IBDFAM participa de audiência na Câmara sobre registro de união poliafetiva

A convite do deputado Fernando Rodolfo Tenorio de Vasconcelos (PL-PE), o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM participou nessa quarta-feira (8) de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o registro de união poliafetiva.

O debate, promovido pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, girou em torno do Projeto de Lei 4.302/2016, que pretende proibir o registro de união poliafetiva.

O IBDFAM foi representado pelos advogados Marcos Alves da Silva, vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Família do IBDFAM, de forma virtual, e Renata Nepomuceno e Cysne, diretora nacional do IBDFAM, que esteve presencialmente na sessão. A proposta aguarda votação no colegiado, onde recebeu parecer favorável do relator, deputado Filipe Martins (PL-TO).

A audiência pública foi proposta pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE).

Também participaram da audiência o juiz Pablo Stolze, membro do IBDFAM e integrante da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela reforma do Código Civil, e o pastor Silas Lima Malafaia. Marcos Alves entende que o PL 4.302/2016 representa um equívoco. “Revela uma concepção absolutamente canhestra da natureza jurídica da própria união estável, fere o direito da liberdade de expressão, fere o direito de acesso ao serviço público notarial, desrespeita o princípio constitucional da pluralidade das entidades familiares”, afirma.

Para o especialista, o texto “desconsidera o princípio constitucional do Estado Democrático de Direito com suas reverberações no âmbito das situações subjetivas de natureza existencial e coexistencial, faz letra morta a norma constitucional expressa no princípio da laicidade do Estado e fere o princípio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana”.

Em sua fala na audiência pública, o advogado sublinhou cinco pontos: “O Projeto de Lei está ancorado em um equívoco elementar em relação à natureza jurídica da união estável, que se desdobra em pelo menos mais dois outros, negação ao direito de liberdade de expressão e de acesso ao serviço público notarial;   desconsidera o princípio do Estado Democrático de Direito em suas reverberações nas situações jurídicas subjetivas existenciais e coexistenciais, para assegurar uma sociedade onde caibam todos; ofende o princípio da laicidade do Estado, com grande perigo de aproximação a estados totalitários e teocráticos; desatende o princípio constitucional da pluralidade das entidades familiares e o mandamento endereçado ao Estado de conferir especial proteção às famílias; afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, e tende à marginalização de famílias e à invisibilização jurídica de pessoas em suas relações existenciais fundantes”.

Marcos Alves também defendeu em seu argumento o direito às diferenças. Ressaltou a importância de respeitar a individualidade de cada um e citou o trecho: “Narciso acha feio tudo aquilo que não é espelho”, em referência ao personagem da mitologia grega.

Proteção

Renata Cysne lembrou que a Constituição Federal engloba todas as formas de famílias. “São famílias que se constituem pela boa-fé, e dessas relações decorrem direitos, deveres e responsabilidades.” Negar isso, afirmou a especialista, é marginalizar e negar a existência de diversas famílias.

Renata pontuou que a audiência não foi sobre regularizar a família poliafetiva, mas sobre negar direitos. “Poderíamos estar debatendo os desdobramentos disso, como os impactos sucessórios e previdenciários, mas estamos debatendo a negação dessas famílias.”

A fala da advogada também abordou a vulnerabilidade das mulheres, das crianças e dos adolescentes que compõem famílias poliafetivas, bem como a necessidade de um olhar para o “cuidado, atenção e reconhecimento de direitos”.

O projeto de lei, segundo ela, é  um retrocesso de algo que ainda sequer foi visto pelos tribunais. “Embora a monogamia seja predominante na nossa sociedade, isso não quer dizer que não possam haver outras formas”, afirmou.

Registro

O juiz Pablo Stolze disse que nem sempre a resposta reducionista é a mais adequada. Abordou a reforma do Código Civil e disse que a atualização não é feita para a elite acadêmica, mas sim para a sociedade em geral.

Stolze destacou que a proposta não discute o reconhecimento da poliafetividade como entidade familiar, ou seja, não inclui essa previsão no Código Civil, mas, sim, proíbe o registro da união estável poliafetiva.

“A jurisprudência dos tribunais superiores reconhece a monogamia como um dos esteios das relações familiares. Não vejo nesse momento uma discussão que coloque a monogamia na berlinda. A grande preocupação é que o projeto, ao pretender proibir esse registro, está, em verdade, pretendendo consagrar uma proibição completamente inócua e que não tem referência no Direito de Família brasileiro”, afirmou.

O especialista ressaltou que a união estável é um fato da vida, sem roupagem formal. “Querendo ou não, a união estável existirá”, disse.

A consequência de uma norma proibitiva e inócua, segundo Stolze, são problemas de ordem prática. Com a válvula proibitiva, o juiz também ponderou que os magistrados podem ter dificuldade para julgar casos excepcionais.

Ordem jurídica

Silas Malafaia, por sua vez, apontou conceitos de cristinianismo e contestou falas dos participantes anteriores. Disse, por exemplo, que a Constituição Federal não se refere a todas as formas de família – para isso, citou trechos em que o termo “casal” consta no documento. 

Argumentou que não há previsão legal na questão previdenciária ou sucessória. “Há uma insegurança jurídica se isso for permitido. Quer mudar a Constituição? No Estado Democrático de Direito, é no voto do Parlamento que representa o povo.”

Multiplicidade

Em entrevista ao IBDFAM, o professor  Marcos Alves  explica que o Instituto considera as múltiplas formas e composições familiares. “Não faz juízo de valor e de desvalor em relação a esta ou aquela família, pois entende que o caput do artigo 126 da Constituição da República constitui cláusula de inclusão.”

“A família é merecedora de especial proteção do Estado. Negar existência jurídica a qualquer família que efetivamente existe implica colocar famílias fora da tutela jurisdicional do Estado, significa invisibilizar pessoas em suas relações humanas fundantes e elementares. Trata-se de ofender gravemente a dignidade humana”, afirma o advogado.

O especialista afirma que o IBDFAM é o maior protagonista do Direito das Famílias no Brasil, atualmente. “Esse reconhecimento não é apenas interna corporis. A comunidade jurídica como um todo reconhece o trabalho do IBDFAM, tanto por sua extensão quanto por sua qualidade.”

“A presença do IBDFAM se faz sentir nos mais longínquos rincões do País, constituindo uma força catalisadora de profissionais que atuam na área. O IBDFAM, ao longo dos seus 26 anos de existência, como instituição que reúne juristas, advogados, juízes, promotores de justiça, defensores públicos e diversos profissionais que atuam na área do Direito das Famílias, tem fomentado a pesquisa e estudos aprofundados que qualificam não somente o debate nacional como também a prática jurídica com respaldo nos fundamentos constitucionais que redesenharam a percepção jurídica da família contemporânea”, pondera.

De acordo com o advogado, ao desempenhar sua vocação, a posição da Instituição é a da defesa dos princípios constitucionais da pluralidade das entidades familiares, da maximização da liberdade existencial e coexistencial, “isto é, o direito das pessoas se autodeterminarem em relação à forma de constituírem família”.

“Neste campo, deve prevalecer o princípio da reserva da intimidade. O Estado não pode avocar como sendo sua uma determinada concepção de família. Somente estados teocráticos é que fazem de uma norma religiosa lei civil, que é imposta a todos de forma cogente”, avalia.

O IBDFAM, acrescenta o especialista, como defensor dos princípios constitucionais, entende que a laicidade do Estado é conditio sine qua non para a existência de verdadeiro Estado Democrático de Direito. “A democracia não ganha expressão apenas na praça, a democracia verdadeira ultrapassa a linha das portas das casas para assegurar a todos e a cada um a liberdade de ser e de se fazer família”, conclui.

Fonte: IBDFAM

Livro sobre união poalifetiva.

Assista ao debate

Artigo – Cessão dos Direitos de Meação ou Doação da Meação?

Aberta a sucessão, a viúva meeira deseja abrir mão de sua meação, a título gratuito, aos seus filhos, por possuir outros bens particulares que já garantem seu sustento. Quais seriam os caminhos para que ela satisfaça sua vontade? Poderia ela ceder os direitos da meação, ou deveria, primeiramente, receber sua meação na partilha, e só depois poderia doar? Tanto na jurisprudência, como na doutrina, encontramos divergência de entendimento sobre esse tema. É claro que estamos falando dos bens comuns do casal, por isso o assunto é meação.

Antes de tudo, convido o leitor a fazer as seguintes reflexões: 1)- Existe alguma maneira de fazer o inventário somente dos 50% do falecido (herança), sem incluir os 50% da meeira (meação) ao monte mor? 2)- Se houver autorização judicial para venda de determinado bem pertencente ao Espólio, quem irá outorgar a escritura, o espólio ou o espólio e a viúva? 3)- Existe algum maneira de identificar o bem, ou a porcentagem do bem, referente à meação, antes que se promova a partilha? 4)- Após a sucessão aberta, a viúva meeira poderia, individualmente, vender ou doar um bem específico, ou porcentagem dele, pertencente ao espólio?

Após refletir sobre essas questões, chegamos à conclusão de que a meação só se trata de propriedade, enquanto está na vigência do casamento, pois, nesse caso, há como identificar que ela é proprietária da metade de cada bem que compõe o patrimônio. Nesta linha de raciocínio, aberta a sucessão, torna-se impossível identificar ou individualizar os bens que compõe a meação, até que se promova a partilha. Nesse momento, então, já não podemos afirmar que a meeira é proprietária de metade de todos os bens, e, sim, que ela passa a ter o direito de metade do patrimônio, ou seja, do monte mor.

Desse modo, no momento em que é aberta a sucessão, a meação e a herança tornam-se uma universalidade de bens, passível de qualquer tipo de destinação pelos herdeiros e meeira, desde que em comum acordo. Tanto é assim, que a meação não precisa ser paga exatamente com a metade de todos os bens, pois a viúva meeira e os herdeiros podem partilhar da forma que quiserem, podendo a meação ser paga, por exemplo, somente com os bens de tal cidade, ou com todos os bens móveis, com a totalidade do usufruto dos bens, ou, de inúmeras outras maneiras, a critério dos interessados (meeira e herdeiros).

No entanto, o grande dilema é que a cessão só cabe para coisas incorpóreas, enquanto as coisas corpóreas devem ser objeto de compra e venda, permuta, dação em pagamento ou doação. Os que defendem que não cabe cessão da meação, entendem ser a meação coisa corpórea, e é exatamente aí que está o “X” da questão. Se o direito à sucessão aberta é considerado coisa incorpórea, e a sucessão aberta faz com que a meação seja integrada junto ao monte mor, a meação, nesse exato momento, perde sua característica de coisa corpórea, e passa a ser coisa incorpórea, pois não se pode separar até que seja feita a partilha.

Por certo, a meação, quando aberta a sucessão, não tem mais como ser certa e determinada, até que se proceda a partilha, dessa maneira, fica impossível que ela seja considerada como uma coisa corpórea, consequentemente seja objeto de doação, compra e venda etc. Posto isso, pensamos que, se ainda não foi feita a partilha dos bens, não há como se realizar uma doação da meação, pois ela não se separa da herança. Como a partilha é que põe fim à indivisibilidade dos bens, após a partilha não caberá mais cessão, e sim doação, pois aí a meação já está definida, e volta a ser coisa corpórea, assim como acontece com a própria herança.

Em qualquer das hipóteses, seja na cessão ou na doação, haverá a necessidade de recolhimento do ITCMD (Imposto de transmissão causa mortis e doação), exceto se o valor cedido ou doado estiver elencado nas hipóteses de isenções previstas na legislação tributária estadual.

Já no registro de imóveis, a cessão não é objeto de registro, ao menos no Estado de São Paulo; desse modo, assim como na existência de cessão de direitos hereditários, haverá somente um registro, que é o da partilha realizada no inventário. Assim, se a intenção da mãe é doar aos filhos, fazendo isso por cessão da meação, antes da partilha, estaria economizando um registro apenas, uma vez que o imposto de transmissão por doação seria recolhido tal como na doação posterior. Diferentemente do que foi alegado em algumas decisões, entendemos que essa cessão de meação é perfeitamente possível, e de maneira nenhuma estaria ofendendo o princípio da continuidade, pois se enquadraria na mesmíssima situação da cessão dos direitos hereditários, perante o registro imobiliário.

Por todo o exposto, em nossa humilde opinião, defendemos que o ato realizado depois de aberta a sucessão, e antes da partilha, não tem como ser outro, senão cessão de direitos de meação, assim como acontece com os direitos hereditários, uma vez que, aberta a sucessão, a totalidade dos bens é que vai ao monte mor, e essa se torna indivisível, não se podendo aferir o que é meação e o que é herança, até que se faça a partilha. E, por fim, entendemos que, se o ato de transmissão gratuita for depois da partilha, não há como ser chamado de cessão, pois aí sim, com os bens já determinados e devidamente partilhados, só poderá ser feita, a título gratuito, a doação.

Antes da partilha = cessão dos direitos de meação.

Após a partilha = doação dos bens, ou parte deles.

Assim entendemos, respeitando as opiniões contrárias.

João Francisco Massoneto Junior – Especializando em Direito Notarial e Registral pela USP – Ribeirão Preto (2019). Especialista em Direito Notarial e Registral, com formação para o magistério superior pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2012). Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR (2010). Bacharel em Direito pela Universidade Paulista de Ribeirão Preto-SP (2005). Preposto Substituto do Tabelião de Notas e Protesto de Monte Azul Paulista-SP, onde iniciou suas atividades em 1999.

Fonte: Blog do DG

De meu bem a meus bens: a discussão sobre partilha do patrimônio ao fim da comunhão parcial

​​Ninguém se casa pensando em separação. Salvo nas hipóteses em que o casal define previamente o regime de bens em um contrato – o chamado pacto antenupcial –, as relações conjugais normalmente não começam com uma discussão clara e precisa sobre o patrimônio comum que será formado e sua futura destinação.

A extinção da sociedade conjugal traz a necessidade de fazer a partilha, etapa frequentemente dolorosa – especialmente no regime de comunhão parcial de bens, em que tudo o que é conquistado durante a convivência pertence a ambos, mas aquilo que cada um já tinha antes da união continuou sendo o patrimônio particular de cada um.

Esse regime é o que prevalece quando o casal não define outro no pacto antenupcial, ou quando o regime eleito é declarado nulo por qualquer motivo.

Na hora da separação, o conhecimento das regras aplicáveis a cada regime patrimonial nem sempre basta para evitar conflitos sobre o que entra ou não entra na divisão. A jurisprudência dos colegiados de direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cobre uma enorme variação de aspectos nessa eterna discussão sobre “o que é meu, o que é seu” – ou, em linguagem jurídica, sobre o que se comunica ou não no regime da comunhão parcial.

Legis​​lação

Os artigos 1.658, 1.659 e 1.660 do Código Civil de 2002 (CC/2002) descrevem os bens sujeitos à partilha na comunhão parcial.

Segundo o Código Civil, quando aplicável o regime da comunhão parcial, comunicam-se todos os bens que sobrevierem ao casal, na constância da união (artigo 1.658), excetuando-se, porém, os bens que cada cônjuge possuir ao se casar e os adquiridos individualmente – por exemplo, mediante doação (artigo 1.659).

Já o artigo 1.660 estabelece que entram na comunhão os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges, e também os que forem adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior.

Em julgamento de 2016, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que, na sociedade conjugal, os bens adquiridos durante o casamento são de propriedade exclusiva do cônjuge que os adquiriu, e assim seguirá enquanto perdurar o matrimônio.

No entanto, após a dissolução do casamento, qualquer dos cônjuges tem o direito à meação, e este é um efeito imediato, segundo o ministro, de requerer a partilha dos bens comuns, sobre os quais tinha apenas uma expectativa de direito durante o desenrolar do matrimônio.

“Em regra, o regime da comunhão parcial de bens conduz à comunicabilidade dos adquiridos onerosamente na constância do casamento, ficando excluídos da comunhão aqueles que cada cônjuge possuía ao tempo do enlace, ou os que lhe sobrevierem na constância dele por doação, sucessão ou sub-rogação de bens particulares”, destacou o ministro.

Salomão acrescentou que tal entendimento é exatamente o que se depreende do artigo 1.658 do CC/2002: “No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes”.

Para o ministro, esse artigo exterioriza exatamente o princípio segundo o qual são comuns os bens adquiridos durante o casamento, a título oneroso, tendo em vista a aquisição por cooperação dos cônjuges.

“Assim, excluem-se aqueles levados por qualquer dos cônjuges para o casamento e os adquiridos a título gratuito, além de certas obrigações”, acrescentou, destacando que a enumeração das situações está no artigo 1.659 do CC/2002.

Verbas trabal​​histas

Para o STJ, as indenizações referentes a verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do casamento comunicam-se entre os cônjuges e integram a partilha de bens.

Seguindo o entendimento firmado na jurisprudência da corte, a Terceira Turma confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que consignou que os créditos adquiridos na constância do casamento – ainda que decorrentes do trabalho pessoal de um dos cônjuges – são partilháveis com a decretação do divórcio.

No caso julgado, as verbas trabalhistas originaram-se de precatório no valor de quase R$ 1 milhão, e o tribunal entendeu que o crédito trabalhista foi gerado durante o período da constância do casamento; por isso, integraria o conjunto de bens adquiridos durante a união matrimonial, sendo passível de partilha.   

“A orientação firmada nesta corte é no sentido de que, nos regimes de comunhão parcial ou universal de bens, comunicam-se as verbas trabalhistas correspondentes a direitos adquiridos na constância do casamento, devendo ser partilhadas quando da separação do casal”, destacou o ministro Moura Ribeiro, relator do caso.

Crédito prev​​idenciário  

O crédito previdenciário decorrente de aposentadoria pela previdência pública, ainda que tenha sido recebido apenas após o divórcio, também integra o patrimônio comum a ser partilhado, nos limites dos valores correspondentes ao período em que o casal ainda permanecia em matrimônio sob o regime da comunhão parcial de bens.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) segundo o qual, no regime de comunhão parcial, não seria cabível a partilha de valores decorrentes de ação previdenciária, nos termos do artigo 1.659 do CC/2002.

“Tal qual nas hipóteses de indenizações trabalhistas e de recebimento de diferenças salariais em atraso, a eventual incomunicabilidade dos proventos do trabalho geraria uma injustificável distorção, em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens reservados, frutos de seu trabalho, e o outro não poderia tê-los porque reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Ela apontou a existência de consenso entre as turmas de direito privado do STJ no sentido da comunhão e da partilha de indenizações trabalhistas correspondentes a direitos adquiridos na constância do vínculo conjugal, ainda que a quantia tenha sido recebida após a dissolução do casamento ou da união estável.

De acordo com a ministra, é preciso dar à aposentadoria pelo regime geral o mesmo tratamento dispensado pelo STJ às indenizações trabalhistas, às verbas salariais recebidas em atraso e ao FGTS – ou seja, devem ser objeto de partilha ao fim do vínculo conjugal.

Imóv​eis

Para o STJ, na separação e no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa empecilho automático ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco.

O entendimento foi confirmado pela Segunda Seção em julgamento de processo que envolveu pedido de fixação de aluguel pelo uso exclusivo do único imóvel do casal por um dos ex-cônjuges. 

Segundo o relator, ministro Raul Araújo, o Código Civil de 2002 buscou proteger a pessoa nas relações privadas à luz dos princípios basilares da socialidade, operabilidade e eticidade, abandonando a visão excessivamente patrimonialista e individualista do código anterior.

“Exige-se, por meio do princípio da boa-fé objetiva – cláusula geral do sistema –, um comportamento de lealdade e cooperação entre as partes, porquanto aplicável às relações familiares. Impõe-se, dessa forma, o dever de os cônjuges cooperarem entre si, o que deve ser entendido também no sentido de não impedirem o livre exercício das faculdades alheias”, observou.

Para Raul Araújo, uma vez homologada a separação judicial do casal, a mancomunhão, antes existente entre os ex-cônjuges, transforma-se em condomínio, regido pelas regras comuns da compropriedade, e que admite a indenização.

“Admitir a indenização antes da partilha tem o mérito de evitar que a efetivação desta seja prorrogada por anos a fio, relegando para um futuro incerto o fim do estado de permanente litígio que pode haver entre os ex-cônjuges, senão, até mesmo, aprofundando esse conflito, com presumíveis consequências adversas para a eventual prole”, destacou o ministro.

FG​​TS

Ao analisar partilha decorrente da dissolução de casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial, a Segunda Seção estabeleceu tese sobre a inexistência de direito à meação dos valores depositados em conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) anteriormente ao matrimônio.

No julgamento do recurso, o colegiado também definiu que os valores depositados em conta do FGTS na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial integram o patrimônio comum do casal, ainda que não sejam sacados imediatamente após a separação. 

De acordo com o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, pertencem ao patrimônio individual do trabalhador os valores recebidos a título de fundo de garantia em momento anterior ou posterior ao casamento.

Contudo, durante a vigência da relação conjugal, o ministro entendeu que os proventos recebidos pelos cônjuges – independentemente da ocorrência de saque – “compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não”.

Salomão lembrou que o titular do FGTS não tem a faculdade de utilizar livremente os valores depositados na conta ativa, estando o saque submetido às possibilidades previstas na Lei 8.036/1990 ou estabelecidas em situações excepcionais pelo Judiciário.

Segundo o ministro, os valores a serem repartidos devem ser “destacados para conta específica, operação que será realizada pela Caixa Econômica Federal, agente operador do FGTS, centralizadora de todos os recolhimentos, mantenedora das contas vinculadas em nome dos trabalhadores, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário e, consequentemente, providenciada sua meação”.

Previdênci​​a privada

Por outro lado, segundo o STJ, o benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união estável regida pela comunhão parcial.

Isso porque, segundo o colegiado, o benefício de previdência privada fechada faz parte do rol das exceções do artigo 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é excluído da partilha em virtude da dissolução da união estável, que observa, em regra, o regime da comunhão parcial dos bens.

O entendimento foi firmado pela Terceira Turma em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão que negou a ex-companheira a partilha de montante investido pelo ex-companheiro em previdência privada fechada.

Para o relator, ministro Villas Bôas Cueva, a legislação exclui da comunhão pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Segundo o ministro, a previdência privada fechada se enquadra no conceito de “renda semelhante”, por se tratar de uma espécie de pecúlio, bem personalíssimo.

O ministro destacou também que o resgate antecipado poderia comprometer o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de previdência.

Segundo ele, “tal verba não pode ser levantada ou resgatada ao bel-prazer do participante, que deve perder o vínculo empregatício com a patrocinadora ou completar os requisitos para tanto, sob pena de violação de normas previdenciárias e estatutárias”.

Villas Bôas Cueva consignou ainda que, caso o regime de casamento fosse acrescentado ao cálculo, haveria um desequilíbrio do sistema como um todo, “criando a exigência de que os regulamentos e estatutos das entidades previdenciárias passassem a considerar o regime de bens de união estável ou casamento dos participantes no cálculo atuarial, o que não faz o menor sentido, por não se estar tratando de uma verba tipicamente trabalhista, mas, sim, de pensão, cuja natureza é distinta”.

Os números dos processos mencionados não são divulgados em razão de segredo judicial.

FONTE: STJ – NOTÍCIAS

ARTIGO – O Coronavírus, a quebra antecipada não culposa de contratos e a revisão contratual: o teste da vontade presumível

Carlos E. Elias de Oliveira*

EMENTA

  1. O texto defende a possibilidade de quebra antecipada não culposa de contratos por conta do ambiente excepcional de transtorno causado pela pandemia do coronavírus. Advoga, porém, que se deve preferir a revisão contratual, se tal for viável sem grandes prejuízos às partes, tudo em nome do princípio da conservação do negócio jurídico. Excepciona hipóteses de contratos com cláusula contratual bem específica em contrário ou de contratos aleatórios que inclua as contingências próprias dessa epidemia dentro da sua zona de risco.
  2. Para tanto, o texto trata das exceções de pré-vencimento (exceção de inseguridade e quebra antecipada do contrato), das regras legais e voluntárias de interpretação e de integração (à luz das alterações feitas pela Lei da Liberdade Econômica) e do teste de vontade presumível. Aponta, ainda, como vias alternativas, a teoria da imprevisão e a teoria da perda da base do negócio jurídico.

1.      Introdução

Este pequeno artigo se destina a responder a esta pergunta: são lícitos ou não o rompimento antecipado de contratos ou a alteração das suas condições (revisão contratual) em razão dos transtornos causados no Brasil pela pandemia do coronavírus?

Nessa questão, remete-se não a apenas a contratos feitos com consumidores (como contratos de viagens), mas também a contratos não regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

2.      Contexto fático de transtornos causados pelo coronavírus

Março de 2020.

Os Estados Unidos fecharam as fronteiras para voos procedentes da Europa[1].

A Itália relembra, “na própria pele”, uma das maiores tragédias de sua história, ocorrida no ano 79 d.C.: a erupção do vulcão Vesúvio, que dizimou a cidade de Pompeia. A cena é desoladora: excessos de corpos para ser enterrados[2], superlotação de hospitais[3], corpos já sem a alma abandonados em uma casa com a esperança de, um dia, ser honrado na famosa cerimônia do último adeus[4].

Os cidadãos de vários países devoram as gôndolas dos supermercados para fazer estocagem de alimentos, como que a se preparar para o Apocalipse.

Inúmeros outros países impõem medidas de controle de entrada e saída de pessoas, de confinamento obrigatório (“quarentena”) e de suspensão de atividades que conglomeram pessoas.

O coronavírus, cuja estreia aterrorizadora ocorreu na cidade chinesa de Wuhan, está cavalgando nas asas do vento para perturbar a tranquilidade de todas nações do Planeta.

Apesar de se tratar de um antígeno com pouco índice de mortalidade (alguns debocham chamando-o de uma simples gripe) e com maior ameaça a idosos, a velocidade de contágio do coronavírus é incrível, criando uma demanda por assistência hospitalar além da capacidade dos governos. Grande parte das mortes se deve à falta de infraestrutura para satisfazer a abrupta demanda.

No Brasil, o cenário não é tão diferente.

Em 16 de março de 2020, já há a confirmação de 200 contaminações[5].

No Estado de Rio de Janeiro, estima-se que, se as pessoas não permanecerem em casa, haverá cerca de 24 mil casos de contaminação em apenas um mês[6]

Em vários Estados brasileiros, aulas foram suspensas, academias foram proibidas de funcionar, eventos foram cancelados etc[7].

Os impactos econômicos são inegáveis. A Bolsa de Valores passou por um verdadeiro banho de sangue, com o preço de várias ações despencando em queda livre. Restaurantes, shoppings e comércios estão esvaziados. A população se recolhe à sua casa e evita as ruas.

3.      Quebra antecipada de contrato sem culpa e as regras de interpretação e integração contratual

3.1.           Delimitação do problema

Diante do cenário de tragédia desenhado pelo coronavírus, inúmeros contratos perderam totalmente a utilidade para, ao menos, uma das partes.

Vários brasileiros, atendendo às recomendações estatais, preferem não sair de casa e inúmeros eventos são cancelados, o que, por exemplo, faz perder totalmente a utilidade de contratos que tenham sido firmados para viagens.

Com o brutal esfriamento da economia e do comércio, tornam-se absolutamente desinteressantes o início ou a expansão de vários tipos de novas atividades empresariais ou de novos investimentos, o que esvazia a utilidade de eventuais contratos de parceria.

Nesse ambiente, vamos à pergunta central deste pequeno artigo: a parte que perdeu a interesse no objeto do contrato por conta do ambiente tempestuoso causado pelo coronavírus pode ou não pedir a resolução ou a revisão do contrato?

A resposta, ao nosso aviso, é positiva, salvo se houver cláusula contratual bem específica em contrário ou se se tratar de um contrato aleatório que tenha os percalços de uma pandemia como abrangido pela álea.

Por conta dos limites deste artigo, seremos o mais breve possível na exposição dos conceitos teóricos pertinentes.

3.2.           Regras de interpretação e integração contratual

Todos os contratos, por serem obras humanas, são vulneráveis a ter lacunas. É humanamente impossível[8] ou, no mínimo, é totalmente impraticável prever, em cláusulas contratuais, todas as infinitas variações do casuísmo futuro. Se tal fosse possível, os contratos se instrumentalizariam em infindáveis calhamaços de folhas.

Por isso, o nosso ordenamento disponibiliza meios de interpretação e de integração de contratos, de modo a guiar o jurista na definição do alcance das cláusulas contratuais (interpretação) e no preenchimento de lacunas (integração).

As regras legais de interpretação são as que decorrem de lei e só podem ser utilizadas quando não houver regra voluntária de interpretação contratual em contrário. Em suma, elas estão nos incisos do § 1º do art. 113 do CC e no art. 112. Devem ser aplicadas cumulativamente e podem ser assim listadas[9]:

a) Regra do contra proferentem (art. 113, § 1º, IV): na dúvida, prevalece a interpretação favorável a quem não redigiu a cláusula contratual, ou seja, prevalece a interpretação contrária a quem a redigiu, ou seja, contrária a quem a proferiu (daí o nome doutrinário “regra do contra proferentem”).

b) Regra da vontade presumível (art. 113, § 1º, V): na dúvida, deve-se adotar a interpretação compatível com a vontade presumível das partes, levando em conta a racionalidade econômica, a coerência lógica com as demais cláusulas do negócio e o contexto da época (“informações disponíveis no momento” da celebração do contrato). Essa regra está conectada com o inciso II do art. 421-A do CC, que prevê o respeito à alocação de riscos definida pelas partes de um contrato.

c) Regra da confirmação posterior (art. 113, § 1º, I): a conduta das partes posteriormente ao contrato deve ser levada em conta como compatível com a interpretação adequada do negócio.

d) Regra da boa-fé e dos costumes (art. 113, § 1º, II e III): deve-se preferir a interpretação mais condizente com uma postura de boa-fé das partes e com os costumes relativos ao tipo de negócio.

e) Regra da primazia da intenção (art. 112): deve-se priorizar a intenção das partes em detrimento do sentido literal das palavras no momento da interpretação de um negócio jurídico.

As regras voluntárias de interpretação são as pactuadas pelas partes e, em princípio, devem prevalecer sobre as regras legais de interpretação por força dos arts. 113, § 2º, e 421-A, § 1º, CC. Por exemplo, poderiam as partes pactuar que, no caso de dúvida interpretativa, prevalecerá aquela mais lucrativa economicamente para uma das partes. Poderiam, até mesmo, num exemplo cerebrino, pactuar que, havendo dúvidas interpretativas, as partes decidirão com base na sorte (como por meio do jogo da “cara ou coroa”) a interpretação a prevalecer. Podem também estabelecer que deve prevalecer o sentido literal das palavras em detrimento da busca pela intenção das partes, tudo de modo a afastar a regra legal interpretativa da primazia da intenção prevista no art. 112 do CC.

Por outro lado, quando há lacuna no contrato, devemos nos valer de regras de integração, as quais podem ser divididas em duas espécies: as legais e as voluntárias.

As regras legais são as que decorrem de lei, são aplicadas apenas quando não houver critérios voluntários em sentido diverso e podem ser resumidas em duas hipóteses: (1) a aplicação das normas dispositivas ou cogentes[10]; ou, na sua falta, (2) a aplicação, por analogia e com adaptações, tanto dos meios de integração legal previstos no art. 4º da LINDB quanto das regras interpretativa da vontade presumível, da confirmação posterior e da boa-fé.

Explica-se.

Diante de uma lacuna contratual, se não houver normas dispositivas ou cogentes que a preencham, o caso é de aplicar, por analogia e com as devidas adaptações (mutatis mutandi), tanto os critérios de integração previstos para lacunas na lei (art. 4º, LINDB) quanto as supracitadas regras legais de interpretação contratual.

De um lado, os critérios de integração previstos para lacunas legais são a analogia, o costume e os princípios gerais de direito. Entretanto, na condição de método de integração contratual, esses critérios teriam de sofrer adaptações.

A analogia deve ser entendida como: (1) a utilização de uma ou mais cláusulas similares do mesmo contrato; ou, (2) no caso de inexistirem cláusulas contratuais análogas, a utilização de uma ou mais normas dispositivas ou cogentes similares.

O costume deve ser tomado como a aplicação da experiência prática habitual envolvendo a situação omissa no contrato. Deve-se observar qual é o costume na definição das regras em contratos similares na mesma região. Devem-se prestigiar contratos similares firmados entre as mesmas partes, se houver.

Os princípios gerais de direito devem ser considerados como a incidência das noções de justiça colhidas da história do Direito para preencher o vazio contratual[11].

Não há hierarquia absoluta entre esses três métodos integrativos. A hierarquia é relativa: embora preferencialmente deva-se seguir a ordem (analogia, costumes e princípios gerais de direito), ela pode ser flexibilizada no caso concreto em nome da vontade presumível das partes, da confirmação posterior, da boa-fé e a primazia da intenção das partes.

E há motivos para tanto. É que, no manuseio de um contrato, deve-se prestigiar a vontade, ainda que presumível, das partes, de maneira que, havendo omissão na redação contratual, deve-se buscar preferencialmente a solução em outras cláusulas contratuais similares (analogia). Em não havendo nada semelhante no texto contratual, deve-se recorrer aos fatos (costumes) ou, à falta destes, aos princípios gerais de direito. Essa ordem preferencial, porém, pode ser flexibilizada se tal for necessário para alinhar-se à vontade presumível das partes (racionalidade econômica, coerência lógica com cláusulas contratuais e contexto da época do contrato), ao comportamento adotado pelas partes posteriormente ao contrato, à boa-fé ou à primazia da intenção das partes.

As regras voluntárias de integração contratual são as decorrentes de pacto expresso das partes e devem ser aplicadas prioritariamente, afastando regras legais de integração em sentido diverso. De fato, nada impede que as próprias partes estabeleçam como será feito esse suprimento de lacunas do texto contratual.

Isso decorre da autonomia da vontade e, por isso, nem precisaria de autorização legal expressa. Todavia, ainda que fosse desnecessário, por questões didáticas, o legislador decidiu deixar clara essa possibilidade por meio da Lei da Liberdade Econômica, que acresceu ao Código Civil a expressa permissão para as partes estabelecerem as suas próprias regras de integração e de preenchimento de lacunas dos negócios jurídicos (art. 113, § 2º, CC).

A título de exemplo de regras voluntárias, podemos citar uma cláusula por meio da qual as partes estabelecem que, em havendo lacuna no contrato, deverá ser: (1) aplicada cláusula similar prevista em outros contratos anteriores já firmados entre as mesmas partes ou entre partes concorrentes; (2) adotada uma solução que não implique despesas adicionais ou desfalques financeiros a apenas uma das partes; (3) observado o costume no mercado envolvendo negócios semelhantes; (4) consultada uma determinada pessoa para indicar a regra que colmatará o contrato.

3.3.           Exceções de pré-vencimento: a quebra antecipada do contrato e a exceção de inseguridade

No período compreendido entre a data do nascimento do contrato e o vencimento da prestação, não há um “vazio prestacional” (como se o devedor não tivesse nenhuma prestação a cumprir antes do vencimento), ao contrário do que se pensava antigamente com base em uma concepção tradicional e estática das obrigações.

Com a moderna concepção de obrigação como processo – visão mais dinâmica e finalística da obrigação –, tanto o devedor quanto o credor têm de, desde o nascimento do contrato, praticar vários atos necessários a garantir, ao final, o cumprimento adequado da prestação, tudo à luz da boa-fé objetiva. Entre esses vários atos, estão todos aqueles decorrentes dos deveres anexos.

Se, durante a relação contratual, o devedor adotar condutas que possam ameaçar o êxito futuro do cumprimento da obrigação, poderá o credor adotar medidas prévias ao vencimento da obrigação[12], mais especificamente estas duas: a exceção de inseguridade (art. 477 do Código Civil – CC) ou a quebra antecipada do contrato (doutrina e aplicação analógica dos arts. 395, parágrafo único, 475 e 477 do CC).

Chamamos essas duas hipóteses de “exceções pré-vencimento”, pois são espécies de defesas (= exceções) utilizadas precocemente, antes do vencimento da obrigação.

Trataremos aqui, com brevidade, apenas da quebra antecipada do contrato.

É preciso ter cuidado com a nomenclatura. Apesar de a maior parte da doutrina não fazer a distinção, consideramos haver uma categoria geral chamada “quebra antecipada do contrato lato sensu”, da qual estas são espécies:

É que a quebra antecipada pode decorrer de um fato superveniente causado por culpa da parte ou não.

Se decorrer de culpa, aí é adequado chamar essa quebra antecipada de “inadimplemento antecipado” ou de “inadimplemento antes do termo”.

Se, porém, não houver culpa da parte, não há falar em “inadimplemento antecipado” ou de “inadimplemento antes do termo”, pois aí não há inadimplemento! A ruptura precoce do contrato aí deve ser chamada apenas de “quebra antecipada do contrato lato sensu”.

Reconhecemos que grande parte da doutrina não faz a distinção acima e prefere utilizar a expressão quebra antecipada do contrato apenas para as hipóteses de haver culpa da parte, ao passo que a resolução prematura do contrato por fato superveniente fortuito é tratada como um fenômeno em apartado.

O pressuposto da quebra antecipada do contrato é o de que, antes do vencimento, por um fato superveniente, o objeto do contrato, na sua exata dimensão, tenha-se tornado impossível ou inútil. Quando se afirma “na sua exata dimensão”, está-se referir também ao cumprimento dos deveres anexos, como o de proteção, o de segurança e o de conforto.

3.4.           O teste da vontade presumível

A quebra antecipada do contrato pode decorrer da violação de deveres anexos, mas é preciso analisar o caso concreto para verificar a razoabilidade dessa medida. Esse juízo abre um espaço não cartesiano para o intérprete. O jurista terá de valer-se de um juízo de razoabilidade que avalie a legítima expectativa do indivíduo médio. E, para tanto, sugerimos o que designamos de teste da vontade presumível.

Por esse teste, o jurista deverá responder a esta pergunta:

– à luz do contexto da celebração do contrato, se as partes tivessem, de antemão, previsto um problema que surgiria por uma futura conduta de uma das partes, elas teriam, no próprio instrumento, autorizado a ruptura do contrato?

Se a resposta for sim, é cabível a quebra antecipada do contrato. Se a resposta for negativa, não há nenhum dever anexo violado.

A resposta deverá ser feita à luz da regra da vontade presumível, que é extraída do contexto do negócio e da racionalidade econômica, conforme art. 113, § 1º, V, do CC.

A título ilustrativo, se um pai matricula um filho menor em uma escola que, posteriormente, vem a ser envolvida em graves escândalos de assédios sexuais praticados por professores contra alunos dentro do estabelecimento, é cabível a quebra antecipada do contrato. O teste da vontade presumível chancela isso, pois a resposta certamente seria positiva a esta indagação: “o pai, se tivesse previsto esse problema futuro, teria colocado, no contrato, uma cláusula permitindo a resolução contratual no caso de envolvimento da escola em um escândalo como esse?”

O teste da vontade presumível é uma ferramenta que auxilia o jurista a decidir se é ou não cabível a quebra antecipada do contrato.

Aliás, esse teste pode ser útil para o preenchimento de outras lacunas contratuais. Com efeito, por conta da racionalidade limitada imposta a todas as obras humanas, é inviável que as partes, de antemão, consigam disciplinar, no instrumento contratual, as infinitas variações do casuísmo futuro, de maneira que todo contrato tem lacunas (ainda que pequenas) e precisa de meios de integração. Além do mais, se fosse viável o exercício perfeito de uma futurologia, os instrumentos contratuais seriam volumosíssimos “livros”, os quais, de tão grandes, seriam insondáveis na prática, o que seria um despropósito. Por isso, em todo e em qualquer contrato, há necessidade de preencher suas lacunas por meio de meios de integração. O teste da vontade presumível é uma ferramenta útil para preencher essas lacunas, inclusive as relativas à admissibilidade da quebra antecipada do contrato.

3.5.           da aplicação ao caso concreto: cabimento da quebra antecipada do contrato por impossibilidade superveniente do objeto

O aprofundamento dos conceitos teóricos supracitados ficará para outra oportunidade em razão dos limites deste artigo. O que foi averbado até agora basta.

Os transtornos causados pelo coronavírus inegavelmente esvaziou a utilidade do objeto de vários contratos e tornou impossível o cumprimento dele na sua exata dimensão. Ainda que, em alguns casos, haja possibilidade material de cumprimento da prestação principal, é certo que, em muitas situações, o cumprimento de deveres anexos não é mais viável.

Por exemplo, no caso de um contrato de turismo para o consumidor passar o mês de março na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, os deveres anexos de proteção, de segurança e de conforto (que implicitamente estão nesses contratos) não podem ser mais cumpridos: a agência de turismo não tem como proteger o consumidor do risco de contaminação com o coronavírus nem do desconforto causado pela sensação de pânico causado pela sua exposição a esse antígeno.

Outro exemplo: se alguém tinha se comprometido a investir milhões de reais no mês de março para começar um restaurante, é inegável que a outra parte (o “sócio indústria”) não terá condições de cumprir o dever anexo de garantir relativa segurança ao investidor, pois houve colossal esfriamento do comércio com as medidas de isolamento das pessoas por conta do coronavírus.

Há inúmeros contratos que perderam sua utilidade ou cujo objeto, na sua exata dimensão (considerando os deveres anexos), se tornou impossível antes do vencimento por um fato superveniente e fortuito: a pandemia do coronavírus. Isso, pois, autoriza a quebra antecipada não culposa do contrato, salvo se houvesse cláusula contratual bem específica em sentido contrário ou se se tratasse de contrato aleatório que incluísse essa epidemia dentro da sua zona de risco.

Em todos esses contratos, pode-se considerar, como cláusula implícita, a possibilidade de ruptura precoce do contrato diante da excepcionalidade causada pelo coronavírus. A regra da vontade presumível, que serve não apenas como meio de interpretação, mas também de integração contratual, credencia essa ilação.

Ademais, em nome do princípio da conservação do negócio jurídico, se, no caso concreto, por um juízo de razoabilidade, for verificado que o contrato poderia ser mantido com alterações de suas condições sem grande prejuízo às partes, essa alternativa de “revisão contratual” deve ser escolhida no lugar da quebra antecipada do contrato. Nos exemplos acima, se se entender que o adiamento, para depois da crise do coronavírus, da viagem para o Rio de Janeiro ou da data do aporte do investimento for considerada uma medida razoável para conciliar os interesses de ambas as partes, deve ser mantido o contrato de turismo ou de investimento com essa alteração das condições contratuais.

Por fim, o que chamamos de “teste da vontade presumível” também chancelaria essa conclusão: se as partes tivessem, de antemão, previsto a pandemia, elas certamente teriam autorizado a ruptura ou a revisão do contrato ou, no mínimo, teriam estipulado outras condições contratuais (o preço, por exemplo, provavelmente seria outro diante da assunção do risco da pandemia por qualquer das partes).

3.6.           Um outro caminho

Tudo quanto foi exposto poderia chegar a um resultado similar se percorrêssemos o caminho da teoria da imprevisão[13] [14] (art. 478, CC) e da quebra da base do contrato[15], sustentando que, com os transtornos causados pelo coronavírus, vários contratos se tornaram excessivamente onerosos para uma das partes ou perderam a sua base de justificação. Deixamos de detalhar essa via alternativa por entendermos suficiente a que foi enfocada neste caso.

4.      Conclusão

O ambiente de transtorno causado pelo coronavírus autoriza a quebra antecipada não culposa de contratos cuja utilidade tenha se esvaziado ou cujo cumprimento, na sua exata dimensão (com inclusão dos deveres anexo de proteção, de segurança e de conforto), tenha se tornado impossível. A exceção corre à conta de haver cláusula bem específica em sentido contrário ou de se tratar de contrato aleatório que, na sua zona de risco, inclua os transtornos causados pela indesejada pandemia.

Se, porém, por um juízo de razoabilidade, for viável manter o contrato com alterações negociais (revisão contratual) sem grandes prejuízos às partes, deve-se preferir essa via em razão do princípio da conservação do negócio jurídico.

O teste da vontade presumível é recomendável para avaliar os casos concretos.

Data: 16 de março de 2020

*Currículo: (Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na Universidade de Brasília – UnB –, no IDP/DF, na Fundação Escola Superior do MPDFT – FESMPDFT, no EBD-SP, na Atame do DF e de GO e em outras instituições.Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro. E-mail: carloseliasdeoliveira@yahoo.com.br).


[1] Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/trump-anuncia-suspensao-de-voos-da-europa-aos-eua-para-conter-coronavirus/. Publicado em 12 de março de 2020.

[2] Ainda que possa haver certa hipérbole na manchetes jornalísticas, as dificuldades na gestão dos cadáveres em algumas cidades italianas são um fato (Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/italia-tem-excesso-de-corpos-apos-coronavirus-e-cadaveres-chegam-ficar-24h-em-casa.shtml. Publicado em 11 de março de 2020.

[3] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/italia-tem-excesso-de-corpos-apos-coronavirus-e-cadaveres-chegam-ficar-24h-em-casa.shtml. Publicado em 11 de março de 2020.

[4] Disponível em: https://observador.pt/2020/03/12/ator-italiano-ficou-36-horas-com-o-cadaver-da-irma-em-casa-nao-e-caso-unico/. Publicado em 12 de março de 2020.

[5] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-16/ultimas-noticias-sobre-o-coronavirus.html. Publicada em 16 de março de 2020.

[6] Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/16/rj-pode-chegar-a-24-mil-casos-de-coronavirus-em-um-mes-se-medidas-de-prevencao-nao-forem-respeitadas.ghtml. Publicada em 16 de março de 2020.

[7] Citamos, a título exemplificativo, o caso do Distrito Federal (Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/03/15/coronavirus-gdf-bloqueia-passe-livre-durante-recesso-nas-escolas-e-proibe-funcionamento-de-academias.ghtml. Publicada em 15 de março de 2020).

[8] A racionalidade humana é limitada.

[9] A enumeração é fruto da transcrição deste nosso texto com o acréscimo da regra da primazia da intenção sobre o sentido literal (OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. A Lei da Liberdade Econômica: diretrizes interpretativas da nova Lei e Análise detalhada das mudanças no Direito Civil e no Registros Públicos. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados. Elaborado em 21 de setembro de 2019).

[10] As normas cogentes servem para suprir lacunas contratuais (integração contratual) ou para gerar a nulidade daquelas cláusulas que a contrariarem (invalidação).

[11] Aqui, além dos clássicos princípios gerais de direito (como a vedação ao enriquecimento sem causa), há também os princípios do aviso prévio a uma sanção, o princípio da proteção simplificada do agraciado e o princípio da proteção simplificada do luxo. Sobre o tema, reportamo-nos a estes textos nossos:

– OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. O princípio da proteção simplificada do luxo, o princípio da proteção simplificada do agraciado e a responsabilidade civil do generoso. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Dezembro/2018 (Texto para Discussão nº 254). Disponível em: www.senado.leg.br/nepleg. Acesso em 4 dezembro 2018.

– ____________________________. O Princípio do Aviso Prévio a uma Sanção no Direito Civil Brasileiro. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Maio/2019 (Texto para Discussão nº 259). Disponível em: www.senado.leg.br/nepleg. Acesso em 30 de maio de 2019.

[12] MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no direito brasileiro. In: Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 207.

CUNHA, Raphael Augusto. O Inadimplemento na Nova Teoria Contratual: o inadimplemento antecipado do contrato. Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ano: 2015, p. 116.

ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013, p. 330.

[13] Sobre a teoria da imprevisão, é de citação obrigatória esta lição do genial civilista Flávio Tartuce, dono de uma das melhores e mais ricas coleção de Direito Civil na atualidade (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro: Forense, 2020, pp. 208-209):

   (…) a teoria da imprevisão recebeu um novo dimensionamento pela doutrina francesa um pouco diferente de sua origem, que remonta à cláusula rebus sic standibus. Nesse contexto, nota-se que, para a aplicação da teoria, há a necessidade da comprovação dessas alterações da realidade, ao lado da ocorrência de um fato imprevisível e/ou extraordinário, sem os quais não há como invocá-la. Nelson Nery Jr. lembra que, no Direito Alemão, a teoria da imprevisão é denominada ainda como teoria da pressuposição (A base…, 2004, p. 61). De qualquer forma, alguns autores diferenciam a teoria da imprevisão da teoria da pressuposição. Ensina Otávio Luiz Rodrigues Junior que “a teoria da pressuposição de Bernard Windscheid (1902:394-395) é baseada na premissa de que, se alguém manifesta sua vontade em um contrato, o faz sob um determinado conjunto de pressuposições que, se mantidas, conservam a vontade e, se alteradas, exoneram o contratante” (Revisão…, 2006, p. 82).

[14] Sobre a revisão contratual, dificilmente se achará trabalho mais completo do que esta obra do enciclopédico civilista Otávio Luiz Rodrigues Junior: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão contratual: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2006.

[15] Sobre esses institutos, reportamo-nos a estes textos:

  1. FRITZ, Karina. Fim da união estável constitui quebra da base do negócio em doação. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/german-report/313511/fim-de-uniao-estavel-constitui-quebra-da-base-do-negocio-em-doacao. Publicado em: 22 de outubro de 2019.
  2. SÁ, Gisele de Andrade; RIBEIRO, Adriana Pecora; TRAMARIM, Erika. As teorias da imprevisão e da quebra da base do negócio jurídico como instrumento de resolução ou revisão do contrato. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/31732/as-teorias-da-imprevisao-e-da-quebra-da-base-do-negocio-juridico-como-instrumento-de-resolucao-e-revisao-dos-contratos. Publicado em 24 de outubro de 2006.

FONTE: http://www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados

É possível penhora de imóvel sem que proprietário tenha figurado na ação de cobrança de dívida condominial

Decisão é da 3ª turma do STJ.

A 3ª turma do STJ decidiu que o proprietário do imóvel gerador de débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado na fase de cumprimento de sentença, mesmo não tendo figurado no polo passivo da ação de cobrança. 

Uma proprietária buscava evitar a penhora do bem decorrente de condenação em ação de cobrança de cotas condominiais. A proprietária argumentou que o fato de a obrigação ser propter rem não a transforma em sujeito passivo da execução, pois não participou da formação do título executivo.

Em 1º grau, o pedido da proprietária foi rejeitado. Porém, o TJ/SP reconheceu a impossibilidade da penhora, sob o argumento de que seria inviável redirecionar a execução à pessoa que não figurou na relação jurídica originária.

No recurso ao STJ, o condomínio sustentou que, cada unidade imobiliária responde pelas suas despesas, independentemente de quem as originou ou da própria vontade do proprietário.

O recorrente argumentou também que, esgotados todos os meios para recebimento dos débitos e impedida a penhora, os demais condôminos ficariam claramente prejudicados, uma vez que os encargos seriam rateados entre eles, enquanto a devedora continuaria usufruindo de todos os serviços do condomínio.

Relatora, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo-se que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.

Para ela, a solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. “Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença”, disse.

Segundo Nancy Andrighi, a partir da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia do pagamento da dívida, dada a natureza propter rem da obrigação, pode-se admitir a inclusão do proprietário no cumprimento de sentença em curso.

Fonte: Migalhas

TJGO entende ser válida comunicação do devedor fiduciante por e-mail e mantém leilão de imóvel

O cartório usou o email informado pelo devedor no contrato para intimá-lo do leilão. Tal procedimento, usado em caso de inadimplemento de mútuo garantido por alienação fiduciária, foi considerado legal pelo TJGO.

É importante que o Judiciário responda rápida e com firmeza nesses casos, para que o instituto seja eficiente e consiga promover uma maior agilidade e segura da no mercado, o que reverbera, inclusive, nos juros trabalhados. Pois quanto maior o risco, com infundadas e demoradas demandas judiciais, menos o instituto garante o credor, e esse eleva os juros para valer a pena o seu “desgaste”.

Assim dispõe a Lei n. 9.514/97, com as alterações da Lei n. 13.465/2017:

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
[...]

§ 2o-A.  Para os fins do disposto nos §§ 1o e 2o deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.

Vejam a notícia do site “Rota Jurídica”:

É válida a comunicação dirigida ao e-mail de devedor fiduciante, ainda que não lida, informado as datas, horários e locais do leilão, conforme normativo incluído pela Lei 13.465/2017 na Lei 9.514/1997. Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) manteve sentença que rejeitou pedido de anulação de execução extrajudicial de garantia fiduciária de imóvel. A ex-proprietária do imóvel alegou que não foi notificada acerca de leilão do bem. Porém, após tentativas de notificação via correios, ela recebeu e-mail com as informações sobre a hasta pública.

A decisão é Terceira Turma Julgadora da 1ª Câmara Cível do TJGO. Os magistrados seguiram voto divergente do desembargador Orloff Neves Rocha. O banco e o atual proprietário do imóvel foram representados na ação pelos advogados Paulo Rafael Fenelon Abrão e Leonardo Leonel Rodrigues, do escritório Fenelon Abrão Advogados S/S.

A ex-proprietária do imóvel relata na ação que adquiriu o bem em abril de 2104 por meio de contrato de financiamento habitacional junto ao Banco Intermedium S/A. Posteriormente, as prestações não foram pagas porque ela ajuizou ação revisional. diante disso, a instituição financeira promoveu a consolidação da propriedade em seu favor, e realização os leilões públicos, em que o imóvel fora arrematado.

Ao ingressar com ação anulatória de execução extrajudicial de garantia fiduciária, a ex-proprietária argumentou a nulidade dos leilões pela ausência de sua intimação quanto aos mesmos e arrematação por preço vil. O pedido foi indeferido em primeiro grau, tendo em vista que foi comprovado que houve o envio da notificação referente aos leilões para o endereço residencial, bem como por meio eletrônico.

Ao analisar o recurso, o desembargador observou em seu voto que todo o procedimento previsto em lei foi cumprido pela instituição financeira. O telegrama dos correios sobre as datas do leilão não logrou êxito, não entregue pelo motivo “ausente”. Foram realizadas três diligências sem sucesso. De outro lado, o envio ao e-mail de informações sobre a data do leilão, recebido pela destinatária, mostra que a comunicação eletrônica, autorizada por lei, logrou êxito.

O magistrado explicou que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de ser cabível a purgação da mora mesmo após a consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário. Nesse contexto, mostra-se imprescindível a intimação pessoal do devedor acerca da realização do leilão extrajudicial. Sendo que a dispensa da intimação pessoal só é cabível quando frustradas as tentativas de realização deste ato, admitindo-se, a partir deste contexto, a notificação por edital.

Contudo, essa orientação não se aplica às execuções que correm na vigência da Lei 13.465/2017. A norma dispõe que, para fins de comunicação da data do leilão, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.

“A comunicação dirigida ao e-mail da devedora, ainda que não lida, informado as datas, horários e locais do leilão, cumpre o disposto no artigo 27, parágrafo 2º-A, da Lei 9.514/1997, normativo incluído pela Lei 13.465/2017 e em vigor à época dos fatos”, completou o desembargador em seu voto.

Processo 5040594.59.2018.8.09.0051

Fonte: Rota Jurídica

Fonte: 4º RI Goiânia

A certidão de batismo não pode ser o único documento hábil para comprovar a data de nascimento

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. REGISTRO DA DATA DE NASCIMENTO EQUIVOCADO. PROVA FRÁGIL. I- Afigura-se admissível a retificação de registro civil, nos termos do artigo 109, da Lei nº 6.015/73, desde que exista nos autos a prova cabal e incontroversa da existência de erro nele contido. 2. A certidão de batismo não é documento hábil para comprovar, por si só, a data de nascimento de uma pessoa, posto que desprovida de fé pública. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO. 6ª CC, AC nº 5096176-78.2017.8.09.0051, Rel. Des. WILSON SAFATLE FAIAD, DJ de 07/08/2019)

Negativa de assinatura pelo réu não é suficiente para anular perícia grafotécnica

Processo Nº: 0005836-21.2015.8.17.0990
Natureza da Ação: Usucapião
Requerente: Luciano Moraes e Silva
Requerido: JOSÉ TENÓRIO DE ALBUQUERQUE

Despacho: DECISÃO Vistos etc.Trata-se de pedido de realização de nova prova pericial formulado pelo autor Luciano Moraes e Silva à fl. 181. Passo a analisar os argumentos lançados pelo demandante.O peticionário discorda do laudo “uma vez que garante, com plena certeza, não ser sua autoria a assinatura aposta no documento utilizado como comparação (contrato de locação)”. Assevera que chamou sua atenção a ausência do Perito que assinou o laudo (José Moacir Moura de Albuquerque) quando da realização do exame. Diz ainda que, na grafia de seu sobrenome “Moraes”, jamais lançou a letra “M” como está apresentado no documento de comparação e isto deixou de ser observado pelo expert. Ademais, não há “contemporaneidade da assinatura aposta no documento utilizado como comparação (contrato de locação do ano de 2004) com a atual assinatura do Autor”.Quanto ao primeiro argumento do autor, o fato dele continuar negando categoricamente que a assinatura é sua, obviamente, não é motivo suficiente para anular a perícia, que foi realizada exatamente para dirimir a controvérsia instaurada a partir dessa negação do aludido litigante. Ou seja, se fosse para dar absoluta credibilidade à referida alegação do autor, a perícia sequer teria sido deferida.No tocante ao segundo argumento, como se vê no laudo pericial, o perito analisa a “qualidade geral do traçado”, o que envolve calibre, inclinação e demais aspectos descritos à fl. 157 no item V (análise técnica). Logo, a afirmação do autor de que jamais utilizou a letra “M” não tem o condão de invalidar a perícia, pois, como já expus, se fosse para dar total credibilidade às alegações autorais, este juízo prescindiria da prova técnica e resolveria a controvérsia apenas aceitando as colocações do referido litigante quanto à assinatura questionada. Relativamente ao terceiro argumento, não é obrigatório que o perito que colheu as assinaturas seja o mesmo que realizou a análise comparativa, inexiste problema nisso e trata-se de procedimento regular do órgão. No auto de colheita de material para exame grafotécnico às fls. 168 há identificação do perito que acompanhou o ato e no laudo grafoscópico tem-se as conclusões e identificação do perito que fez a análise comparativa, de modo que tudo realizado de forma adequada por peritos no exercício de seu munus. Por fim, o quatro e último argumento do autor atenta contra outra obviedade: não é necessária “contemporaneidade” entre as assinaturas analisadas pelo perito. Não há respaldo técnico científico para esse entendimento do autor e este juízo sequer imagina o que fez o litigante assim supor.Por tais motivos, indefiro o pedido e homologo ao laudo pericial grafoscópico às fls. 156/173. Considero a lide madura para julgamento. Assim, intimem-se as partes para suas alegações finais e dê-se vistas ao MP para sua intervenção final, voltando os autos conclusos, ao final, para sentença.Junte-se cópia do laudo nos autos do processo nº 0010933-02.2015.8.17.0990 para servir de prova emprestada, como já deliberado por este juízo naquele feito, juntando-se ainda a manifestação das partes sobre a perícia e a presente decisão homologatória.Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.Olinda, 17/10/2019. Adrianne Maria Ribeiro de Souza Juíza de Direito Juiz de Direito, Raquel Barofaldi Bueno (Auxiliar), Chefe de Secretaria: Danielle Kaline Soares Pires.

Fonte: DJe/PE 13.11.2019

PARTE DO JUDICIÁRIO JÁ ENTENDE QUE É POSSÍVEL A AUTORIZAÇÃO LIMINAR DO DIVÓRCIO

Curioso como o Judiciário por vezes busca soluções com a finalidade de gestão de passivo e agilização do trâmite processual e, por outras, esquiva-se de decidir, de plano, questões incontroversas, delongando desnecessariamente o período de tramitação de processos e pedidos que poderiam ser, desde logo, resolvidos.

Explica-se. Em algumas situações, com fundamento na elevada quantidade de processos e na alta taxa de congestionamento, o Poder Judiciário realiza interpretações de determinados institutos jurídicos, buscando viabilizar uma redução dos processos em tramitação ou uma maior celeridade dos feitos como, por exemplo, no uso mecânico de “precedentes”, embasado exclusivamente na aplicação de ementas descontextualizadas o que é facilmente constatado da análise do inteiro teor do julgado e de seus fundamentos determinantes.

Nessas hipóteses, a interpretação dada pelos tribunais é, inclusive, de duvidosa legalidade. Exemplo é o entendimento de algumas cortes no sentido de que seria possível a admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) em caráter preventivo, ou seja, sem a devida maturação da discussão nos tribunais, em uma interpretação incompatível com a própria natureza do instituto, previsto no artigo 927 do Código de Processo Civil[1]. Além disso, pode-se mencionar a vedação de acesso ao STJ e ao STF quando o recurso excepcional for inadmitido com fundamento em precedente firmado por tribunal superior[2].

Do mesmo modo, os inúmeros exemplos de jurisprudência defensiva, em que recursos deixam de ser admitidos, com fulcro em requisitos abusivos e, até mesmo, incompatíveis com a legislação vigente. É o que se depreende de casos em que recursos não foram conhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça com base na ausência de comprovação de feriado local, sem que fosse dada oportunidade à parte recorrente de comprovar posteriormente a tempestividade de recurso, em patente violação aos artigos 932, parágrafo único, e 1.029, parágrafo 3º, do CPC/2015, e aos princípios da primazia do mérito e da instrumentalidade das formas, que orientam a ótica processual inaugurada com o novo diploma legal. Igualmente, pode-se mencionar a interpretação dada ao artigo 489, do CPC, no sentido de inadmitir recursos que não observem o chamado “ônus da dialeticidade”, ou seja, que não tenham impugnado especificadamente todos os fundamentos da decisão guerreada[3].

Por outro lado, existem casos em que o direito das partes é evidente e incontroverso, admitindo a aplicação de técnicas para a resolução imediata do conflito, como as tutelas provisórias — de urgência e evidência — e o julgamento antecipado de mérito, previsto no artigo 355 do Código de Processo Civil, e os julgadores deixam de utilizar tais institutos, obrigando as partes a estenderem a lide por um longo intervalo de tempo[4].

É o que se depreende, por exemplo, de ações de divórcio. O direito ao divórcio somente passou a ser previsto como causa de dissolução do vínculo matrimonial por meio da Emenda Constitucional 9/1977, sendo a questão posteriormente disciplinada pela Lei 6.515/77. Na época, foram impostos diversos entraves para a concessão do divórcio, como a exigência de que as partes estivessem separadas de fato pelo prazo de cinco anos, a necessidade de comprovação da causa da separação e a possibilidade de um único divórcio.

A partir da Constituição da República de 1988, a dissolução do casamento foi facilitada, com a redução do lapso temporal exigido para a concessão do divórcio[5] e a dispensa de qualquer discussão atinente aos fatos ensejadores da ruptura do vínculo conjugal, ou seja, à culpa pela separação.

E, a partir de 2010, por meio da Emenda Constitucional 66/10, que deu nova redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da CF/88, o divórcio passou a depender de um único requisito, qual seja: a manifestação de vontade dos cônjuges, em atenção à autonomia privada das partes, restando eliminada a exigência de separação anterior.

Assim, o divórcio é um direito potestativo incondicionado, respaldado por norma constitucional, que o autoriza independentemente de qualquer prova ou condição, sendo dispensada, inclusive, a formação do contraditório, uma vez que o único elemento necessário à sua concessão é a manifestação de vontade de um dos cônjuges.

Constata-se, portanto que a cognição da ação de divórcio já se inicia com maturação suficiente para o deferimento da antecipação dos efeitos do pleito de dissolução do vínculo conjugal, de modo que não é razoável impor ao demandante o ônus de suportar a morosa tramitação do feito para que, só ao final, tenha apreciada sua pretensão, quando já houver manifestado inequívoco interesse em se divorciar.

Por esta razão, entende-se ser plenamente possível a concessão da tutela de evidência para que seja, liminarmente, decretado o divórcio entre as partes, com fulcro no artigo 311, incisos II e IV do Código de Processo Civil, tendo em vista a inconteste evidência do direito material do demandante, por se tratar de alegação comprovada apenas documentalmente (para tanto, basta a juntada da certidão de casamento e a manifestação de vontade da parte autora), com respaldo em norma de índole constitucional.

Perceba-se que o fundamento do instituto da tutela da evidência é assegurar a antecipação de efeitos em hipóteses nas quais há a presunção de uma cognição maturada pelas hipóteses normativas apresentadas no artigo 311, CPC. Na hipótese em comento, como já se evidenciou estamos diante de um quadro normativo mais inconteste ao se vislumbrar um direito potestativo previsto no texto constitucional, qual seja, o direito incondicionado de se divorciar.

Neste mesmo sentido, já se posicionou o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam)[6], que considera possível a concessão liminar do divórcio por meio da tutela de evidência, por ser este um direito potestativo que pode ser exercido unilateralmente por qualquer um dos membros do casal.

Ressalte-se que a concessão da medida liminar, nesta hipótese, vai ao encontro tanto dos ensejos da parte, que não mais anseia a vida comum, quanto do Judiciário, que, desde logo, poderá resolver o conflito entre os litigantes, ao menos neste aspecto.

Contudo, apesar de toda a matriz constitucional e legal ora exposta, já se conhece casos em que o pedido de tutela de evidência, formulado nos autos de ação de divórcio, foi indeferido, sob o fundamento de que não estariam presentes as hipóteses autorizadoras da medida, contidas no artigo 311, do CPC, postergando a análise do pleito incontroverso para após a formação do contraditório, em contrariedade aos anseios da parte, ao princípio da celeridade processual (artigo 4º, CPC) e aos próprios interesses de gestão do passivo processual do Poder Judiciário.

Felizmente, em que pese o entendimento mencionado acima, parte do Judiciário, atenta à ótica processual instaurada pelo Código de Processo Civil de 2015, bem como à normativa constitucional atinente à questão, já compreende que é plenamente possível a autorização liminar do divórcio. A propósito, vale mencionar julgados dos tribunais de Justiça de São Paulo[7], da Bahia[8] e do Paraná[9].

Por este mesmo motivo e, ainda, buscando reduzir a entrada de novos processos no Poder Judiciário, o Tribunal de Justiça de Pernambuco editou o Provimento 06/2019[10], para regular o chamado “divórcio impositivo”, possibilitando que mesmo o divórcio não consensual fosse obtido de forma unilateral, no cartório de registro civil em que foi registrado o casamento, instaurando nova hipótese de autotutela. De forma contraditória com os próprios anseios de aumento da eficiência do Judiciário, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou que o provimento fosse revogado, obstando o divórcio extrajudicial quando ausente consenso entre as partes.

Percebe-se, em síntese, que o Poder Judiciário adota uma postura paradoxal: em alguns casos, opta por interpretações restritivas de direitos assegurados em lei, buscando lidar com o quadro de litigância de massa constatado no país; em outros, deixa de resolver, de plano, pretensões fundadas em direitos assegurados constitucionalmente, delongando desnecessariamente a discussão e contribuindo para o próprio congestionamento de processos em trâmite nas cortes.

Certo que não existem soluções simplistas para lidar com o problema complexo da conjuntura atual do Poder Judiciário. Todavia, medidas pontuais podem contribuir, ainda que minimamente, para uma maior celeridade processual, assim como para melhor atender os interesses dos cidadãos em juízo, verdadeiros protagonistas do sistema processual.

Referências:

[1] Tratamos dos problemas do IRDR preventivo em outra sede. NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho Marques; WERNECK, Isadora Tófani Golçaves Machado; FREITAS, Laura . O perigo da utilização estratégica do IRDR por litigantes habituais e a necessidade dos tribunais refletirem sobre sua cooptação: a proibição do incidente preventivo e o caso samarco. In: Paulo Henrique dos Santos Lucon; Pedro Miranda de Oliveira. (Org.). Panorama atual do novo CPC 2. 1 ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, v. 2.
[2] Este entendimento prevaleceu no julgamento do AREsp 1.170.332/SP, em decisão monocrática proferida pelo ministro Luis Felipe Salomão. Esta questão foi abordada em: NUNES, Dierle. FREITAS, Marina Carvalho. O STJ e a necessidade de meios para superação dos precedentes. Revista Consultor Jurídico – CONJUR. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-22/opiniao-stj-meios-superacao-precedentes>.
[3] Fala-se mais detidamente sobre os problemas da interpretação do STJ em relação ao ônus da dialeticidade em: NUNES, Dierle. VIANA, Aurélio de Souza. Ônus da dialeticidade: nova “jurisprudência defensiva” no STJ? Revista Consultor Jurídico – CONJUR. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mai-15/onus-dialeticidade-jurisprudencia-defensiva-stj#sdfootnote1sym>.
[4] Nesse sentido, vale destacar que os processos de conhecimento no Brasil tramitam, em média, por 2 anos e 2 meses até a sentença e por 2 anos e 9 meses até a baixa, conforme Justiça em Números 2018: ano-base 2017/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2018.
[5] Conforme redação original do art. 226, §6º, da CR/88, “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.
[6] A propósito ver: TOSCANO DE BRITO, Rodrigo. Divórcio impositivo. Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6950/Div%C3%B3rcio+impositivo#_ ftn1>. No mesmo sentido: <http://ibdfam.org.br/noticias/5924/CPC+de+2015+torna+div%C3%B3rcio+imediato>.
[7] TJSP; Agravo de Instrumento 2109708-24.2018.8.26.0000; Relator(a): José Carlos Ferreira Alves; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado. Data do Julgamento: 9/8/2018; Data de Registro: 9/8/2018.
[8] TJBA. Processo 051810766.2013.8.05.0001. Juiz Alberto Raimundo Gomes dos Santos. 6ª Vara de Família Suces. Orfãos Inter. e Ausentes. J: 26/6/2014.
[9] TJPR. Processo 0022222-37.2015.8.16.0188. Juíza Joseane Ferreira Machado Lima. 2ª Vara de Família e Sucessões de Curitiba. J: 10/5/2018.
[10] http://www.tjpe.jus.br/documents/10180/2109879/DJ89_2019-ASSINADO.Divorcio.pdf/f0827abf-3108-a325-9165-55faae56dd03

*Dierle Nunes é sócio do Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia), doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do CPC/2015 e diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial (Ideia).

**Ana Luiza Marques é advogada do Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia) e membro do Grupo de Pesquisa Processualismo Constitucional Democrático e Reformas Processuais.

Fonte: Conjur (08/08/2019)

Homologar partilha sem comprovar quitação do ITCMD é constitucional, diz PGR

A Procuradoria-Geral da República opinou pela constitucionalidade do artigo do Código de Processo Civil que prevê a possibilidade de expedição de sentença de homologação de partilha sem a comprovação da quitação do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

O artigo foi questionado em Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, sob alegação de ferir a isonomia tributária. No entanto, segundo a PGR, embora repercuta sobre o modo de cobrança do crédito tributário, o dispositivo tem natureza processual e não trata da garantia do crédito tributário.

“O dispositivo não tem o alcance pretendido. Na realidade, ele versa sobre o patrimônio passivo do espólio, ou seja, sobre as dívidas deixadas. Admite-se a homologação da partilha ou da adjudicação, mesmo com a existência de credores do espólio, caso sejam reservados bens suficientes à quitação da dívida”, diz o parecer.

Artigo Questionado

O parecer foi expedido em ação apresentada pelo ex-governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, contra dispositivo do Código de Processo Civil. Na ação, o ex-governador sustenta violação à isonomia tributária, prevista no artigo 150 da Constituição Federal, “bem como invasão de competência legislativa de lei complementar sobre garantias e privilégios do crédito tributário”.

Clique aqui para ler o parecer.ADI 5.894.

Fonte: Conjur