por isso, é o primeiro a crer no direito a ser pleiteado. Assim, deve ter o maior zelo e cuidado com processo, expondo minuciosamente todo o espaço da posse percorrido, juntar documentos pertinentes e comprobatórios, observando todas as nuances previstas na legislação, bem como, os provimentos estaduais e o nacional editado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, o criterioso Provimento nº 65/2017, uma apaziguadora e cuidadosa diretriz criada para orientar todos os envolvidos no procedimento nas serventias extrajudiciais.

O procedimento se inicia extrajudicialmente no cartório de notas (Tabelionato de Notas), lavrando-se a ata notarial de atestação de posse para fins de usucapião. Documento dotado de fé pública, onde o tabelião faz constar sua percepção pessoal de todos os documentos apresentados pelo advogado do requerente fundamentando o direito e a petição deste.

A ata notarial é o documento mais importante para apresentação ao Oficial de Registro de Imóveis e, deve, obrigatoriamente, ser lavrada por tabelião de notas da circunscrição do bem. O tabelião, inclusive, poderá fazer diligências diretamente no imóvel (§ 1º do art. 5 do Provimento 65/2017), para que sua convicção do direito do requerente seja amplamente formada. Pode, ainda, o tabelião, tomar depoimentos de testemunhas, vizinhos, síndico, e de qualquer pessoa importante para afirmar aquilo declarado pelo requerente em seus documentos e formar sua convicção.

Cuidadosamente, o advogado recepcionando o instrumento notarial lavrado e acompanhado dos documentos necessários e importantes para conceder robustez à afirmação do direito de seu cliente, apresentará juntamente com um requerimento (nos moldes de uma petição inicial, conforme art. 389 do CPC); instrumento do mandato, subscrito pelo requerente e seu cônjuge/companheiro, com firma reconhecida; planta do imóvel, se for o caso e os apresentará ao ofício de imóveis competente para protocolo (art. 4 do Provimento 65/2017 do CNJ).

O oficial registrador será o juiz do procedimento, deverá ser o facilitador do processamento, buscar seu pleno convencimento do direito alegado e evitar o excesso de dúvidas registrais.

Com o recebimento do requerimento, junto com os documentos necessários, o registrador o prenotará no livro protocolo, manterá os efeitos da prenotação até o deslinde final do procedimento, seja para declaração da usucapião pleiteada ou para negativa do pedido. Após, autuará os documentos e os analisará em procedimento de qualificação registral preliminar. Nesta fase, identificará se todos os requisitos para aquisição por usucapião foram preenchidos pelo requerente, porém, existindo pendências expedirá nota de devolução elencando-as (art. 198 LRP) para que sejam sanadas pelo apresentante do título.

Se na análise preambular todos os requisitos estiverem cumpridos para espécie de usucapião estabelecida, o oficial encaminhará os documentos pertinentes como notificação às pessoas titulares de direitos registrados e averbados na matrícula do bem e dos imóveis confinantes, bem como, expedirá ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município, entendendo o silêncio dos primeiros como concordância, e dos últimos como ausência de interesse. Contudo, os entes públicos podem impugnar o procedimento até o último momento antes do registro.

Não havendo impugnação, expedirá o oficial edital de notificação aos terceiros eventualmente interessados para manifestação no prazo estabelecido que, em regra, é de quinze dias, mas pode o Oficial ampliar este prazo para garantir aperfeiçoamento (art. 257, III do CPC).

Finalmente, passado o prazo do edital e não havendo o que ser impugnado e estando os documentos em conformidade com a lei, o Oficial Registrador de Imóveis expedirá termo de reconhecimento da usucapião pleiteada pelo requerente e registrará a aquisição do direito.

Todo este procedimento pode ocorrer em menos de seis meses, portanto, inferior a uma gestação normal, garantindo assim que a criança ande mais rápido, no caso, o direito real, seja reconhecido e utilizado o mais rápido possível. Com isso, o imóvel entrará para o mundo jurídico e possibilitará o exercício de todos os direitos inerentes à propriedade ou ao outro direito real declarado aquisição, bem como, possibilitará ao entes fiscais recolherem os tributos competentes, em razão da propriedade, transmissões e sucessões.

Portanto, este instrumento extrajudicial de titulação e de efetivo reconhecimento de direito real deve ser utilizado pelos atores e garantir uma efetiva desjudicialização da regularização fundiária.

Pedro Teobaldo – Advogado.

Fonte: Blog do DG

Casamento pode ser celebrado de acordo com as necessidades dos noivos – Blog do DG

Existe um assunto que vale a pena destacar, pois tem imensa relevância para os cidadãos, que nem sempre são informados sobre isso: as diferentes possibilidades de celebração de um casamento. Sim. Não existe apenas o casamento civil, realizado na presença de um juiz de paz nas dependências do cartório.

Os noivos podem celebrar o casamento de acordo com as suas necessidades. Isso porque há leis que preveem outras possibilidades de celebração, como, por exemplo, juntar o casamento religioso e civil em um só ou se casar em local e data escolhido pelos nubentes.

Há ainda um caso mais complexo, como a celebração do casamento em situações mais urgentes, como risco de morte. E um caso mais simples, como os casais que desejam apenas converter a união estável em casamento civil. A seguir, explico todas essas possibilidades.

Casamento civil no cartório

Essa é a modalidade mais comum e, por isso, a mais praticada. O casamento civil é celebrado nas dependências do cartório, de forma pública. E quem realiza a cerimônia é o juiz de paz, na presença de um escrevente, dos noivos e de seus padrinhos.

Casamento religioso com efeito civil

Esse tipo de celebração é realizado fora do cartório e presidido por uma autoridade religiosa, como um padre, pastor, rabino etc. Sendo assim, o casamento civil e o religioso são formalizados em cerimônia única. Os noivos recebem um termo, emitido pela autoridade religiosa, que deve ser levado ao cartório para registro em até 90 dias após a data da celebração.

Casamento em diligência

Já o casamento em diligência, também celebrado fora do cartório, é presidido pelo juiz de paz, por motivo de força maior ou por mera vontade dos nubentes. Na maioria das vezes, essa é uma opção para os noivos que não se casarão no religioso, mas desejam celebrar o casamento no local da festa.

Casamento nuncupativo

O casamento nuncupativo é a opção quando um dos noivos corre risco iminente de morte ou sofre de doença grave que o impede de realizar os trâmites legais para o ato. Por isso, a celebração é feita em ambiente hospitalar, domicílio ou onde se encontra o nubente incapaz, por meio de declaração de vontade dos noivos, mediante a presença de seis testemunhas.

Conversão de união estável em casamento

Por fim, a conversão ocorre quando um casal que já vive em união estável, decide se casar no civil. Essa modalidade segue os mesmos trâmites legais do casamento civil comum, porém é dispensada a celebração feita nas dependências do cartório pelo juiz de paz.

Para saber mais sobre casamento civil ou união estável, indico o vídeo que gravei para o canal do YouTube sobre as duas modalidades: Casamento ou União Estável? Tudo é Família!.

Fonte: Blog do DG