USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – Alegação dos autores de que exercem a posse mansa e pacífica do imóvel de propriedade da ré desde 1997, onde, inclusive, estabeleceram sua empresa em 1998 – Improcedência – Insurgência dos autores – Descabimento – Imóvel usucapiendo que foi penhorado no curso do prazo para prescrição aquisitiva da propriedade – Constrição averbada na matrícula em 2003, cuja titular é a requerida – Presunção de ciência em razão do registro público – A litigiosidade do imóvel afasta o requisito do exercício da posse mansa e pacífica, imprescindível para o reconhecimento da usucapião – A condenação em sucumbência é corolário lógico do resultado de improcedência da ação – Decisão mantida- RECURSO DESPROVIDO. (Relator: Miguel Brandi; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/03/2019)
VOTO Nº: 19/29224
APEL. Nº: 0014156-96.2013.8.26.0564
COMARCA: SÃO BERNARDO DO CAMPO
APTE.: CLEUZA DE CASTRO RUBAL E OUTRO
APDO.: VENTIX EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA.
JUIZ(A): EDSON NAKAMATU
Cuida-se de apelação interposta contra a sentença de fls.1225/1228, julgou improcedente a ação de usucapião ajuizada por CLEUZADE CASTRO RUBAL e EDSON RUBAL SANCHEZ em face de VENTIXEQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA., condenando os autores aopagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$1.000,00.
Foram apresentados Embargos de Declaração pelo Banco Nacional S/A (em liquidação extrajudicial), às fls. 1230/1234, parcialmente acolhidos pela decisão de fls. 1249/1250, apenas para constar que os honorários advocatícios foram fixados em R$1.000,00 para cada contestante.
Inconformados, buscam os requerentes a reforma da decisão (fls. 1235/1244), argumentando, inicialmente, que a ré Ventix não se manifestou nos autos e não constituiu advogado, razão pela qual entende ser incabível sua condenação ao pagamento da verba honorária sucumbencial.
Defendem que a penhora não acarreta a perda da posse do imóvel, tampouco interrompe a contagem do prazo da prescrição aquisitiva, pois, assim como a propriedade, ela pertence ao mundo registral. “Não alcança e nem desqualifica a posse por eles exercida, que pertence ao mundo dos fatos.”
Sustentam que a penhora está atrelada ao processo de execução, que está arquivado desde 2007 (fls. 1133/1134) e ressaltam que “conforme o comando constitucional, a posse mansa e pacífica, desde que cumprido o interregno temporal exigido em lei, ocupa patamar mais elevado que a propriedade registral, o que significa que, na ação de usucapião, o mundo fático desafia o universo notarial.” (sic – fls. 1240).
Mencionam a possibilidade da prescrição intercorrente da ação executiva e tecem considerações acerca do direito de sequela arguido pelo Banco Nacional.
Pleiteiam, ao final, a procedência da ação.
Recurso não respondido (certidão de fls. 1252).
Este processo chegou ao TJ em 05/12/2018, sendo a mim distribuído em 15/01/2019, com conclusão em 17/01/2019 (fls. 1255).
É o Relatório.
Admito o recurso, porque tempestivo; preparo e porte deremessa e retorno recolhidos às fls. 1245/1248.
É ação de usucapião, dito extraordinário (art. 1.238, do Código Civil), objetivando a declaração de domínio do imóvel localizado na Rua Nove de Julho, nº 143, São Bernardo do Campo/SP, matrícula nº 8084, do 1º Registro de Imóveis daquela cidade.
Afirmam, os autores, que exercem a posse mansa e pacífica do imóvel desde 1997, sem qualquer oposição, e que em 1998 lá estabeleceram sua empresa (Technofan Equipamentos e Serviços Ltda.).
A petição inicial havia sido indeferida (fls. 861/862) e a decisão foi reformada por acórdão de minha relatoria (fls. 887/891).
Após a regular instrução do feito, sobreveio a sentença de improcedência da ação.
Em que pesem as razões expendidas no recurso, a meu ver, não restou efetivamente demonstrado o preenchimento de todos os elementos caracterizadores do instituto do usucapião extraordinário, previstos no art. 1.238, do Código Civil, tais como, prazo de quinze anos, sem interrupção (posse contínua), nem oposição (posse pacífica), e ter como seu o imóvel (animus domini).
Observo que houve a penhora do imóvel usucapiendo no curso do prazo para prescrição aquisitiva da propriedade, cuja constrição fora devidamente averbada na matrícula, em 2003 (R.9 – fls. 14/15), restando inequívoca a ciência dos apelantes, desde então, acerca da litigiosidade e indisponibilidade do bem em questão, diante da presunção de ciência decorrente do registro público, não havendo como se reconhecer o exercício da posse qualificada pelos apelantes a partir de então.
Repiso que, diante do registro da penhora, tornou-se pública a litigiosidade do imóvel, o que afasta o requisito do exercício da posse mansa e pacífica, imprescindível para o reconhecimento da usucapião.
Na realidade, percebe-se que os apelantes figuraram comomeros detentores do bem, jamais tendo exercido posse ou adquirido a suapropriedade.
Como bem decidiu o Magistrado, “conforme se observa na matrícula de fls. 12/15, o imóvel foi objeto de penhora em favor do Banco Nacional S.A, determinada nos autos da ação de execução movida pela instituição financeira em face da empresa ré Ventix Equipamentos Industriais Ltda, com averbação do registro em julho de 2003, data a partir da qual não é possível mais falar em posse mansa e pacífica.
Ainda que a ação executiva se encontre suspensa, nos termos do artigo 791, inciso III, do antigo Código de Processo Civil, a anotação da penhora existente na matrícula – que não foi cancelada até o momento, por si só, descaracteriza o requisito primordial à declaração do domínio, qual seja, a posse exercida sem qualquer oposição.” (fls. 1228).
Neste sentido é o entendimento majoritário desta Corte:
“APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. OS ELEMENTOS DOS AUTOS EVIDENCIAM QUE OS AUTORESERAM LOCATÁRIOS DO IMÓVEL OBJETO DO PEDIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO.1. O julgamento antecipado da lide é faculdade do Magistrado, segundo o princípio do livre convencimento e da motivada apreciação da prova. A prova oral requerida era prescindível para a solução da lide. Ausência de cerceamento de defesa a justificar a anulação da sentença, que se encontra devidamente fundamentada, como exige o art. 93, IX, da Constituição Federal. 2. Embora o autor insista na alegação de que não foi celebrado contrato de locação, a prova produzida nos autos confirmou que ele reconhecia a supremacia do direito exercido pelo proprietário do imóvel. O autor não tem a posse ad usucapionem, visto que na qualidade de locatário não exerce a posse com animus domini. Ao contrário, o autor tem posse precária, que não gera a prescrição aquisitiva. Nestas condições, não comprovada a alteração da qualidade da posse, não cumpriu requisito essencial à caracterização da usucapião. 3. Ademais, dentro do prazo necessário ao reconhecimento da prescrição aquisitiva, sobreveio a penhora do imóvel, sendo que, diante da presunção de ciência decorrente do registro publico, não mais exercia posse qualificada a partir de então. Em outras palavras, dominial de outrem. A causa possessionis invalidou, portanto, a alegada posse ad usucapionem. 4. O autor, por fim, deixou de ter a posse do imóvel, visto que foi deferida ordem de imissão de posse do arrematante do imóvel em execução movida em face do anterior proprietário. Assim, não manteve a continuidade da posse, requisito essencial à declaração de usucapião. A posse deve ser contínua e também atual. 5. Recurso não provido. Sentença mantida.” (TJ/SP, 10ª Câmara de Direito Privado, Apel. nº 0006306-85.2013.8.26.0565, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 07/02/2017) (grifei).
No julgamento da apelação nº 0017279-34.2013.8.26.0037, também votei neste sentido:
“Usucapião extraordinária – Autora que não detém a posse mansa e pacifica do imóvel – Batalha judicial trabalhista envolvendo o imóvel demandado, ajuizada em face do seu ex-cônjuge – Autora que não pode alegar desconhecimento da reclamação trabalhista, ante aintimação da penhora – Litigiosidade sobre o bem que afasta o requisito do exercício da posse mansa e pacífica, que se afigura como imprescindível para o reconhecimento da prescrição aquisitiva – Sentença reformada – Rercurso provido.” (Voto nº 17786, julgado em 16/12/2015).
Ressalto, por fim, que a condenação em sucumbência é corolário lógico do resultado de improcedência da ação, nos exatos termos do art. 85, do Código de Processo Civil, como bem explicam Marinoni e Mitidiero, no seu Código de Processo Civil, Ed. RT, 2010: “o que interessa para a condenação em honorários é a derrota no processo”.
Diante dessas considerações, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso e fixo os honorários advocatícios de sucumbência em R$2.000,00 (R$1.000,00 já fixados em primeiro grau e R$1.000,00 nesta ocasião), para cada contestante, nos termos do art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
MIGUEL BRANDI
Relator